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LIBERDADE

Abutres ameaçados de extinção são reinseridos na natureza

4 de setembro de 2021
Kamakshi Ayyar (The Guardian) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury Freitas
5 min. de leitura
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Foto: Bernard Castelein/naturepl.com

Em fevereiro o aviário da Reserva de Tigres de Buxa, no norte de Bengala Ocidental recebeu novos moradores. Oito abutres-indiano-de-dorso-branco criados em cativeiro, espécie considerada criticamente ameaçada de extinção, foram cautelosamente reinseridos e em poucos minutos estavam se misturando com abutres selvagens, devorando a carne de carcaças deixadas por uma equipe de pesquisadores da Sociedade de História Natural de Bombaim (BNHS).

As aves foram criadas em um centro de reprodução próximo mantido pelo BNHS, liderado pelo diretor assistente Sachin Ranade, como parte dos esforços para salvar os Abutres-fouveiro da Índia. Gradualmente, alguns dos abutres soltos se empoleiraram em árvores com seus primos selvagens, enquanto outros retornaram ao aviário de malha de arame onde haviam passado os meses anteriores para se aclimatar ao entorno.

Reinserções semelhantes ocorreram em janeiro, quando dois abutres-indiano-de-dorso-branco foram soltos em Bengala Ocidental e em outubro do ano passado em Haryana, norte da Índia, quando oito aves foram libertadas da maior instalação de reprodução de abutres do mundo.

Essas aves nascidas em cativeiro são as primeiras a serem soltas na natureza desde que os esforços de conservação começaram há cerca de duas décadas, focado em três espécies criticamente ameaçadas: abutre-de-bico-estreito, abutres-indiano-de-dorso-branco e o abutre-de-bico-longo ou abutre indiano. Desde então, um programa de reprodução bem-sucedido tem conseguido novos nascimentos a cada ano, com centenas de pássaros criados com sucesso em quatro centros.

Pesquisadores da BNHS, uma organização dedicada à pesquisa da vida selvagem e à conservação da natureza, estimam que a Índia abrigava 40 milhões de abutres na década de 1980. Esse número caiu mais de 97% na década de 1990, em grande parte devido ao uso de uma droga anti-inflamatória não esteroide (NSAID) chamada diclofenac, rotineiramente usada para tratar gado. A Índia tem uma grande população bovina – cerca de 302 milhões de acordo com uma estimativa de 2019 – cujas carcaças serviam de alimento para os abutres.

Vibhu Prakash, vice-diretor do BNHS, testemunhou a queda no número enquanto conduzia pesquisas no parque nacional Keoladeo do Rajastão em meados da década de 1990. “Vimos abutres mortos e doentes, com pescoços caídos. Após o aparecimento destes sintomas, eles geralmente morriam dentro de 10 a 15 dias”, diz o pesquisador. As autópsias revelaram o acúmulo de uma substância branca nos órgãos dos pássaros, um sinal de gota visceral.

Em 2001, Prakash e sua equipe criaram um centro de cuidados para abutres em Pinjore, Haryana, para estudar a causa das mortes e tratar aves doentes. Nessa época, pesquisadores americanos que estudavam abutres no Paquistão encontraram depósitos semelhantes e traços de diclofenac nos tecidos dos animais. Eles alimentaram os pássaros com carne de búfalo injetado com a droga e notaram que desenvolveram os mesmos sintomas e morreram pouco depois. “Era uma evidência clara de que diclofenac mata abutres”, diz Prakash.

Quando os pesquisadores examinaram tecidos de aves em Pinjore, descobriram que 76% das aves tinham morrido devido à ingestão de diclofenac. Em 2004, a equipe do BNHS consultou o professor de Cambridge, Rhys Green, para entender quais quantidades de diclofenac contida nas carcaças causariam quedas populacionais tão acentuadas nos abutres.

“O Prof. Green estimou que, se menos de 0,8% das carcaças de gado tivessem diclofenac, isso poderia causar esse tipo de acidente”, diz Prakash. “Coletamos amostras de carcaças em cerca de 2.000 locais e descobrimos que mais de 11% tinham diclofenac.”

No mesmo ano, a equipe do BNHS, juntamente com especialistas nacionais e internacionais e partes interessadas públicas e privadas, criou um plano de ação para salvar abutres. Isso incluiu um programa de reprodução para conservação, identificação de anti-inflamatórios não esteroides seguros para estes animais e interrupção do uso de diclofenac.

O centro de cuidados em Pinjore foi convertido em um criadouro, com grandes aviários construídos para fornecer espaços para procriação. Gradualmente, mais três centros de reprodução foram criados em Bengala Ocidental, Assam e Madhya Pradesh. A equipe de Prakash trabalhou com a Autoridade Central do Zoológico nacional para abrir quatro instalações menores em outras partes do país.

A criação de abutres é um processo lento – eles entram na idade fértil quando têm cerca de cinco anos e botam apenas um ovo por ano. A equipe usa métodos naturais e artificiais de incubação para criar em cativeiro filhotes das três espécies criticamente ameaçadas. Hoje, há mais de 700 abutres nos centros de reprodução em conjunto.

Em 2006, o governo indiano proibiu o uso veterinário de diclofenac após uma longa campanha e busca por uma droga substituta. Mas o diclofenac continuou a causar mortes de abutres porque estava legalmente disponível para uso humano em grandes frascos, e em alguns casos estava sendo vendido ilegalmente para uso veterinário. As pessoas compravam de farmácias e administravam grandes doses para o gado. Prakash e seus colegas pressionaram o governo a reduzir o tamanho do frasco para 3ml, a dose humana normal, e uma ordem oficial foi aprovada em 2015.

Simultaneamente, pesquisadores como Ranade, que supervisiona os centros de Bengala Ocidental e Assam, estavam trabalhando para criar zonas seguras para abutres. Ranade diz que há esforços contínuos para conseguir isso, incluindo reuniões com funcionários, líderes de aldeias e proprietários de gado, monitorando a disponibilidade de diclofenac e realizando levantamentos de populações de abutres.
O uso de Diclofenac diminuiu substancialmente devido aos esforços de grupos de conservação e ao apoio de organizações como a Saving Asia’s Vultures from Extinction (Save – Salvando Abutres Asiáticos da Extinção), um consórcio de parceiros internacionais. Mas, segundo Prakash, ainda há mais a ser feito. No ano passado, a BNHS fez uma parceria com autoridades indianas para lançar um plano de ação de cinco anos, que exige mais centros de reprodução e testes de segurança de drogas.

Em relação à perspectiva de novas reinserções de aves na natureza, a equipe acompanhará por satélite o progresso dos abutres marcados que foram libertados no ano passado antes de considerar o próximo passo. “Se nenhum dos abutres tiver mortalidade relacionada com drogas, então libertaremos cerca de 20 a 30 aves por ano”, diz Prakash.

Prakash está confiante de que os abutres não serão extintos, mas diz que sua sobrevivência depende dos humanos.

“Temos que garantir que sigamos as melhores práticas veterinárias, que as fontes de alimento não estejam contaminadas e que as carcaças sejam descartadas adequadamente”, diz ele. “Há esperança, mas depende de quão responsável a sociedade se tornará.”

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