Após 50 anos sem aparecer nas paisagens lusitanas, iniciativas de pesquisadores do país podem fazer o abutre-preto voltar a se reproduzir no local. De campos de alimentação à criação de plataformas de ninho artificiais, a intenção é que a população possa chegar a, no mínimo, 120 indivíduos.
Carlos Pacheco, consultor na área do Ambiente, que trabalha em plataformas para a criação de ninhos de aves de grande porte na empresa Mãe de Água, revela que se têm feito várias tentativas para a fixação definitiva do abutre-preto. “Vamos acreditar que vai acontecer como à águia-imperial que voltou a reproduzir-se em Portugal em 2002 após ter desaparecido durante 30 anos como reprodutora”, sublinha.
Em relação ao abutre, houve tentativas de reprodução nas zonas de Barrancos, Malcata e Tejo Internacional, mas todas sem sucesso, apesar de, em 2004, Carlos Pacheco ter chegado a encontrar um ninho natural construído em território português do Tejo Internacional, mas que viria a cair no ano seguinte sem qualquer ocupação. “Nessa altura ainda fizemos umas plataformas artificiais, mas nem assim”, lamenta, admitindo que o fato de a espécie ser bastante gregária – fixa-se preferencialmente em zonas onde já existem outros abutres, mas num raio de 20 ou 30 quilómetros – também estará a impedir o sucesso.
Ainda assim, Carlos Pacheco congratula-se pelas observações serem hoje bem mais frequentes que há uns anos. Aliás, na serra da Malcata podem ser vistos de 40 a 50 exemplares durante o dia.
Neste momento, a maior preocupação dos ambientalistas em torno do abutre-preto é a mortalidade causada por origem humana, sendo encontrados várias exemplares mortos devido a envenenamento. “O abutre vai a todo o tipo de presas, pequenas e grandes. Se um coelho, um cão ou uma raposa morreram envenenados, ele também acaba por morrer”, alerta Carlos Pacheco, lamentando a proibição de deposição de cadáveres no campo, que torna difícil ao abutre encontrar alimento.
“Tratam-se de zonas muito frequentadas pela espécie e é possível que em breve consigamos atrair alguns casais”, alerta, admitindo que a solução poderá passar pela criação de “campos de alimentação” de aves necrófagas, devidamente vedados, como forma de contornar a questão da recolha obrigatória de cadáveres. “Terá de ser uma solução acompanhada de controlo veterinário, sobretudo para animais domésticos, mas parece-nos a mais viável.”
Trajetória
Até a década de 1950, o abutre-preto fez parte da lista dos predadores cujo abate era pago à peça pelo Estado português. E foi um alvo apetecível na mira dos caçadores, que lhe custou a quase extinção. Sobreviveu, mas de lá para cá nunca mais o abutre-preto se reproduziu em Portugal.
Chegou a ser comum nos céus portugueses até à década de 50, distribuindo ninhos pelas zonas interiores do país, entre as serras da Estrela e do Caldeirão. Porém, o abate de florestas para dar lugar às campanhas de trigo retirou espaço ao abutre-preto, que teve de enfrentar a perseguição dos caçadores. O declínio da população acentuou-se nos anos 60, extinguindo-se mesmo como ave reprodutora no território.
Os abutres que apareciam em Portugal eram provenientes de Espanha, onde a comunidade registrou nos últimos anos um aumento muito significativo, passando de 300 para mil casais, tendo contribuído para a renovação da esperança também no país lusitano, onde se estima que a população possa ascender aos 120 indivíduos.
Com informações da DN