O crime contra as búfalas da Fazenda São Luiz da Água Sumida está ganhando contornos cada vez mais aterradores. A repercussão do caso, que chocou não apenas ativistas em defesa dos direitos animais, mas também toda a sociedade, está sendo classificado como crime de genocídio.
Para a Associação Brasileira de Criadores de Búfalo (ABCB), a maior atenção de um guardião deve ser com a saúde dos animais sob sua tutela. “Desde o início, a grande preocupação dos criadores é com a recuperação da vida dos animais. De salvar aqueles búfalos. Porque os animais não tem culpa nenhuma de uma situação dessas”, declarou Caio Rossato, em entrevista para o Globo Rural.
A ABCB doou 30 toneladas de feno e enviará uma nova remessa de mais 20 toneladas na próxima semana para ajudar na recuperação do rebanho. “Aqueles animais precisam de alimentação de boa qualidade. Então a gente se reuniu num grupo de produtores e estamos enviando alimento”, afirma.
No Brasil, existem cerca de 17 mil produtores de búfalos, com um rebanho total estimado em 2 milhões de animais, segundo a ABCB. O número representa menos de 1% da população total de bois e vacas do país, avaliada pelo IBGE em mais de 219 milhões de animais. “Quem é vegano não vai, obviamente, ser favorável à produção de alimento de origem animal, mas o que vimos em Brotas, felizmente, foi um caso isolado e não reflete a realidade da bubalinocultura profissional”, destaca o pecuarista.
Violação
Para o delegado responsável pela investigação, Douglas Brandão, regras básicas que constam na legislação referente ao bem-estar animal, foram infringidas. Assim como diretrizes sanitárias essenciais à qualidade e a procedência do leite ou da carne produzida pelo rebanho, que eram ignoradas na Fazenda. “Terminando essa investigação, vou dar início a outra que vai apurar crimes contra a saúde pública, porque ele extraía leite das vacas, mas a estrutura dele era muito precária, contrária à lei e está em desacordo com as normas vigentes no país”, conta Brandão.
Luiz Augusto Pinheiro de Souza foi multado em R$ 3,5 milhões por maus-tratos aos animais. Irregularidades ambientais encontradas posteriormente pelos investigadores, como a presença de búfalos em áreas de proteção permanente, que é vedada pelo código florestal, podem acarretar em um total de R$5 milhões em multas. “Parecia um cenário de guerra, daquelas pós-batalha, em que ficam soldados caídos, alguns mortos, outros feridos. Foi isso que nós encontramos, um cenário desse jeito”, recorda o delegado.
Desperdício
O professor do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias da Unesp de Jaboticabal (SP) Mateus Paranhos, que é referência em bem-estar animal, conta que já foram registrados casos de mortes de animais por fome no Brasil, especialmente no Nordeste, mas nunca foram por leviandade ou mesmo negligência do responsável pelo rebanho, como apontam os inquéritos policiais em Brotas.
“O criador simplesmente não fez nada para amenizar o problema dos búfalos. Podia ter comprado cana, silagem, feno e até palha para alimentar os búfalos ou ter vendido o rebanho ou parte dele. Os animais entraram em quadro de perda de condição corporal extrema, que resultou na morte de muitos deles. Isso, segundo a legislação brasileira, é um ato de crueldade, de maus tratos aos animais, tanto que houve uma ação da polícia e ele está sendo processado civil e criminalmente”, aponta Paranhos.
Vidas à venda
Luiza Schneider, vice-presidente da Mercy for Animals (MFA), disse em entrevista a Globo, que a situação das búfalas abandonadas em Brotas ainda é muito grave, porque a falta de água e alimento está provocando sérias alterações metabólicas que levam a morte dos animais. “Nesse caso, elas foram abandonadas à própria sorte, mas geralmente, quando cessa a produção de leite, as búfalas assim como as vacas são enviadas para o matadouro”, lamenta Luiza.
Para a diretora-executiva da Animal Equality Brasil, Carla Lettieri, o paradigma diante da situação é ligado aos mecanismos da indústria de proteína animal. “Numa situação de falta de lucro, os animais são descartados com intensa crueldade, como se não fossem seres vivos”, lamenta.
Os ativistas e as ONGs que estão tratando os animais estão custeando as despesas através de doações que permitem o tratamento dos animais e a manutenção do hospital de campanha, que atende os búfalos mais graves. Mas para Lettieri, esses gastos deveriam ser cobertos pela multa devida pelo pecuarista e que ainda não foi paga.
“O Estado precisa proteger os animais da crueldade. Isso está na Constituição e não está sendo cumprido”, defende a diretora, para quem os responsáveis pelos atos de barbaridade contra animais não podem simplesmente pagar uma fiança e responder ao processo em liberdade.