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A verdade sobre a chimpanzé Kate na novela Caras e Bocas

11 de janeiro de 2010
6 min. de leitura
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Projeto GAP

projetogap@projetog ap.com.br

Esta é a primeira vez que falamos publicamente da novela Caras e Bocas, da TV Globo, que terminou no dia 8 de janeiro, após quase 10 meses de exibição e com altos índices de audiência.

Durante todo este tempo, acompanhamos a novela diariamente (apesar de não ser nosso costume) e também tivemos contato com a direção da Globo sob vários aspectos da mesma. A novela teve um mérito: mostrou o que os chimpanzés são capazes de fazer, sua inteligência, sua esperteza, sua capacidade de planejar o futuro, seus sentimentos, praticamente tudo sobre o que temos falado nos últimos 10 anos – sua humanidade.

No entanto, alertamos a Globo sobre o lado negativo da novela:  a falsa imagem deixada para a sociedade de que um chimpanzé pode viver na casa de humanos, andar pela rua, relacionar-se com qualquer tipo de pessoa sem que um acidente trágico ocorra (como já relatado em nosso site).

Agora que o programa Fantástico (exibido no dia 10 de janeiro) revelou que o destino de Kate foi o de voltar para o local de onde saiu – o Zoológico do Parque de Diversões Beto Carrero World, em um ilha mínima (180m2), exposta ao público – nos sentimos livres para contar a verdadeira história sobre o destino de Kate.

Durante o desenrolar da novela, a Rede Globo fez uma proposta ao filho de Beto Carrero para a compra de Kate. No início ele aceitou. A idéia era entregá-la ao Santuário do GAP em Sorocaba, onde moram sua mãe e dois de seus irmãos, e onde poderia desfrutar da vida longe da exploração comercial, sem visitação pública, em recintos de 1000m2 ou mais.

Quando a operação foi oficializada, a Globo deveria informar ao Beto Carrero World o destino final da Kate, por norma do IBAMA. A emissora, obviamente, não tinha qualificação para recebê-la, por não se tratar de um Mantenedouro de Fauna Exótica, como a Lei exige. Quando o Santuário do GAP foi mencionado, os responsáveis pelo parque de diversões não aceitaram. Por quê? Vamos relatar aqui um caso judicial que tivemos com Beto Carrero nos últimos anos e que motivou essa retaliação.

Caso ex- Circo Garcia: O Circo Garcia foi um dos circos com maior quantidade de chimpanzés no Brasil. Anos atrás chegou a ter 27 em jaulas dentro de duas carretas de transporte. Reproduziam intensamente, chegando a produzir uma dúzia de bebês em poucos anos.

O circo teve dificuldades financeiras mais de 5 anos atrás e terminou fechado. Sua proprietária, Carola Garcia, tinha aposentado os chimpanzés em uma pequena chácara em Vargem Grande Paulista, junto ao Santuário do GAP local, de propriedade de Selma e Sonia Mandruca, que mantinham uma relação de amizade com Carola.

Quando Carola adoeceu, ficou hospitalizada e recebeu a visita de Beto Carrero, fazendo-lhe mudar uma doação já realizada por ela, protocolada no IBAMA, dos 14 chimpanzés que lhe restavam e estavam na chácara. Ela sugeriu a divisão dos primatas ( 7 para cada local), mas a promessa não foi cumprida já que Carola morreu antes de os chimpanzés serem transferidos para qualquer lugar.

O IBAMA “lavou as mãos” e, apesar de ter um documento protocolado para a doação dos 14 chimpanzés para Sorocaba, não quis tomar partido. Ante essa situação e porque nós já estávamos cuidando daqueles infelizes chimpanzés há mais de um ano, decidimos, entre os Santuários de Sorocaba e do Paraná, pela compra da herdeira do espólio do Circo, a chácara com todos os chimpanzés e instalações. Foi tudo realizado transparentemente, com registro em cartório.  O IBAMA nos deu, então, os documentos para transferir os chimpanzés – uma parte para o Paraná e outros para Sorocaba.

Em uma medida surpresa e ocultando da Justiça que nós éramos os legítimos proprietários das instalações e dos chimpanzés, Beto Carrero entrou com uma ação judicial e conseguiu uma liminar para retirar os 7 chimpanzés que alegou pertencerem a ele por uma promessa da ex-dona do circo, falecida. Uma juíza de São Paulo deu a liminar e eles entraram com força policial e armas expostas no Santuário do Instituto Anami do Paraná, afiliado ao GAP, levando 5 chimpanzés. O Santuário do Paraná entrou com uma ação de restituição de posse e, após vários meses, conseguiu a vitória no Tribunal Regional de São Paulo. Fomos até lá e retiramos os chimpanzés seqüestrados por Beto Carrero.

Após o fracasso do intento de sequestro, eu me reuni com Beto Carrero em São Paulo para tentar acabar com as brigas e pedi que ele transferisse os 6 chimpanzés restantes – moradores de ilhas minúsculas de seu parque, por onde passa um trenzinho com visitantes a cada meia hora, infernizando a vida dos pobres primatas.

O teor daquela conversa foi muito positivo, mas a inesperada morte de Beto Carrero ocorreu uma semana após a nossa conversa. O filho de Beto tentou insistir com o processo dos 7 chimpanzés, porém, novamente perdeu o recurso semanas atrás, sendo fortemente desqualificado pelo Tribunal por sua tentativa de seqüestro dos chimpanzés. Uma ação indenizatória dos proprietários do Santuário, de vários milhões, corre no Judiciário do Paraná. Haviam pessoas idosas, com mais de 80 anos, que precisaram receber tratamento médico urgente após a invasão policial comandada pelos advogados de Beto Carrero quando levaram os 5 chimpanzés.

Quem é a Kate? A novela “Caras e Bocas” precisava de um chimpanzé macho. Como o único “em condições de ser usada” era Kate, resolveram escolhê-la e tratá-la como um macho na novela. Nos capítulos finais, inclusive, “arrumaram uma namorada” para a personagem, representada pela própria Kate, fazendo ambos os papéis.

Kate nasceu em um zoológico do interior de São Paulo. Ela e sua mãe Margarete foram transferidas ou vendidas para um Criadouro Comercial que existia na época. Kate terminou sendo vendida para um dos circos de Beto Carrero. A Margarete continuou tendo bebês, até chegar ao Santuário do GAP de Sorocaba, junto com seus dois últimos filhos: Noel (agora com 12 anos) e Emílio (com 10 anos).

O Silêncio: Nós não falamos nada até hoje, apesar de sermos questionados e até criticados por não dar nenhum posicionamento, porque a participação de um chimpanzé na novela tinha sido aprovada pelo IBAMA e sabíamos que pouco poderíamos fazer. Vale lembrar que o próprio IBAMA e seu setor de Fauna, publicamente, rechaçaram e condenaram o uso de animais nesse tipo de programa.

Sabíamos que a Globo usava muitos truques e recursos de computação para substituir o trabalho real do chimpanzé, o que reduzia seu stress. A maioria das pessoas, no entanto, não percebia. Praticamente nenhum dos atores contracenava realmente com Kate.

Por outro lado, a novela tinha o mérito de mostrar o delito do tráfico de animais, os maus tratos realizados pelos circos e o fato de Kate (“Chico”) ter fugido de um circo, além de dar a ele (Chico), como destino final, um Santuário para a Fauna Silvestre, como falado no último capítulo. Por este lado, existia sintonia entre a novela e os princípios do GAP.

No fim, o mais triste de tudo isso é o destino de Kate, de volta a um zoológico para ser explorada e enriquecer empresários que pouco se importam com a vida destes seres inocentes tão próximos a nós.

Dr. Pedro A. Ynterian

Presidente, Projeto GAP Internacional

www.projetogap.org.br

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