As crianças, com raras exceções, percebem o animal como coisa, como parte do mundo. Isto porque, no mundo da criança, tudo faz parte dela.
A educação humanitária ensina que, para mostrar respeito ao outro, devemos respeitar sua individualidade, sua condição diferente da nossa.
Os zoológicos são lugares perversos nesse sentido. Eles reforçam o caráter egoísta do ser humano e mostram de maneira óbvia como tratamos os animais. Coisas a serem admiradas, invejadas, tomadas.
Quem já foi a um sabe bem: multidões fazendo churrasco, enchendo a cara, jogando comida, pedras e outros objetos nos animais. Furando os olhos dos mais mansos com gravetos. Essa é a condição egoísta de nossa espécie. Curiosa e arrogante por natureza. Diferente dos santuários, que abrigam animais carentes, sobretudo os que vêm do tráfico de animais e já não tem mais nenhuma chance de readaptação em seu ambiente natural, os zoológicos são centros de lazer para humanos e prisões para o restante dos animais.
Os santuários abrigam animais e até podem receber visitação, mas é orientada. A precariedade dos zoológicos e o foco centrado no lazer para humanos fazem deste lugar algo terrível.
Quando era criança, fui ao zoológico de Sapucaia do Sul e não me lembro de absolutamente nada. A ideia romântica de que o zoológico é uma experiência incrível para as crianças não é bem assim. Nas vezes em que voltei ao zoológico, já como estudante de biologia, detestei o que vi.
Alguns animais, só conheci pois os vi mortos na estrada ou em trabalhos dentro da faculdade de Biologia (os animais nativos do RS que morrem no zoológico de Sapucaia do Sul eram fornecidos para o Instituto Anchietano de Pesquisas para serem reaproveitados em trabalhos dentro do centro. E eu fui voluntária nesta parte do trabalho que era desmembrar os animais já mortos para montar uma coleção de esqueletos para serem usados em comparação na zooarqueologia). Neste ponto, é um importante recurso para substituição da vivissecção, mas na área de arqueologia e zooarqueologia não se pratica vivissecção, pelo menos até onde saiba.
Não acho que o fato de não ter visto animais como leões, girafas, camelos tenha comprometido minha visão sobre os animais. Não temos o direito de ver os animais que não vivem em nossa região. E temos que aprender a aceitar e entender isso.
Cada ser vivo pertence a um contexto, alguns vivem nas profundezas abissais e jamais viveriam fora de lá. Não temos o direito de interferir em suas vidas apenas por uma curiosidade mórbida, e jogando mais uma vez o peso sobre as crianças – que é a desculpa que ouço sempre – “as crianças precisam conhecer o canguru”.
Não precisam. Elas precisam conhecer o respeito aos seres vivos, precisam conhecer os animais de sua região, estudar seus modos de vida, visitar lugares onde eles vivem livres. E aceitar que não podemos ver tudo, que bugios podem não querer contato conosco. E teremos de respeitar sua vontade, não jogando pedras e nem fazendo cara feia.
Mas como é difícil aceitarmos o outro, e desenvolver em nós sentimentos genuínos de amor e respeito, quem sabe, amizade.
Ontem pela manhã a TV mais uma vez refletiu de maneira perfeita a mentalidade de muitos, mostrando o “amor” dos criadores de animais. “Para mim são como filhos”. Curioso é vender e agenciar a reprodução dos “filhos”.
No mundo onde poder falar sem parar num celular é o que conta, mesmo que só se digam bobagens, pouco se investiu na qualidade dos sentimentos, tudo é uma questão de compra e venda de afetos.
Compram o bichinho fofinho, mas só querem daquele tipo x, o com cara de lobo, o com cara de ursinho, de acordo com o freguês. E recentemente a campanha contra a compra de girafas importadas da África para “abastecer” o zoológico de Sapucaia do Sul mostra que nem todos estão girando nessa mecânica. Ainda existem pessoas que sentem de verdade, pensam de forma realmente inteligente, e deixam um pouco para lá nossa curiosidade e vontade de comprar o mundo e a felicidade.