Sempre fui fã de desenhos animados. Um dos meus preferidos na infância era “Os Flintstones”. Aquela família, que vivia na Idade da Pedra e que tinha todos os confortos da modernidade, simplesmente me fascinava. Era muito engraçado ver como eram adaptados os utensílios domésticos daqueles habitantes. O carro impulsionado pela força dos pés dos ocupantes, a televisão feita de pedra, as cartas que eram tão pesadas e o carteiro mal podia carregá-las.
Mas, o que mais me chamava a atenção no meio daquela parafernália toda eram os eletrodomésticos usados pela família. Todos eles utilizavam animais, que de alguma forma eram explorados em seus atributos físicos. Wilma aspirava o pó da casa com a tromba de um mamute — aliás, os mamutes eram muito úteis, pois eram utilizados também como torneira para lavar a louça, lavar o carro, no banheiro como chuveiro e em todas as tarefas em que se necessitasse de água. Os papagaios, com sua incrível habilidade para imitar a voz humana, serviam como interfone no consultório médico. Sem falar nos dinossauros que, por seu tamanho, eram excelentes em trabalhos pesados, como erguer as pedras na pedreira onde Fred Flintstone trabalhava. Quem não se lembra da sequência de abertura do desenho, em que Fred escorregava pelo pescoço do animal até atingir o chão? E o puxão no rabo do pássaro para fazê-lo gritar e avisar a todos que o expediente acabou?
O mais tocante para mim era as reclamações dos animais. Eles olhavam para mim e diziam: “Não aguento mais essa vida!” Isso me imbuia de certa compaixão para com eles. Os únicos animais que pareciam felizes eram os de estimação — no caso da família Flintstones era o Dino.
Os Flintstones são uma criação dos desenhistas Willian Hanna e Joseph Barbera da década de 1960. Os personagens foram criados como uma crítica à família americana da época. Seria como os Simpsons para nós, hoje.
No Brasil, foi exibido por várias emissoras, sobretudo durante os anos 1970. Justamente em uma época em que não se questionava muito a respeito de direitos fundamentais de humanos ou não humanos. Nessa mesma época, me lembro bem, eu, com menos de 10 anos de idade, ia à padaria comprar cigarros e cerveja para meu pai, pois não havia nenhuma lei contra isso. Na escola, as classes eram divididas por desempenho, segregando os alunos mais fracos em classe C ou D. Nas ruas, era comum ver carroças puxadas por cavalos, muitas vezes desnutridos e maltratados. Eram comuns os circos com animais e até espetáculos que exibiam galinhas com quatro pernas, bezerros com duas cabeças, com um sensacionalismo assustador, o que me incomodava muito.
Hoje, felizmente, já existe na sociedade certo questionamento a respeito de direitos humanos e também leis que regulam e proíbem abusos. No campo dos direitos animais estamos caminhando para a conscientização da população. As pessoas estão cada vez mais sensíveis à causa. Temos total liberdade de expressão. Podemos até discutir e questionar os desenhos animados consagrados por pelo menos três gerações.
Qual será então o caminho a seguir daqui em diante, já que agora estamos conscientes e prontos para ir rumo ao fim da exploração dos animais?
Seria não mostrar às nossas crianças as divertidas aventuras e trapalhadas de Fred Flintstone e Barney Rubble? Claro que não, isso seria o mesmo que privá-las de conhecer a história, ou seja, a nossa história.
O caminho, em minha opinião, é mostrar sim, não deixando de comentar sobre a exploração “divertida” tanto desse desenho como de tantos outros. É questionar sempre, principalmente, o fato de eles não estarem contentes com a situação, talvez usando as próprias falas do animais durante o episódio. Penso que os pais e professores devem estar sempre atentos e acompanhar aquilo que as crianças e jovens veem e pensam e como agem em relação aos direitos básicos da vida.