Um dos pensadores italianos mais devotados à filosofia e, sobretudo, à causa animal, foi o professor Piero Martinetti, nascido Pier Federico Giuseppe Celestino Mario Martinetti, na província de Torino, em 1872. Foi ele que, como poucos, conseguiu compreender o alcance da expressão “piedade”, de modo a estendê-la aos animais.
Martinetti surgiu na academia com a publicação de Introduzione alla metafisica, em 1902, tornando-se na maturidade opositor do emergente regime fascista, o que lhe custou, aliás, alguns dias na prisão. Estudioso das obras de Kant e Shopenhauer, das quais foi tradutor, aprofundou-se em Spinoza, cumprindo assim uma singular trilogia filosófica.
Importa dizer que deixou à posteridade dois livros sobre o tema dos animais: La psiche degli animali (A psique dos animais) e Pietà per gli animali (Piedade para com os animais), nos quais propõe uma moral mais justa e generosa, capaz de acolher, indistintamente, todos os seres da natureza. Vegetariano, também escreveu Breviario spirituale, um belíssimo ensaio sobre a sensibilidade animal, em que afirma que os animais são seres sensíveis capazes de moralidade, de afeto e de gratidão.
Sustentava ele, já naquele tempo, que os animais sencientes – porque dotados de um sistema nervoso – possuem intelecto e consciência, sendo, portanto, suscetíveis a dores e sofrimentos. No texto de Pietá, publicado em 1920, o autor faz menção, por exemplo, à manifesta inteligência dos cães, dos cavalos e à impressionante capacidade de organização das formigas e de muitos insetos, o que nos revela sua visão da alteridade, em que os animais merecem ser respeitados pelo que simplemente são.
Ao rebater, com peculiar magnitude, as teorias que negavam alma, sentimento, sensibilidade e inteligência aos animais, Piero Martinetti dizia que “os grandes espíritos veem o mundo que o vulgar não vê, um mundo mais vasto, mais rico, mais verdadeiro.”
Nas singelas páginas de Pietà verso gli animali, as palavras ganham a força de uma revelação:
“O animal é dotado tanto de intelecto quanto de consciência e, por isso, o seu sofrimento deve suscitar no homem uma profunda piedade. Não somente a conduta dos animais, mas seus próprios comportamentos, gestos e fisionomia revelam neles a existência de uma vida interior: uma vida talvez diversa e distante da nossa, mas dotada de consciência, de modo que não pode ser reduzida a um simples mecanismo fisiológico.”
Para exprimir a grandiosidade desse autor italiano, merecem transcrição os excelentes comentários de Alessandro di Chiara, autor do prefácio de Pietà:
“Para Martinetti, a dor dos animais assim como o sofrimento dos inocentes testemunha o mistério da existência e ao mesmo tempo revela o aspecto trágico da realidade, na qual o problema do mal, do ‘misteryum iniquitatis’, confirma a maldade e a aparência do mundo fenomênico. Diante dessas insuperáveis dificuldades que assinalam a vida, Martinetti propõe uma moral superior, na qual a justiça e a caridade orientem o homem além de uma Ética baseada em um fundamento religioso. Por esse motivo, a piedade representa, para ele, o verdadeiro símbolo da união que deve ocorrer entre o homem, a natureza e os animais, porque somente por meio da união de todos os espíritos individuais poderemos alcançar o realizar a virtude moral; trata-se de iludir a forma empírica da experiência temporal para procurar uma dimensão do eterno à qual possam aspirar todos os seres viventes.”
Segundo bem definiu o filósofo Norberto Bobbio, o saber de Martinetti se expressa em três direções: 1) no desprezo pelo clamor mundano; 2) na comunhão religiosa com o todo universal; e 3) no silencioso exercício da meditação interior.
Tamanho era seu sentimento de amor e piedade pelos animais que Piero Martinetti, falecido em 1943, dispôs em testamento a doação de vultosa contribuição financeira à Sociedade Protetora dos Animais. Seu legado maior, todavia, já havia sido deixado em vida. Foi uma pérola das letras, sua singela obra-prima chamada Pietá per gli animale.