“Pegue na lampreia e corte-a dando um golpe até meio do dorso. Sairá sangue e deve deitar logo um pouco de vinho. Deverá ter muito cuidado, já que nesse local começa a tripa. A mais ou menos seis centímetros, faça outro golpe – sairá sangue, deve deitar vinho. Repita estas operações até perto da cabeça. No segundo golpe, puxe a tripa com cuidado para não partir – para facilitar a operação utilize um palito de dentes e coloque uma linha a apertar o começo da tripa.”
O parágrafo acima trata de uma receita portuguesa para o preparo da lampreia. Essa receita foi retirada de uma revista, em que logo adiante há uma extensa matéria sobre a ameaça de extinção que ronda este animal, que não é um peixe, mas é considerado popularmente como tal. A lampreia pertence ao grupo dos Agnathas, é um tipo de vertebrado primitivo, sem mandíbulas. Porém é consumido em Portugal e também em outros países como um peixe. O especismo com relação aos peixes e “assemelhados” é sempre mais forte, visto que estes animais têm aparência muito diferente (ou estranha) da nossa. Embora possua sistema nervoso e comportamento complexo adaptado a ambientes aquáticos, na cabeça das pessoas (incluindo as que possuem curso superior) o peixe ainda é considerado um animal que não sente dor, estúpido, carne branca etc. A grande maioria dos peixes está atualmente contaminada por algum tipo de poluente, metais pesados, etc. Basta pensarmos que boa parte de rios e mares está abarrotada de toxinas, lixo e dejetos criados pelo ser humano.
A pesca já é considerada um negócio falido, embora ainda exista o glamour de “comida leve”, “comida chic” ou “comida saudável”. Do ponto de vista ético, que é o que interessa mais, matar peixes está não somente ferindo e acabando com milhares de espécies, como ainda a humanidade está degradando cada vez mais os ecossistemas onde há peixes, na busca ávida por “frutos do mar” ou pescado.
O peixe é um animal que perece rapidamente, pois é tirado de um ambiente totalmente diferente do nosso (aquático) e existem poucas formas de conservação, comparadas às formas de conservação das carcaças de outros animais. Para a “carne vermelha” existem os nitratos, as diversas toxinas que existem para conservar a carne e não deixá-la com aparência do que ela é de verdade: cadáver.
Para os peixes, há poucas formas de conservação e os contaminantes são muitos. As senhoras que passam mal nos restaurantes depois de encherem o estômago de peixe estragado, são as mesmas que reproduzem os clichês ouvidos na semana santa: “o peixe tem que ter o olho brilhando, a guelra vermelha, cheia de sangue.” Não percebem que animais mortos não podem ter olhos brilhando. Quando compram os peixes agonizantes, achando que estão fazendo ótimo negócio (“oba! peixe vivo!”), não estão se dando conta de que no mesmo tanque sujo havia outros indivíduos apodrecendo ainda vivos, e que foram retirados gentilmente pelos funcionários, discretamente para que não sejam vistos. O cheiro de peixe podre curiosamente não incomoda ninguém nessas feiras da morte.
A pesca está comprometida com a extinção de milhares de espécies a longo prazo. Jamais passa pela cabeça das pessoas investir dinheiro público em alternativas ou mesmo parar de consumir peixes. A pesca pode até crescer eventualmente (aparentemente e num curto espaço de tempo), mas a tendência clara é decair devido à poluição, extração intensiva e degradação ambiental. É um fenômeno mundial. Em alguns países como Japão já existe racionamento de pescado. E o bacalhau (que aqui se consome sem nenhum pudor) está ameaçado de extinção (várias espécies têm o nome “bacalhau” e todas elas estão ameaçadas).
Originalmente na semana santa se fazia jejum, mas de um dia para o outro as pessoas acharam que comer peixe era fazer jejum. Ou que peixe não é carne. Não dá para levar a sério tais “tradições” inventadas e moldadas aos comodismos e conveniências. De fato, esse delírio está levando à extinção muitas espécies de peixes e matando à míngua os pescadores (os pequenos, por enquanto), que por ignorância de todos, apostaram suas fichas nesse negócio falido e triste.