Do topo de uma castanheira amazônica, a 35 metros do chão, o fotógrafo João Marcos Rosa observa atento a movimentação na copa da árvore ao lado. Ele está sentado em uma plataforma estreita, veste roupas de camuflagem e se mexe o mínimo possível para não despertar a atenção dos vizinhos. Munido de arsenal fotográfico com pelo menos 40 quilos, Rosa espera com a ansiedade de um pai de primeira viagem o que deve acontecer a alguns palmos de seus olhos: o nascimento de um filhote de harpia, a maior águia caçadora das Américas.
Numa manhã chuvosa de maio de 2009, na Floresta Nacional de Carajás, sudeste do Pará, ele finalmente conseguiu registrar o primeiro dia de vida de um filhote da espécie que, por seu porte majestoso (2 metros de envergadura), é considerada a rainha da floresta. Foi um prêmio à dedicação e à habilidade desse mineiro de Belo Horizonte, que aos 30 anos já conta com uma bagagem robusta como fotógrafo de natureza. O resultado – imagens primorosas do namoro dos pais, da cópula, da incubação do ovo e do desenvolvimento do bebê – virou o livro Harpia, da editora Nitro, o primeiro documentário fotográfico da ave feito no Brasil.
A harpia ocupa a mais elevada posição na cadeia alimentar. Não tem predador, a não ser o ser humano. Ao comer suas presas – macacos, preguiças e, em menor escala, répteis e aves –, presta um serviço fundamental para o equilíbrio da natureza, o controle de populações de outros animais. Com suas longas asas listradas em tons cinza e branco, a águia pode ser vista em florestas tropicais entre o sul do México e o norte da Argentina.
Não por acaso, a harpia ganhou o título de ave mais poderosa do planeta. Suas garras têm tamanho similar às de um urso-pardo. Suas patas são maiores que a mão humana e conseguem carregar presas de peso igual ao seu. Seu nome vem da mitologia grega: tratava-se de um ser imaginário, rosto de mulher e corpo de abutre, e inspirou a fênix do filme Harry Potter e a câmara secreta. Também é conhecida como gavião-real, por causa de suas curvas imponentes e a coroa de penas no topo da cabeça. Pelos índios, é chamada de uiraçu, uma referência a seu grande porte.
No caso do fotógrafo, a ave provocou encantamento à primeira vista. O encontro foi em um cativeiro em Minas Gerais, em 2002. Rosa havia sido chamado para captar o nascimento de um filhote e diz que, naquele momento, decidiu fazer um documentário sobre a espécie. O último documentário sobre a ave no mundo havia sido feito pelo cinegrafista americano Neil Rettig, que nos anos 70 chegou a morar em uma cabaninha em cima de uma árvore no Suriname para clicar o bicho. Rosa ambicionava um registro mais completo. Para isso, acompanhou a rotina de biólogos do Programa de Conservação do Gavião-Real. Criado em 1997 pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o projeto busca proteger a harpia de suas principais ameaças: a caça e o desmatamento.
A despeito do tamanho e da força, a harpia é frágil. Reza a lenda na floresta que a ave de garras afiadas ataca pessoas e come crianças, o que estimula a matança. O avanço da fronteira agrícola e da retirada de madeira para a venda é outro fator de risco, uma vez que a espécie precisa de grandes áreas preservadas para sobreviver e só entrelaça o ninho nas árvores mais ascendentes. Para resguardá-la, não resta outro caminho que não a conscientização. “É um trabalho de formiguinha”, afirma a bióloga Tânia Sanaiotti, coordenadora do programa que, entre outras atribuições, dá palestras de educação ambiental a crianças e ribeirinhos.
Fonte: Época