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A Frente de Libertação Animal e os (Des)Caminhos do Movimento pelos Direitos Animais no Brasil - Parte I

5 de abril de 2009
4 min. de leitura
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No dia 30 de março de 2009 foi lançado um comunicado à imprensa, declarando que o incêndio ocorrido no dia 21 de março de 2009 numa das fábricas da Perdigão foi, na verdade, um ato de sabotagem da Frente de Libertação Animal (ALF, na sigla em inglês). Não houve confirmação do fato, de modo que não se pode dizer até que ponto ele é verdadeiro. Mas, se foi mesmo um ato de um grupo de defesa dos animais, ele foi mal concebido, mal planejado, um absoluto desperdício de tempo, dinheiro e energia e um ato totalmente incoerente com os princípios dos Direitos Animais.

Antes, seria necessário fazer alguns esclarecimentos quanto à ALF. A ALF é um grupo surgido na Grã-Bretanha, no ano de 1976, a partir das ações de sabotagens praticadas por ativistas que antes se identificavam como o “Bando da Misericórdia”. Inicialmente praticavam sabotagem apenas contra caçadas, depois expandindo seus atos para a sabotagem de laboratórios de vivissecção, fazendas de criação de animais para pele ou comida e o resgate de animais. Entre seus atos de sabotagem incluía-se o incêndio como forma de destruir propriedade e infligir prejuízo àqueles que extraíam lucro da exploração de animais, a ponto de levar alguns deles à falência.

Vale ressaltar que a ALF não é uma organização vertical, centralizada. De fato, nem é propriamente uma organização. Seria o que hoje nós chamamos de “rede”: um conjunto de núcleos de ativistas separados, sem comunicação direta (até porque usam o anonimato como arma de luta), sem qualquer vínculo ou responsabilidade perante uma autoridade organizacional, unidos apenas pela concordância em princípios e métodos. Segundo o seu próprio site, qualquer vegetariano ou vegano que leve adiante ações dentro das orientações gerais da ALF pode auto-intitular-se membro da ALF e assinar como ALF suas ações. Essas orientações gerais, em tradução direta dos que estão contidos no site da “rede”, são:

1. LIBERTAR animais de lugares de abuso, i.e. laboratórios, fazendas-fábricas, fazendas de peles, etc., e alocá-los em bons lares onde possam viver suas vidas naturais, livres de sofrimento.

2. INFLIGIR dano econômico àqueles que lucram com o sofrimento e exploração dos animais.

3. REVELAR o horror e as atrocidades cometidas contra animais por trás das portas trancadas, por meio da prática de ações diretas não-violentas e libertações.

4. TOMAR todas as precauções necessárias para não ferir qualquer animal, humano e não-humano.

5. ANALISAR as ramificações de todas as ações propostas, e nunca aplicar generalizações quando uma informação específica estiver disponível.

Feitas tais ressalvas, podemos começar a considerar as implicações do tal incêndio alegadamente promovida por um núcleo da ALF no Brasil – ou seja, de ativistas dispostos a tomar ações diretas em consonância com as orientações gerais da rede ALF.

Em primeiro lugar, pode-se pôr em questão a própria validade da reivindicação em fazer de tal incêndio uma ação da ALF. Se aceitarmos que foi mesmo uma ação de ativistas, ela falhou em TODOS os cinco pontos que constituem os requisitos para tal reivindicação:

1. Nenhum animal foi resgatado, nenhuma vida foi salva. As aves que seriam abatidas naquela fábrica foram desviadas para outros abatedouros. Com alguma benevolência, pode-se atribuir à suposta sabotagem o ganho de algumas horas ou dias na vida (miserável) de animais de corte. Talvez um ganho que eles não desejassem, de tão miseráveis que são suas vidas! Nenhuma galinha morrerá de velha por conta desta ação.

2. Os danos econômicos foram mínimos, conseqüentemente coloca-se em dúvida a validade da ação dentro de seus próprios princípios, o de sabotar uma fábrica que abate animais. A fábrica estava segurada e as perdas foram, portanto, cobertas. Após alguns dias, ela já estava apta a funcionar – ou seja, não houve danos estruturais no prédio.

3. Nenhum horror foi tornado público. Pelo contrário, a carta divulgada menciona um suposto dossiê que está sendo usando como forma de chantagem: em vez de divulgação, pratica-se o sigilo.

4. Incêndios são fenômenos difíceis de controlar. Especialmente numa zona urbana, os riscos de danos colaterais são muito grandes. Por mais bem planejada que tenha sido a suposta ação, é altamente questionável que o método escolhido seja razoável com o propósito de evitar danos à vida humana e animal. Não se deve esquecer que há um ecossistema no entorno da fábrica que pode ter sido afetado sem que ninguém tenha se dado ao trabalho de investigar – animais que vivem nas proximidades de aglomerações humanos, pássaros, animais que vivem no subsolo, etc., podem ter sido vítimas desse incêndio.

5. Em luz dos quatro pontos acima mencionados, pode-se mesmo afirmar que aqueles que alegam ter incendiado uma fábrica levaram em consideração os desdobramentos de seus atos?

A questão é, porém, muito mais grave e complexa do que definir a precisão de chamar tal incêndio de sabotagem provocada pela ALF.

A questão é definir se tal ação pode, coerentemente, ser reivindicada como uma ação em prol dos direitos animais, e que bem ela trará igualmente aos animais, ao movimento e aos seus ativistas.

Vista por este ângulo mais abrangente, a ação foi um total fracasso. Ela não salvou diretamente nenhuma vida, não salvará vidas em longo prazo e em nada contribui para a expansão e consolidação do movimento pelos direitos animais no Brasil. Faltou aos ativistas a sensibilidade de analisar os desdobramentos de tal ação à luz da história social e política tanto do movimento quanto do país que lhe abriga.

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