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A falácia do desenvolvimento sustentável a partir da coisificação animal

28 de fevereiro de 2011
4 min. de leitura
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Periódicos, sites especializados, eventos científicos, filmes documentários e as estantes das melhores livrarias do país. Nunca tivemos tanto acesso a resultados de pesquisas ou à boa literatura científica sobre o colapso dos recursos do planeta. Há um movimento mundial crescente propondo repensar os rumos da sociedade de consumo, formado por cidadãos e instituições que reconhecem a urgência da mudança de percepção ante o impacto causado ao meio ambiente. Mas, na contramão da retomada e aplicação de valores éticos, ainda está a velha e destruidora economia linear, voltada para o lucro, que insiste em escrever suas páginas com a exploração animal e o descaso quanto ao direito das gerações futuras a um mundo saudável.
Neste contexto, parece brincadeira de mau gosto que o Brasil tenha um Ministério da Agricultura preocupado em alterar o Código Florestal para permitir o cultivo de vegetação exótica em áreas de recuperação de floresta nativa na Amazônia, como o dendê, ou anistiar produtores que fizeram uso ilegal das áreas de preservação permanente anterior a julho de 2007. Especialmente quando se sabe que a maior parte da derrubada da floresta nativa foi executada para a exploração pecuária. Mas tanto isto é verdade como o é o fato de o Ministério da Pesca ignorar o abuso de espécies aquáticas e aprovar leis que, em falsa desculpa de promover a sustentabilidade, pretendem multiplicar a atividade no país. As justificativas que levam o rótulo sustentável são as seguintes: proteger o período de reprodução, organizar a produção e “preservar recursos”. Mas na verdade a intenção bem clara como dita ao Jornal Valor pelo Ministro da Pesca, Altemir Gregolim, é “montar as condições institucionais para criar a cadeia produtiva do pescado no Brasil, assim como há a do boi e frango”.

Lotear áreas públicas, intensificar a criação em cativeiros e maximizar a produção em 500 mil toneladas de peixes por ano em áreas de reservatórios de hidreléticas são propostas de lei que, em primeiro lugar, desconhecem o fator ético em sua concepção. Basta acompanhar atentamente o pensamento de Peter Singer, no livro Libertação Animal, para compreender que a exploração animal não é um “negócio”, mas um crime contra os direitos inatos dos animais. Depois, essa proposta de lei ignora as conseqüências do desastre ambiental, causado pela produção de camarões e peixes em cativeiro na costa do país. A enorme quantidade de animais amontoados nos tanques solicita doses imensas de pesticidas, bactericidas e fungicidas. E esses produtos não só expõem os animais a condições degradantes, como contaminam a carne e geram toneladas de excrementos e água contaminada despejados diretamente nos rios e oceanos.

O relatório “Impactos sobre o Meio Ambiente do Uso de Animais para a Alimentação”, da SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira – revela dados não menos dramáticos sobre a indústria pesqueira. Há hoje em curso um apocalipse marinho que promoveu, até 2006, a extinção de 29% de espécies de peixes e “frutos do mar”, o que se refletiu no rendimento da pesca, que caiu mais de 90%. Precisa mais do que isso para reconhecer que o consumo de animais marinhos é insustentável? As fazendas de aqüicultura devastam os biomas litorâneos, com especial destaque para as criações de salmão e camarão. E há uma divisão clara de classes de consumo desses animais: é a menor parte da população, das classes mais abastadas, que se utiliza desses animais para alimentação. Funciona assim: para produzir 1 kg de salmão são necessários 6,2 kg de pescado. Por isso, mais de um terço das capturas pesqueiras atuais vira comida para peixes de cativeiro. E quando os de menor valor econômico são retirados aos milhares dos oceanos, é eliminado um importante elo na cadeia alimentar marinha. A situação é tão grave que as entidades que procuram proteger os oceanos estimam que a exploração marinha precisa ser reduzida em 60% para reverter a situação.

Sim, temos muitas pesquisas sobre como podemos agir de forma sustentável. Uma atitude simples, economicamente viável e engajada do ponto de vista da ética é o fim da exploração e consumo de animais para alimentação. Mas não é possível identificar no discurso desenvolvimentista dos legisladores e governantes brasileiros a menor boa vontade em termos de ações pela sustentabilidade e pela ética. A cada novo passo que incentiva a sociedade consumista a dar rumo à transformação dos animais em objetos, a esfera pública a faz dar outro rumo à destruição do planeta. A eco-economia, como desenhada por Lester Brown – e mesmo com as críticas aqui expostas em artigo anterior –, sequer passa pela concepção intelectual dos governantes brasileiros. Lamentavelmente, a palavra de ordem é a repetição de um modelo conhecido e falido, que coisifica os animais. É cronicamente inviável que o desenvolvimento econômico seja atingido por regras comprovadamente incoerentes com a sustentabilidade. O que se vai atingir rapidamente com a manutenção da exploração de animais é o colapso do planeta e da civilização do consumo.

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