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A conservação da vida selvagem precisa de um plano de recuperação pós Covid-19

16 de junho de 2020
6 min. de leitura
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Panda gigante sentado de frente para um lago
Pixabay

Ironicamente, a tragédia causada pela pandemia de Covid-19 resultou em avanços sem precedentes para a qualidade do ar. Os níveis de dióxido de nitrogênio têm decaído em vários lugares do mundo, incluindo 30% nos Estados Unidos e 60% nos Emirados Árabes.

Os gases de efeito estufa globais estão previstos para diminuir 8% nesse ano, a maior queda em mais de 70 anos. Enquanto esses avanços serão difíceis de manter enquanto os países reiniciam sua economia, tem sido demonstrado claramente através de experimentos de vida que, não só são significantes para a qualidade do meio ambiente, como podem ser obtidos relativamente rápido.

Ao mesmo tempo, posts virais em redes sociais sobre a recuperação da vida selvagem têm chegado aos noticiários: o acasalamento de dois pandas gigantes pela primeira vez em 13 anos em um zoológico de Hong Kong, gazelas montanhesas vistas ao fundo do Burj Al Arab em Dubai, e milhões de tartaruga-oliva copulando nas praias de Odisha, Índia, entre outros.

Mas o que deveríamos fazer com esses supostos sinais de retorno da
natureza? Existe alguma rigorosa pesquisa científica para embasar essas
anedotas assim como existem documentos que claramente comprovam a
melhora na qualidade do ar e as emissões? Ou estamos apenas procurando
pela luz no fim do túnel no meio da escuridão?

Baseado na minha experiência como ex-chefe do maior regulador ambiental do meio oeste, estou realmente impressionado com os dados sobre o ar mais limpo e a redução na emissão de gases de efeito estufa.

Entretanto, na minha atual função como diretor de um instituto filantrópico que prove suporte financeiro para projetos de conservação de espécies ao redor do mundo, estou cético sobre a uma real evolução no status da vida selvagem. A conexão entre a atividade econômica e as emissões é clara, nós sabemos há um longo tempo que os fatores de perda da biodiversidade são muito mais amplos. Em um estudo que nós concluímos no Mohamedd bin Zayed Species Conservation Fund (MBZ Fund), nós aprendemos que o lockdown global da Covid-19 está prejudicando os esforços para evitar a perda de biodiversidade em todo o mundo.

Recentemente, pesquisamos 300 de nossos beneficiários anteriores cujos
dedos estão no pulso da conservação da vida selvagem em mais de 80 países. Seus projetos vão desde um pequeno projeto de conservação de gatos selvagens na Argentina até a redução do comércio de pangolim no Vietnã. Esses conservacionistas colocam suas botas no chão para conduzir projetos de conservação de espécies em campo para as espécies mais ameaçadas do mundo. Muitos encontraram grande sucesso na redescoberta
de espécies perdidas, descobrindo novas e reduzindo ameaças a inúmeras outras.

Nossos conservacionistas normalmente estariam marchando por florestas, mergulhando entre recifes insulares, vagando por pântanos, escalando montanhas ou descendo distantes correntes oceânicas. Ao invés disso, mais de 85% deles estão enfiados em casa. O lockdown evita que eles estejam em campo; até seus escritórios e laboratórios estão limitados. Entretanto isso não deve ser visto como algo fora do normal pois, muitos de nós,
estamos presos em casa também, mesmo assim os conservacionistas devem estar lutando contra a extinção das espécies.

Cientistas estimam que estejamos perdendo mais de 10 mil espécies para a extinção por ano, um número que é mil vezes maior que em qualquer outro tempo. Conservacionistas são a linha de frente da natureza, assim como os cientistas que buscam pela cura para acabar com a pandemia. Sem os conservacionistas em campo, estamos perdendo a linha de frente na defesa contra a destruição de habitat, desflorestamento, além da caça e
poluição.

A pesquisa revelou que os conservacionistas estão preocupados com suas finanças futuras, assim como das organizações. Mais de 67% dos pesquisados disseram que a pandemia tem afetado negativamente suas organizações e 40% disseram que tem afetado negativamente seus trabalhos e carreira, com 22% deles perdendo seus empregos. Na verdade, muitos dos conservacionistas foram colocados em licença indefinida ou simplesmente dispensados. Nossa pesquisa também revelou séria queda nos fundos para conservação.

Por exemplo, a conservação é fortemente apoiada por turistas que pagam taxas para visitar parques nacionais, ir em safári ou visitar zoológicos. Instituições que fazem parte da Associação de Zoológicos e Aquários americana (AZA) por exemplo, doaram cerca de $220 milhões no último ano para programas de conservação global. Em outros lugares do mundo, os zoológicos também são grandes financiadores da conservação. Com os zoológicos fechados, os pandas podem estar acasalando, mas não estão tendo nenhum retorno para ajudar na conservação.

Perguntamos se as ameaças às espécies e habitats aumentaram. A maioria dos entrevistados relatou preocupações, com muitos temendo que os milhões feitos recentemente desempregados nas megacidades do mundo estariam voltando para casa de seus ancestrais. Sem renda, os recém-deslocados olharão para a natureza por subsistência, para comida, combustível e irão exercer tremenda pressão na natureza.

Essa pressão provavelmente está sendo agravada pelo fato de que as pessoas em quem todos confiamos para impor e proteger a natureza não estão mais no campo. Mesmo que a pandemia esteja sendo uma pausa para a vida selvagem se recuperar, os conservacionistas deixaram bem claro que ela colocou em movimento a possibilidade real de que espécies já ameaçadas, agarradas à vida pelos fios mais finos, estão prestes a ser devastadas enquanto pessoas que estão sem trabalho recorrem à caça e destruição de habitats para a agricultura, como forma de sobrevivência.

Essas preocupações têm justificativa: o Banco Mundial prevê que metade dos empregos na África subsaariana serão perdidos e o sul da Ásia irá passar pela pior performance econômica em 40 anos.

Diante da recessão global, muitos países estão procurando por estímulos significantes para reativar a economia e ajudar os mais variados setores a retornar à normalidade o mais rápido possível. Neste momento crítico, a comunidade internacional deve priorizar a providência de ajuda financeira e assistência no desenvolvimento mundial e a economia em transição para assegurar que as décadas de avanço na conservação da natureza e
desenvolvimento sustentável não sejam perdidas.

A comunidade de conservação deve levantar sua voz urgentemente para assegurar que os governos não sejam levados à inação pelos dados sobre a recuperação da natureza ou a queda nas emissões. Assim como outras indústrias e setores que estão fazendo resgates financeiro para sobreviver e se recuperar da pandemia, é crucial que haja esforço para ter o mesmo financiamento que se tinha antes da pandemia, porém ainda maior para refletir a severidade dos danos causados à biodiversidade.

Assim como “recuperação ambiental” vem sendo discutida, a comunidade de conservação deve discutir sobre um “plano de recuperação da natureza” onde será dado o estímulo necessário para a recuperação da biodiversidade.
Isso deve ser feito num quadro robusto de biodiversidade global para assegurar a prevenção da perda de biodiversidade e que está alinhado com o impacto das mudanças climáticas.


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