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A Civilização Empática de Rifkins e os animais não-humanos

2 de setembro de 2011
6 min. de leitura
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The Empathic Civilization – The race to global consciousness in a world in crisis (A Civilização Empática – A corrida para a consciência global em um mundo em crise) de Jeremy Rifkin foi publicado em 2009 e ainda não há tradução para o português. Com quase 700 páginas, o livro tem um objetivo ambicioso: lançar uma nova perspectiva sobre a história e o sentido da existência humana a partir da noção que a especie humana é essencialmente empática. A evolução humana deve ser medida não apenas pela expansão do poder dos humanos sobre a natureza, mas igualmente pela intensificação e extensão da empatia humana. Assim, Rifkin procura, através da análise histórica e da psicologia, estabelecer quais mecanismos permitem a sensibilidade empática amadurecer e expandir sua área de alcance.

Com base em resultados de pesquisas recentes da psicologia evolutiva, da neurociência cognitiva e dos estudos do desenvolvimento infantil, Rifkin argumenta que a visão de que os humanos são por natureza egoístas, racionais, materialistas, individualistas e utilitarista  estaria incorreta: os humanos são empáticos por natureza, realizam-se na compaixão, solidariedade e pertencimento.

Entretanto, a extensão da empatia humana é produto da história. A cada novo regime energético e de comunicação a empatia humana ganha maior alcance. Ao estender o sistema nervoso central de cada indivíduo e da sociedade como um todo, as revoluções nos regimes energéticos e nas formas de comunicação proporcionam um campo empático cada vez mais inclusivo.

Um exemplo: durante o período das grandes civilizações agrícolas-hidráulicas, caracterizada pela escrita e consciência teológica, a sensibilidade empática passou a englobar além dos laços de sangue e tribais, os laços com base na afiliação religiosa comum. Judeus passaram a simpatizar com os judeus, os cristãos com cristãos, muçulmanos com os muçulmanos. Na primeira revolução industrial, caracterizada pelos meios de comunicação escritos e da consciência ideológica, a sensibilidade empática foi estendida para as fronteiras nacionais, alemães desenvolvendo maior empatia com alemães, japoneses com japoneses. Na Segunda Revolução Industrial, caracterizada pelo uso de combustíveis fósseis e comunicação eletrônica, as pessoas começaram a se identificar com outras pessoas com interesses semelhantes.

Com a atual revolução dos meios de comunicação, produto do recente salto na tecnologia da informação, e a necessidade de um  regime energético baseado em fontes de energia renováveis e não mais nos combustíveis fósseis, que o autor denomina de Terceira Revolução Indústrial,  o homem encontrou a possibilidade de expandir seus sentimentos empáticos para todos da espécie humana, até mesmo para outras espécies, os não-humanos, para o planeta terra, o que o autor denomina de a empatia global ou biosférica.

Porém, nessa transição para um novo regime energético e de comunicação, a empatia global é ao mesmo tempo apenas uma possibilidade e uma necessidade para a própria sobrevivência do planeta terra. O mesmo regime energético, baseado nos combustíveis fósseis,  que permitiu um maior desenvolvimento da empatia humana está colocando em risco o próprio planeta Terra.  Nesse sentido, o autor coloca a questão que considera central em seu livro: Podemos alcançar a empatia global a tempo de salvar a Terra da extinção?

A extensão da empatia dos humanos aos outros animais não-humanos (“our fellow species” como chama o autor), o ativismo pelos direitos dos animais e sua importância para o desenvolvimento de uma empatia biosférica são tratados em apenas 6 páginas do livro. Para Rifkin, o movimento dos direitos animais é um “possivel prenúncio da chegada da Era da Empatia”.

É decepcionante a superficialidade e leveza com que Rifkin trata a questão da relação dos humanos com os não-humanos no The Empathic Civilization. Em especial, pelo fato de sua companheira, Carol Grunewald, ser uma ativista pelos direitos animais e o próprio Rifkin autor de Beyond the Beef – The Rise and Fall of Cattle Culture (Além do Bife: Ascensão e Queda da Cultura do Gado) , de 1992, e do artigo A Chage Of Heart About Animals (Uma mudança de coração sobre os animais), de 2003, sobre a necessidade dos humanos expandir sua empatia aos animais não-humanos.

A despeito da decepção que o leitor mais preocupado com a os direitos dos animais não-humanos pode ter com a superficialidade do tratamento de Rifkin da importância na inclusão de todos os terráqueos no círculo empático, a leitura de seu livro pode nos ajudar a repensar o ativismo pela abolição da exploração animal.

Rifkin destaca a importância de se pensar a razão dos humanos como uma razão encarnada, ou seja, ao mesmo tempo um produto da história humana e de nossa biologia, na qual as emoções e sentimentos não podem ser facilmente desvinculadas do raciocínio meramente lógico e calculista. Um alerta importante aos que acreditam que um mero apelo à razão lógica dos humanos é suficiente para a abolição da exploração dos não-humanos. É necessário considerar a importância que o “irracional”, as emoções, desempenha na visão de mundo e atitudes dos humanos. A mudança da sensibilidade humana, que possibilite uma empatia inclusiva de todos não-humanos, somente é possível  através de uma mudança da sociedade, de forma progressiva e calcada em novas experiências de estar o mundo e relacionar-se com o Outro, humano ou não-humano.

Embora a empatia faça parte da natureza humana, sua extensão e maturidade devem ser desenvolvidas. O livro de Rifkin dedica centenas de páginas no estudo do amadurecimento da empatia na história e sua base socioeconômica. Portanto, é insuficiente apenas contar com a empatia humana para a construção de um mundo livre da exploração animal sem se preocupar com a construção de uma sociedade que permita uma empatia mais ampla e madura. O desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente empática, em que abranja os não-humanos, deve ser construída a partir de mudanças no sistema educacional, na relação dos pais e filhos, no governo e na economia. Dessa forma, o ativismo abolicionista não deve se limitar às campanhas de conscientização, mas também em campanhas que permitam mudar a base de nossa sociedade, na construção de uma empatia humana mais ampla e madura.

A partir desta perspectiva, de uma empatia em desenvolvimento e amadurecimento, devemos reavaliar se as medidas bem-estaristas estariam de fato em oposição ao ativismo abolicionista, se não seria uma etapa necessária para construção de uma base social e econômica para a percepção progressiva dos não-humanos como integrantes do mesma esfera de consideração moral dos humanos. Será o tratamento “humanitário” dos não-humanos acomoda a consciência humana, tornando a abolição da exploração animal mais distante, ou uma primeira reflexão empática sobre a exploração dos não-humanos?

Como a empatia é tema central no ativismo pelos direitos dos animais não-humanos, a leitura do The Empathic Civilization pode nos ajudar a pensar alguns temas importantes para o movimento, apesar da superficialidade da obra em muitos aspectos e da relutância de Rifkin em colocar de forma clara a verdadeira questão: a civilização humana poderá escapar de sua própria débâcle sem a abolição da exploração dos não-humanos?

Rogério Abramo Pretti – Graduado em Ciências Sociais pela USP

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