No sudoeste da Alemanha, aninhada entre os Alpes da região da Suábia e o densamente arborizado parque natural Schönbuch, está Tübingen, uma cidade universitária que deixaria a maioria dos cenários da Disney no chinelo.
A cidade é construída em torno do centro histórico quase perfeitamente preservado, com suas ruelas de paralelepípedos, casas antigas de madeira e canais ondulantes. (Enquanto os centros históricos da maioria das cidades alemãs foram destruídos durante a Segunda Guerra Mundial, apenas uma bomba caiu em Tübingen.)
O rio Neckar corre pelo centro da cidade, formando uma pequena ilha Neckarinsel, que fica coberta de flores na primavera e resplandece dourada no outono.
Tübingen fica na Suábia, uma região alemã famosa por sua frugalidade, e que também é um dos pontos mais ensolarados do país, tornando-a consideravelmente mais alegre do que outras partes que apresentam um clima mais nebuloso e chuvoso.
Como uma cidade acadêmica, é pequena, mas ainda assim dinâmica.
“Para o tamanho da cidade, acho incrivelmente internacional”, diz Nele Neideck, que administra uma comunidade de expatriados.
Estive em Tübingen pela primeira vez há oito anos para visitar um amigo e, à primeira vista, a cidade parecia um conto de fadas, com sua paisagem idílica e atmosfera jovem dos 90 mil moradores, mais de 27 mil são estudantes da Universidade de Tübingen.
Atravessamos rios caudalosos, nos deliciamos com especialidades da Suábia e viajamos para festas em ônibus cheios de estudantes.
Quando me despedi desta cidade peculiar, nunca imaginei que anos depois voltaria para viver nela.
Mas é isso que Tübingen faz: te atrai e, antes que você perceba, a facilidade de viver em um lugar tão pequeno e vibrante como este faz com que você nunca queira sair.
Não é só isso, no entanto, que caracteriza Tübingen: é também uma cidade inovadora, verde e que permite a existência de estilos de vida alternativos.
Para contextualizar a singularidade da cidade, Tübingen foi um dos centros dos protestos estudantis alemães de 1968, que ocorreram em toda a Alemanha Ocidental contra o tradicionalismo e a autoridade, o que influenciou a sensibilidade esquerdista e ambientalista da cidade.
“Em Tübingen, há iniciativas de moradia autogovernadas, em que as refeições e as compras de supermercado são organizadas coletivamente, e são principalmente veganas“, explica Jenny Bröder, que mora em Tübingen há 12 anos e trabalha na universidade.
“As pessoas que administram e vivem nestas moradias são muitas vezes politicamente ativas, cultivam uma consciência para temas sociais e ecológicos e contribuem para a cena cultural organizando shows, palestras, festivais e festas. A comida oferecida nestes eventos geralmente também é vegana.”
Na verdade, muita gente que conheci desde que me mudei para cá é vegetariana ou vegana, e é tão comum perguntar se alguém come carne quanto perguntar se tem alergia.
Tübingen é, inclusive, um dos participantes oficiais do Veganuary, o desafio anual que incentiva as pessoas a serem veganas no mês de janeiro.
“Nossa oferta veg do dia se esgota muito mais rápido do que a oferta de carne”, conta Alok Damodaran, que administra um food truck do sul da Índia na cidade.
Isso é significativo em um país que é conhecido por sua salsicha.
Políticos verdes fazem parte do Conselho Distrital desde 1979. E como um terço de sua população é de estudantes, a cidade abriga uma comunidade educada que é consciente em relação às questões ambientais.
É este espírito jovem e enérgico que permite que a sustentabilidade seja funcional.
Por exemplo, Amelie Dietenberger e Kajetan Krott começaram a fazer pão de banana vegano durante a pandemia de Covid-19, primeiro fazendo entregas individuais, e depois transformando em um negócio que abastece vários cafés.
“Tübingen tem uma certa sensação de ser verde e feliz, e tem muitos jovens, o que se encaixa no nosso projeto”, afirma Dietenberger.
“As pessoas são tão solidárias porque se trata de uma iniciativa local e apreciam especialmente que a gente entregue em um carro elétrico”.
Sedat Yalcin abriu a Ada Bakery na cidade depois de ter feito um programa de intercâmbio há vários anos, e agora a administra com sua esposa, Aysenur-Sarcan Yalcin.
Enquanto a Alemanha é famosa por seus döner kebab e shawarmas, na padaria de Yalcin praticamente toda a comida é vegetariana ou vegana.
Há böreks (espécie de salgado folhado) deliciosos recheados com espinafre, batatas, berinjelas, tahine e queijo, assim como simits, um pão turco redondo, e saladas fartas.
“Todas as noites acaba tudo”, revela Yalcin.
“Uma padaria turca vegetariana funciona aqui por causa de todos os estudantes, mas também das pessoas que são daqui, que se preocupam com o meio-ambiente.”
Tübingen também está sendo constantemente revitalizada e modernizada para ser cada vez mais ecológica.
Ciclovias amplas e bem integradas, junto a tarifas altas de estacionamento, tornam a cidade bastante hostil para carros.
Um decreto aprovado em fevereiro de 2022 declarou que os carros não vão poder circular mais na rua central da cidade, que será reservada para ônibus e bicicletas.
Os estudantes podem andar de ônibus gratuitamente nos fins de semana e depois das 19h todas as noites, enquanto as viagens de ônibus são gratuitas para todo mundo aos sábados. (O governo local planeja, inclusive, tornar os ônibus gratuitos o tempo todo.)
Tübingen tem um gasto per capita três vezes maior em infraestrutura para bicicletas do que Copenhague, na Dinamarca, de acordo com Boris Palmer, prefeito da cidade.
E, no início de 2022, Tübingen tentou elevar ainda mais o status verde da cidade, impondo uma nova taxa e se tornando a primeira cidade na Alemanha a implementá-la.
O chamado Verpackungssteuer (imposto de embalagem) previa um pagamento extra de cinquenta centavos para qualquer embalagem descartável, como copos de café, potes de sorvete e pratos para refeição. No caso de talheres descartáveis, como garfos, facas e colheres, o custo era de vinte centavos a mais.
Até as caixas de pizza e o papel alumínio usado para embalar um falafel para viagem eram tributados.
Independentemente de serem feitos de material sustentável ou reciclado, qualquer coisa de uso único era mais cara, com base no princípio de que a não produção era melhor do que a reciclagem ou descarte futuros.
O imposto teve um início promissor: as primeiras semanas resultaram em até 15% menos resíduos nas lixeiras da cidade.
Inicialmente, tanto os moradores quanto as empresas de Tübingen se mostraram à altura do desafio.
As pessoas começaram a adquirir o hábito de levar seus próprios talheres, e os restaurantes começaram a fornecer pratos reutilizáveis.
“Parei de estocar pratos descartáveis“, contou Naresh Taneja, dono há 30 anos do restaurante indiano vegano Maharaja em Tübingen, quando o imposto foi implementado.
“Já estávamos incentivando nossos clientes a trazerem suas próprias marmitas, e esse imposto ajudou ainda mais.”
De acordo com Yalcin, o governo local forneceu assistência para que fizessem face ao imposto de embalagem e os ajudou a comprar lava-louças e talheres reutilizáveis.
Mas a regra não foi bem recebida pelo único McDonald’s de Tübingen, que processou a cidade por causa do imposto.
Com mais de 1,5 mil restaurantes em todo o país, o McDonald’s afirma que é difícil customizar soluções e defende uma estrutura uniforme, no lugar das diferentes regras entre as cidades.
“Concordamos que a melhor embalagem é aquela que não é produzida em primeiro lugar. Mas os caminhos especiais locais de cidades ou comunidades individuais impedem um conceito nacionalmente bem sucedido e implementável”, afirmou um porta-voz da empresa, à medida que a companhia realiza testes para um sistema próprio de embalagens reutilizáveis.
O caso foi julgado em março, e o McDonald’s saiu vitorioso, mas cabe recurso.
Não é, no entanto, a primeira vez que o McDonald’s se mostra um obstáculo a este tipo de movimento. O imposto de embalagem foi proposto na cidade alemã de Kassel na década de 1990, mas um processo do McDonald’s anulou a tentativa.
“Acreditamos que uma cidade tem o direito de criar tal imposto, e até mesmo uma grande empresa tem que aceitar isso. Não consigo acreditar por que uma empresa internacional não pode mudar para reutilizáveis se todas as pequenas empresas podem fazer isso”, afirmou Palmer, antes do caso ser julgado.
Nomeado prefeito em 2007, ele é considerado por muitos como responsável por moldar as políticas verdes de Tübingen, como os sistemas solares fotovoltaicos obrigatórios nos telhados e os ônibus gratuitos aos sábados.
“Vimos uma redução na emissão de dióxido de carbono per capita em 40% nos últimos 15 anos, enquanto a economia de Tübingen cresceu 40%”, diz ele.
“Isso nos dá esperança de que pode haver uma maneira de superar o aquecimento global e continuar crescendo.”
Embora muitas lições possam ser aprendidas com o modelo de Tübingen, talvez seja difícil reproduzir as conquistas da cidade, uma vez que elas emergem de um cenário único de apoio político e social.
Alguns receiam que Tübingen corre o risco de ir longe demais: um artigo da Spiegel de 2011 descreveu o French Quarters, um dos bairros mais verdes da cidade, e do país, como um “inferno verde”, apresentando seus moradores como intolerantes e hipocritamente sustentáveis.
Além disso, muitos acham que Tübingen é acadêmica demais para ser considerada um exemplo do mundo real.
“Você vai ficar muito na bolha acadêmica se morar lá”, diz Kathi Winkler, que viveu em Tübingen por vários anos antes de se mudar para Berlim.
No entanto, o exemplo de Tübingen mostra que abrir caminho para um planeta mais verde pode ser alcançado em pequena escala, provando que o pequeno pode ser poderoso, bonito e inspirador.
Fonte: Folha de São Paulo