Em agosto de 1970, 80 orcas foram cercadas por uma rede em Penn Cove, Washington (EUA). Colocadas juntas por uma operação sofisticada envolvendo lanchas, aviões e explosivos, as jovens baleias foram então laçadas e literalmente arrastadas para fora da água e para longe de suas famílias.
Durante a operação, cinco baleias acabaram morrendo e, para limitar a cobertura da mídia, os animais falecidos foram posteriormente escondidos no fundo do oceano pela equipe envolvida.
“Eles nos fizeram cortar os animais que estavam mortos e colocar pedras dentro de suas cavidades e âncoras em suas caudas para afundá-los. Era por causa da publicidade e do dinheiro”, conta John Crowe, um dos participantes da caçada, no documentário “The Killer Whale People”.
Para a infelicidade dos caçadores, três das carcaças dos cetáceos eventualmente começaram a flutuar em direção à superfície de Whidbey Island.
O incidente permanece um dos mais infames na história de décadas de captura de baleias vivas na América do Norte e foi um ponto de virada que contribuiu para a Lei de Proteção Mamífera Marinha de 1972, nos Estados Unidos, para proibir a captura de cetáceos vivos na América do Norte.
Embora, para muitos ocidentais, a ideia de cercar baleias, tirá-las de seu habitat natural e sentenciá-las a um encarceramento que durará o resto de suas vidas possa parecer arcaica – principalmente depois do lançamento do documentário “Blackfish” em 2013 -, a opinião pública sobre o assunto na China é muito diferente.
Em junho de 2016, havia pelo menos 39 parques temáticos oceânicos e 14 em construção, a maioria das atrações localizada na costa oriental populosa do país.
De acordo com os números divulgados pela China Cetacean Alliance (CCA), esses parques abrigam em torno 491 cetáceos de 11 espécies, onde belugas e golfinhos-nariz-de-garrafa são os mais comuns. A província de Guangdong contém a maioria dos animais aquários do país, com cinco parques e 122 cetáceos.
Atualmente acredita-se que há 15 orcas em cativeiro na China, nove no Chimelong Ocean Kingdom, em Zhulai, quatro no Shanghai Haichang Polar Ocean World e duas no Linyi Polar Ocean Park.
Ao contrário dos parques norte-americanos, os parques marinhos chineses ainda têm de dominar a habilidade de fazer com que os cetáceos se reproduzam em cativeiro; algo que permitiu que parques como o SeaWorld evitasse capturar baleias vivas repetidamente ao longo de várias décadas.
Dos 39 locais que exploram animais marinhos como entretenimento na China, seis alegam que reproduzem os animais em cativeiro. De acordo com a CCA, em pelo menos dois desses casos os filhotes acabaram morrendo. Porém, sem programas definidos de reprodução, como os parques chineses lidam com a crescente demanda por animais? De uma forma problemática e preocupante, assim como o caso de Penn Cove.
O último local para a caça
Para contar a história das baleias em cativeiro na China, devemos nos aventurar além das fronteiras, para o extremo oriente do Mar de Okhotsk, na Rússia.
Com a proibição da caça de baleias no Canadá, Estados Unidos e Europa, o Mar de Okhotsk é uma das últimas áreas onde ainda é possível capturá-las.
O jornalista ambiental Todd Woody explorou as operações russas em 2016 da caça de baleias no artigo “O boom dos parques marinhos na China aumenta a captura de baleias e golfinhos”. Ele conversou com Jeff Foster, ex-caçador de baleias que se tornou um ativista contra a prática, sobre um telefonema realizado em 2011 por um europeu que o estava recrutando para capturar oito orcas na costa do Pacífico na Rússia.
Além da ajuda na captura das baleias, o trabalho também incluía um treino básico dos animais por um pagamento de US$ 7 milhões.
“Os chineses eram os compradores e os russos tinham as permissões. Eles queriam me levar para a operação de captura, transporte e treinamento inicial. Os russos estavam tentando capturar baleias há 15 anos”, diz Foster no artigo.
Apesar do fato de que a identidade dos compradores chineses nunca ter sido revelada para Foster pelo seu possível empregador, nós podemos ter certeza de que eles tinham muito dinheiro, já que além dos US$ 7 milhões oferecidos a ele, a história de Woody sugere que os compradores teriam que desembolsar algo entre US$ 25 milhões e US$ 80 milhões para transportar os mamíferos por milhares de quilômetros.
Por fim, Foster rejeitou a proposta, mas isso não teve importância, pois a caçada aconteceria independente dele. Em outubro de 2013, sete orcas foram arrancadas do Mar de Okhotsk, seguidas por pelo menos mais cinco entre 2014 e 2015.
Apesar dos principais compradores de baleias russas aparentemente viverem ou terem negócios na China, não há evidências de que os navios e caçadores chineses estejam envolvidos na captura das orcas que vão para o país. De acordo com Woody, a matança de baleias no Mar de Okhotsk é “estritamente uma operação russa”.
Paul Watson, ativista pelos direitos animais e fundador da Sea Shepard Conservation Society afirma que “não há navios chineses [envolvidos na caça de cetáceos], eles estão ativamente comprando esses animais da Rússia e do Japão”.
De acordo com Watson, a China recebe 20% dos cetáceos da Rússia e 80% do Japão.
Depois de capturadas, as baleias são transportadas por mais de 900 quilômetros por um pequeno caminhão que as leva até suas jaulas na cidade portuária russa de Nakhodka. De lá, a jornada para o aquário pode acontecer de caminhão ou de avião.
“Elas percorrem um longo caminho desde a área de captura até onde são mantidas e, em seguida, são colocadas nessas pequenas piscinas e transportadas para a China. Custa muito dinheiro levar uma orca de avião e é muito mais fácil, se você quiser evitar a atenção de grupos contra o cativeiro, usar um caminhão”, diz Woody.
O consultor de mamíferos marinhos da Flórida, Mitchel Kalmanson, é citado por Woody por saber como é uma viagem de caminhão que leva as baleias para a China. O trajeto, segundo Kalmanson, leva entre sete e 10 dias. De acordo com o artigo de Woody, Kalmanson foi contratado em 2014 por uma companhia de seguros de Londres para supervisionar o trabalho de preparação para o transporte de orcas da Rússia para a China, segundo o portal That’s.
Como seria de se esperar, o transporte de uma orca por caminhão por um período tão longo de tempo apresenta uma série de riscos para o animal. Em primeiro lugar, os cetáceos vivem toda a sua vida na água, que proporciona um apoio uniforme por meio da distribuição igualitária da pressão sobre o corpo do animal.
Isso, de acordo com o CRC Handbook of Marine Mammal Medicine, resulta em uma “ausência de peso funcional” que permite que o mamífero praticamente respire sem esforço. Tire um cetáceo da água e os problemas com a respiração aparecerão.
Para combater isso, transportes modernos de baleias utilizam cintas de tecidos gigantes suspensas nas caixas de transporte aquáticas, algo que supostamente imita essa ausência de gravidade que os animais experimentam em seus habitats.
Apesar dessas “precauções”, certamente a experiência é traumática para os mamíferos.
Kalmanson avalia que o transporte rodoviário é muito mais estressante para os animais do que outros métodos.
“Em um caminhão, você tem perigos na estrada, tem que mudar a água constantemente, filtrar a urina e fezes e tem que ter muito gelo. Os animais não têm muita mobilidade e você tem que atravessar montanhas em estradas estreitas”.
Enquanto não se sabe quantas orcas cativas entraram na China por meio de caminhões de longa distância, depoimentos de testemunhas de primeira mão como Kalmanson mostram que pelo menos alguns dos mamíferos marinhos chegaram pela estrada e suportaram a viagem.
O que talvez nunca saibamos é a quantidade de animais que não sobreviveram a essa experiência de transporte traumática. Erich Hoyt, pesquisador sênior da Whale and Dolphin Conservation, afirma não ter conhecimento sobre a morte de qualquer animal durante o transporte, embora acrescente: “não tenho certeza se eu iria ouvir essa informação se ela acontecesse”.
Enquanto os parques marinhos da China têm recebido suas orcas da Rússia, outra nação asiática é responsável pela grande maioria das importações de cetáceos: o Japão.
Todos os anos, de setembro até o final de fevereiro, pescadores em Taiji, iniciam uma caça sangrenta de golfinhos, que captura de mais de mil cetáceos anualmente para a venda de suas carnes ou exposição em aquários. A caça mais famosa foi retratada no documentário “The Cove”, que ganhou um Oscar em 2009.
A matança deste ano terminou no dia 1º de março e, de acordo com as estatísticas do Dolphin Project, as mortes contabilizaram 293 golfinhos listrados, 235 golfinhos de Risso e 41 baleias-piloto. Um total de 235 cetáceos foram capturados para venda para parques marinhos, incluindo 20 golfinhos brancos do Pacífico, 179 golfinhos-nariz-de-garrafa, 35 golfinhos-pintados-pantropicais e uma baleia-piloto.
O fundador da Sea Shepard Conservation Society, Paul Watson, estima que 80% dos cetáceos cativos da China são originários do Japão, e muitos – se não a maioria – são provenientes de Taiji.
O ativista norte-americano Richard O’Barry, famoso treinador dos golfinhos usados na série “Flipper” e que apareceu em “The Cove” afirmou que muitos aquários chineses, incluindo o Aquário do Zoológico de Pequim, exploram golfinhos que vieram dessa pequena ilha localizada na terra do sol nascente.
De acordo com um artigo de 2015 publicado no The Guardian, entre setembro de 2009 e agosto de 2014, 354 golfinhos vivos foram exportados para 12 países. Desses 354, 216 foram levados para a China.
Atualmente, não está claro quantos dos cetáceos capturados na última caça de golfinhos de Taiji são destinados à China.
Popularidade diminui no Ocidente, mas cresce no Oriente
Em março de 2016, o SeaWorld cedeu a anos de pressão de ativistas e anunciou que encerraria seu programa de criação de orcas e não faria mais com que os animais realizassem truques para audiências ao vivo.
Alguns atribuíram o movimento à reação pública contra a empresa depois do lançamento de “Blackfish”, que fez com que as visitas ao parque diminuíssem consideravelmente, mas o SeaWorld alegou que a mudança seria feita para acompanhar as atitudes sociais do mundo atual.
“A atitude da sociedade em relação a esses animais muito grandes e majestosos sob o cuidado humano mudou por uma variedade de razões, seja um filme, legislação, comentários das pessoas na internet”, disse o CEO da SeaWorld Entertainment, Joel Manby, em um artigo da Bloomberg de 2016.
Parece, finalmente, que a orca – e o cativeiro de cetáceos como um todo – está à beira da derrota na América.
“Muitos países copiam os Estados Unidos, particularmente quando se trata de obter lucro. A indústria do cativeiro daqui está na corda bamba e o SeaWorld perdeu dinheiro todos os anos desde que Blackfish saiu. Os parques de diversões ganham muito dinheiro, não sei quanto os ingressos custam na China, mas eles ganham milhões de dólares”, disse Watson.
No entanto, com a queda nos lucros do SeaWorld e o fim dos shows com orcas, muitos treinadores estão à procura de trabalho em novos mercados e o mais crescente e óbvio é a China.
Quase todos os especialistas consultados pela reportagem concordaram que os ex-funcionários do SeaWorld, bem como o pessoal do Loro Parque, afiliado do SeaWorld nas Ilhas Canárias, têm procurado parques temáticos na China.
O grande medo agora é que, com as orcas abusadas na China, cada vez mais parques de mamíferos marinhos alimentem a demanda por mais baleias capturadas no Mar de Okhotsk.
Com o legado da captura de baleias vivas no espelho retrovisor na América, a demanda da China pelos cetáceos pode significar que o próximo incidente de Penn Cove aconteça do outro lado do Pacífico. Parece que o problema apenas mudou de país, mas não foi minimamente resolvido.