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À beira do fogão

13 de janeiro de 2012
3 min. de leitura
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IMagem: Reprodução

O dia em que meu filho chegou e disse: “se eu me conheço, jamais volto a comer carne…”, foi o marco inicial de um processo com repercussões profundas na minha forma de ser e “estar” no mundo. Ele, na época com 18 anos, assistira a um vídeo sobre abate de porcos. Ali mesmo, à beira do fogão, expressei o meu espanto, iniciando uma série de questionamentos, próprios de uma mãe preocupada: “… mas, por qual motivo?… E a proteína = carne, e o cálcio = leite? (essa é clássica!); isso não é exagero? Apressei-me, então, em expor meus estranhamentos quanto àquela “postura radical”.
Ao narrar pequenos detalhes do que assistira, meu filho convenceu-me, imediatamente, de que algo estava errado. Nessa época tínhamos o Pug, um poodle que conviveu conosco por 15 anos, que facilitou compreender que, assim como ele, os outros animais (vaca, boi, porco, galinha, macaco etc.) também sentem medo, dor, prezam pela liberdade e lutam pela própria sobrevivência. Esse foi então o primeiro conceito-chave que aprendi, ainda ali, à beira do fogão: os animais são seres sencientes. Feita essa conexão, foi fácil entender outro conceito-chave: especismo. Nossa forma de pensar, muito bem sedimentada pela nossa educação, religião e cultura, está formatada para colocar o animal humano em uma escala superior a todas as outras espécies. Agimos, legitimados por essas instituições, como se fôssemos portadores de uma senha, que para nós, humanos, torna tudo permitido, lícito e possível de fazer aos animais não-humanos.
Com a apropriação desses dois conceitos fundamentais, a compreensão e o engajamento nessa grande causa constituíram-se, então, em uma conduta desafiadora. Ao contrário daqueles que iniciam uma caminhada com tempo e destino certos, não sabia para onde estava indo, não tinha bagagem, roteiro e nem sabia se teria ou não acompanhantes. Essa tomada de decisão, que se iniciou com a recusa de ingerir qualquer coisa de origem animal, chamou não só a atenção dos familiares e amigos, como atraiu inúmeros questionamentos de ordem social, cultural, nutricional, religiosa, ética e moral, educacional, dentre outros. Não tinha resposta para tudo, mas cada pergunta se transformava em desafio e incentivo para estudos, leituras e conversas à beira do fogão. A privação de alguns alimentos fortaleceu a minha vontade de buscar alternativas, provar alimentos novos e fazer novas combinações. Digo sempre, que ao contrário do meu filho que se tornou vegano da noite para o dia, no meu caso, as mudanças vieram na proporção que aumentava o meu conhecimento sobre os diversos assuntos que envolviam a questão.
Tenho consciência plena de que sou apenas uma poeira de areia numa imensa praia, ou mesmo, uma pequena estrela na imensidão do céu. Não importa se a minha atitude hoje não irá provocar mudanças no destino dos bilhões de animais mortos anualmente pela indústria ou que são torturados nos laboratórios de pesquisas. Retomo aqui o que diz o sociólogo alemão Norbert Elias¹ (1994, p.48), que nenhuma pessoa isolada, “por maior que seja sua estatura, poderosa a sua vontade, penetrante a sua inteligência (…), pode transformar sua sociedade, de um só golpe”. Mas também é desse autor, estudioso dos processos históricos na longa duração, a ideia de que a preparação do terreno para as mudanças estruturais são oriundas das pequenas tensões e das “pressões exercidas por pessoas vivas sobre pessoas vivas” aqui e acolá, no pequeno e no miúdo das relações. Ou seja, é no continuum de seres humanos interdependentes, que nós, como uma sociedade de indivíduos, caminhamos.
¹ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos: Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed.,1994.

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