Por Fatima Chuecco (da Redação)
Ela chegou de mansinho em cima de suas perninhas alongadas e delicadamente parou para descansar na frente de uma farmácia da cidade de Varginha, Minas Gerais. Mas se soubesse no que essa atitude ia dar, teria seguido viagem e bem rápido. A loba-guará que se perdeu na cidade foi imediatamente alvo de fotos e também de polêmica. Isso porque, em entrevista televisiva e outras que podem ser encontradas na internet, o veterinário e diretor do zoo de Varginha, Marcos Mina, que acolheu a loba depois de ser capturada por bombeiros, comentou que ela deve permanecer na cidade já que manteve contato com o “meio urbano”. A revolta foi instantânea, afinal, as pessoas estão acostumadas a ver animais selvagens adentrando nas cidades, mas sendo devolvidos as suas florestas de origem. Com a perda do habitat natural e consequente falta de alimento, lobos-guarás e outros bichos selvagens e silvestres estão invadindo as cidades em busca de comida ou fugindo de alguma queimada (também mais comum do que se imagina).
A loba de Varginha, no entanto, está chamando a atenção por conta de uma possível decisão do zoológico que, para muitos, é bem preocupante. O lobo-guará está em risco de extinção e, na verdade, de algumas regiões do Brasil já até sumiu. Por isso, parece essencial que uma fêmea jovem continue em vida livre se estiver saudável. Mas o que parecia simples e até óbvio, se complicou. De um lado, o diretor do zoo deu algumas entrevistas praticamente condenando a loba a permanecer no local devido ao seu contato com “meio urbano”. Do outro lado, muitas pessoas, incluindo biólogos, questionam se estão sendo tomadas as devidas providências para que a loba retorne ao seu habitat natural o quanto antes. Assim que capturada, ela foi também vacinada contra doenças caninas. Teria sido correto isso? E o contato com o meio urbano é mesmo um impedimento para ela voltar à vida selvagem? Em geral, muitos animais selvagens invadem cidades, atacam latas de lixo e nem por isso são retidos em zoológicos. O que impede a soltura desses animais é a presença de doenças contagiosas ou problemas físicos.
A bióloga do zoo de Varginha, Jaara Cardoso, comentou na matéria publicada na Anda que a entrevista concedida à Record foi editada: “Não considerou nem um terço das informações que ele deu, sobre a possibilidade ou não de soltura da loba. A loba permanece no zoológico, pois está em quarentena, aguardando o resultado de exames laboratoriais para verificar sua condição e então fazer a soltura ou, se for necessário, um tratamento antes da soltura, conforme prevê a lei para isto. IBAMA e IEF já estão cientes do caso desde o início e analisando o local adequado para soltura da loba. Em nenhum momento foi afirmado que o zoológico ficaria com a loba para formar casal com o macho que já temos, embora a reportagem só tenha mostrado esta parte da entrevista, quando o veterinário respondeu que se ela permanecesse no zoológico, seria formado o casal. A decisão sobre cativeiro ou soltura não é do zoológico, que nesta questão só está atuando como um local temporário de acolhimento do animal, prestando um serviço à sociedade, já que na região não existe CETAS ou outro local com veterinário especialista em animais silvestres para este atendimento”.
O CENAP/ICMBio e a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil estão apurando os fatos e avaliando a situação junto aos responsáveis pela sua manutenção temporária no zoo de Varginha. “Casos como esse são recorrentes nos Estados de SP, MG e GO principalmente. E os animais saudáveis, em quase todos os casos, são imediatamente liberados, ou poucos dias depois, pelo próprio órgão que executa a apreensão (PM Ambiental, Corpo de Bombeiros, órgãos estaduais e municipais)”, comenta Rogério Cunha do Programa para a Conservação do Lobo-Guará. “Importante mencionar que se todos os lobos que estivessem em risco de entrar em contato com seres humanos, cães e outros animais domésticos e áreas degradadas tivessem que ser retirados para o cativeiro, não teríamos mais lobos-guarás em vida livre no nosso país, já que mais de 70% de seus habitats naturais apresentam baixa qualidade para sua ocorrência sobrando somente as áreas utilizadas extensivamente em diversas atividades humanas”, complementa.
O Programa para a Conservação do Lobo-Guará, em parceria com a SZB, instituíram 2015 como o “Ano do Lobo-Guará” e é curioso como justamente um animal dessa espécie virou polêmica no Brasil desde a semana passada quando foi capturado. Outro fato que chamou a atenção da população foi o do zoo já ter um lobo-guará macho, o que poderia motivar a retenção da lobinha. “Vamos analisar a adaptação, se formarão um casal, podendo ocorrer o cruzamento e uma reprodução em cativeiro”, disse o veterinário em entrevista ao mesmo jornal.
No blog do zoo de Varginha, o veterinário escreveu: “Aparentemente está saudável e se alimentando bem. Parecia faminta quando chegou e está em um local tranquilo onde o público não tem acesso. Somente os funcionários do zoológico tem acesso a ela para alimentação e limpeza do recinto. Mas como ela não é o único caso deste tipo nos últimos anos, a equipe técnica do zoológico decidiu estudar mais a fundo esta questão, elaborando um projeto de pesquisa que terá a participação dos estagiários do zoo e outras entidades parceiras”.
E complementa: “Quanto à questão da soltura dela, por enquanto ainda não sabemos se será possível. A decisão sobre isto necessita de inúmeros detalhes que serão pesquisados e envolve a participação de vários órgãos, sendo o zoológico neste momento apenas o local que acolheu temporariamente o animal”.
Enquanto a lobinha não tem seu destino definido, ela segue num recinto acimentado com grades, sem nada entender. Volta para a mata onde nasceu ou deve dar adeus à liberdade para procriar em cativeiro? Uma coisa é certa: muita gente está acompanhando o processo e quer uma decisão ética.
Leia também matéria anterior com link da reportagem na TV Record. Clique aqui.