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O argumento da imposição que reconhece que respeitar os animais é moralmente obrigatório

2 de fevereiro de 2015
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Foto: Divulgação
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1. Um resumo até aqui…
Dando seqüência à serie de textos que se propõem a avaliar de maneira mais detalhada oargumento da imposição, discutiremos agora uma forma mais específica que este argumento toma. O argumento da imposição consiste em acusar os defensores da obrigatoriedade de se respeitar os animais não humanos (o que incluiria, por exemplo, abolir o seu consumo) de estarem a fazer uma imposição injustificada. Como vimos em um texto anterior, os proponentes do argumento da imposição não estão a alegar que toda e qualquer imposição é injustificada, pois defendem como correta a imposição que se faz sobre os animais não humanos e sobre os humanos que teriam que respeitar um suposto “direito” de, quem desejar, matar os animais não humanos.
Algumas pessoas pensam dessa maneia porque acreditam que respeitar os animais não humanos é moralmente opcional. Como vimos em outro artigo, não há nenhuma boa razão para se pensar assim, e, portanto, devemos concluir que respeitar os animais não humanos é moralmente obrigatório. Vimos também, no texto anterior, que a acusação de imposição não se sustentaria nem mesmo se respeitar os animais não humanos fosse moralmente opcional, pois, ainda assim, haveria o direito de se questionar essa pressuposição, e não há sentido em se classificar o mero ato de argumentar como imposição injustificada.
O presente texto discute uma variação no argumento da imposição: diferentemente da anterior, onde acusa-se os defensores dos animais de estarem a fazer uma imposição injustificada e essa acusação tem como base a idéia de que respeitar os animais não humanos é moralmente opcional, nessa nova variação, mantém-se que respeitar os animais não humanos é moralmente obrigatório, mas que defender, reivindicar, argumentar a favor dessa obrigação é fazer uma imposição injustificada. “Cada um tem seu tempo; as pessoas tem o direito de fazer a coisa errada” é o lema dos proponentes desse argumento.
2. Versão dependente e independente de desdobramentos de conseqüências
Passemos então a uma segunda variação no argumento da imposição. Nessa segunda variação, assume-me que respeitar os animais é moralmente obrigatório, e não, opcional. Contudo, ainda se mantém a conclusão de que é injustificado defender que tal decisão é moralmente obrigatória. Tal argumento pode adquirir um sentido amplo, com vistas a dizer que toda e qualquer defesa desse tipo é injustificada (incluindo argumentar) ou pode adquirir um sentido restrito, defendendo-se que algumas formas são justificadas (por exemplo, argumentar), mas outras não (digamos, propor leis abolicionistas). Esse argumento pode estar fundado, (1) ou na preocupação com o desdobramentos de conseqüências ou; (2) em preocupações independentes de conseqüências. O presente texto é sobre a primeira variação. No próximo texto, abordaremos a segunda.
3. O argumento da imposição como fundado na preocupação com desdobramentos de conseqüências
No primeiro caso, mesmo concordando que respeitar os animais seja moralmente obrigatório, afirma-se que reivindicar essa obrigação terá conseqüências piores a longo prazo do que não fazê-la. Novamente, se o argumento for de sentido amplo, o argumento estaria a se referir a toda e qualquer forma de reivindicar essa obrigação. Se, por outro lado, for de sentido restrito, estaria a se referir a apenas algumas formas específicas (como propor leis abolicionistas ou praticar ação direta, por exemplo). A seguir, está um exemplo de cada forma:
Argumento da imposição fundado na preocupação com as conseqüências (sentido amplo):
(C1) Se algo é moralmente obrigatório, é justificado tentar garantir o cumprimento dessa obrigação, exceto se proceder assim tiver o efeito contrário do pretendido;
(C2) Toda e qualquer reivindicação de que respeitar os animais é moralmente obrigatório terá o efeito contrário do pretendido;
(C3) Logo, é errado toda e qualquer reivindicação de que respeitar os animais é moralmente obrigatório.
Argumento da imposição fundado na preocupação com as conseqüências (sentido específico)
(D1) Se algo é moralmente obrigatório, é justificado tentar garantir o cumprimento dessa obrigação, exceto se proceder assim tiver o efeito contrário do pretendido;
(D2) Reivindicar leis abolicionistas terá o efeito contrário do pretendido;
(D3) Logo, é errado reivindicar leis abolicionistas.
Na forma de sentido restrito alguém poderia dizer que, se forem tentadas leis abolicionistas, as pessoas irão se revoltar e aí é mesmo que causarão mais danos aos animais. Inúmeras formas de sentido restrito desse argumento poderiam existir (uma aplicada à ação direta, outra aplicada à panfletagem, etc.). Já na forma de sentido amplo, alguém diria que não apenas propor leis abolicionistas (ou ação direta, etc.) teria esse efeito, mas que inclusive argumentar que há o dever de respeitar os animais também teria efeito similar. É preciso analisar separadamente essas duas alegações.
Quando um argumento está baseado nos possíveis desdobramentos de conseqüências a longo prazo, algo essencial é termos alguma estatística que poderia mostrar que existem realmente grandes probabilidades de uma decisão ter as conseqüências que se alega. Normalmente, quando esse argumento é endereçado, seja na forma ampla ou restrita, nunca são apresentadas estatísticas. Obviamente, isso não prova que o argumento está errado, mas mostra que argumentos assim, quando não são apresentadas estatísticas, devem ser vistos com cautela, pois a preocupação pode ser infundada. Alguém que não concorda com uma determinada conclusão pode sempre apontar para o perigo de suas conseqüências nefastas, mas como uma racionalização da sua posição (ou seja, na verdade sua discordância se dá por outros motivos, que não o desdobramento de conseqüências; estas são utilizadas apenas como uma desculpa, por vezes infundada, para não se concordar com a conclusão). Também não disponho aqui de estatísticas nesse sentido (nem no sentido das propostas legais quanto da argumentação moral) e não é objetivo desse artigo discutir detalhadamente essas estatísticas, e nem todas as demais atividades sobre as quais esse argumento é utilizado (ação direta, panfletagem, etc.).
Vou limitar-me a apontar pelo menos uma razão inicial para se pensar que tentativas nesse sentido (pelo menos argumentação moral e propostas legais abolicionistas) têm pelo menos uma forte razão a seu favor, em termos de desdobramentos de conseqüências positivas: o seu objetivo, diferentemente da opção contrária, é buscar as conseqüências positivas e aumentar a consideração moral pelos animais. Em se tratando da questão sobre os argumentos morais, é, pelo menos à primeira vista, mais plausível pensar que há maior probabilidade de alguém reconhecer a obrigação de respeitar os animais se tiver tido contato com os argumentos que expliquem por que há essa obrigação (do que esperar que a própria pessoa, sem acesso nenhum a essa discussão, possa chegar a fundamentar todos os argumentos por ela mesma). Aliás, parece que a discriminação sobre os animais não humanos é tão enorme porque as pessoas são especistas e o especismo quase nunca é questionado.
Em se tratando das propostas legais, também, à primeira vista parece mais plausível pensar que, se existem reivindicações com vistas a retirar os animais não humanos da categoria jurídica de itens de propriedade (e garantir-lhes, então, direitos legais, já que serem juridicamente considerados itens de propriedade é um dos maiores obstáculos a fazer com que sejam protegidos por alguma lei), a probabilidade de as pessoas quererem saber por que se está a reivindicar isso (e a conseqüente oportunidade de expor os argumentos morais) é maior do que se ninguém reivindicar isso. Assim, essas razões iniciais parecem colocar o ônus da prova em quem acredita que tais medidas são nocivas para os animais, em mostrar estatísticas que provem que, toda vez que se procede assim, sempre o resultado é o contrário, e que sempre terão melhores conseqüências para os animais não questionar o especismo e não buscar garantir-lhes direitos legais.

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