EnglishEspañolPortuguês

TEMPOS PERIGOSOS

2024, o ano da catástrofe climática que assustou até mesmo os cientistas

Somente a eliminação dos combustíveis fósseis pode impedir que atinjamos um desastre climático irreversível, uma emergência global que ameaça grande parte da vida na Terra.

17 de outubro de 2024
Alexandre Gaspari
6 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ilustração | Freepik

Há mais de 50 anos os alertas sobre as mudanças climáticas vêm sendo dados pela comunidade científica mundial. Os avisos de que as emissões crescentes e recordes de concentração gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, provocadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, causariam problemas severos no clima surgiram muito antes do planeta vivenciar eventos extremos com a frequência e a intensidade atuais. Efeitos que já eram conhecidos desde aquela época até mesmo pelas petroleiras, como a Exxon.

No entanto, os avisos foram ignorados. E diante de tragédias como as enchentes no Rio Grande do Sul, em maio, a seca extrema na Amazônia pelo segundo ano consecutivo e a ocorrência de três furacões simultaneamente no Atlântico Norte, um fato inédito, há quem diga que as previsões foram “conservadoras”. Estamos muito pior do que se previa.

É o que reforça um recente artigo publicado na BioScience com base no relatório “State of the Climate 2024”. Cientistas se mostram assustados com os eventos climáticos extremos que têm ocorrido desde o ano passado e bradam que vivemos “tempos perigosos”. “Estamos à beira de um desastre climático irreversível. Trata-se de uma emergência global sem qualquer dúvida. Grande parte da própria estrutura da vida na Terra está em perigo. Estamos entrando em uma nova fase crítica e imprevisível da crise climática”, alertam.

As fontes para tal conclusão? A realidade, vivida de Norte a Sul, nos quatro cantos do planeta. E mesmo com um progresso aqui outro ali, continuamos alimentando as causas da tragédia climática, enquanto suas consequências se tornam mais letais para todos, mas principalmente para países e populações mais pobres.

“Ainda estamos caminhando na direção errada; as emissões de combustíveis fósseis aumentaram para o nível mais alto de todos os tempos, os três dias mais quentes de todos os tempos ocorreram em julho de 2024 e as políticas atuais nos colocam no caminho certo para um pico de aquecimento de aproximadamente 2,7°C até 2100”, detalham os pesquisadores. “Estamos testemunhando a realidade sombria das previsões à medida que os impactos climáticos aumentam, trazendo à tona cenas de desastres sem precedentes em todo o mundo e sofrimento humano e não humano. Encontramo-nos em meio a uma abrupta reviravolta climática, uma situação terrível nunca antes encontrada nos anais da existência humana”, reforçam.

Eis os principais pontos do “State of the Climate 2024” destacados no artigo:

Tendências climáticas e recordes históricos

O relatório evidencia recordes de temperatura global e do Atlântico Norte, além de quedas significativas na extensão do gelo marinho. As emissões de CO2 e metano continuam aumentando, com o metano, um gás com poder-estufa 80 vezes maior que o do dióxido de carbono, apresentando crescimento acelerado. Na trajetória atual, a expectativa é que os registros de temperatura sejam frequentemente superados nos próximos anos.

Impactos em ecossistemas e desastres climáticos

Eventos climáticos extremos como secas, incêndios florestais, enchentes, tempestades e ondas de calor se intensificaram e se tornaram mais frequentes em diversas partes do mundo. Esses desastres resultam em altas taxas de mortalidade e destruição generalizada de infraestrutura e biodiversidade.

Responsabilidade humana e uso de combustíveis fósseis

A queima de combustíveis fósseis e as mudanças no uso da terra são as principais fontes de emissões de GEE, majoritariamente a primeira. O aumento na utilização de carvão e petróleo em 2023 agravou ainda mais a crise, apesar do crescimento das fontes renováveis. Mas o aumento acelerado da demanda energética vem sendo suprimido majoritariamente pelos combustíveis fósseis e só parcialmente pelas renováveis. Ou seja, continuamos emitindo mais do que deveríamos para tentar minimizar a crise climática.

Consequências sociais e econômicas

O relatório destaca que as mudanças climáticas também são uma questão de Justiça Social, com os impactos desproporcionais sendo sentidos pelas populações mais vulneráveis, especialmente no Sul Global. Questões como insegurança alimentar, migração em massa e desigualdades econômicas são agravadas pelo aquecimento global.

Laços de retroalimentação climática e pontos de inflexão

Loops de feedback climático, como o degelo do permafrost, amplificam o aquecimento global. Sistemas como a camada de gelo da Groenlândia, os recifes de coral e a Floresta Amazônica estão próximos a pontos não retorno que, se ultrapassados, podem desencadear mudanças irreversíveis no sistema climático.

Mitigação e adaptação urgentes

É necessária uma redução rápida e significativa do uso de combustíveis fósseis, com medidas como a precificação global do carbono e investimentos em adaptação climática. Assim como é importante proteger e restaurar ecossistemas e integrar a educação sobre mudanças climáticas nos currículos escolares para conscientizar e capacitar a sociedade.

A situação é dramática. Mas, felizmente, [ainda] não é o fim do mundo – mais precisamente, das condições que garantam a sobrevivência da humanidade no planeta. Mas, para isso, é preciso agir já. As ações necessárias, sugere o artigo, são:

  • A redução rápida e gradual do uso de combustíveis fósseis deve ser uma prioridade máxima. Além disso, a precificação e a redução das emissões de metano são fundamentais para a mitigação eficaz das mudanças climáticas. Reduzir drasticamente as emissões de metano pode diminuir a taxa de aquecimento global a curto prazo, ajudando a evitar pontos de inflexão e impactos climáticos extremos.
  • Em um mundo com recursos finitos, o crescimento ilimitado é uma ilusão perigosa. Precisamos de mudanças ousadas e transformadoras: reduzir drasticamente o consumo excessivo e o desperdício, especialmente por parte dos ricos; estabilizar e reduzir gradualmente a população humana por meio do fortalecimento da educação e dos direitos de meninas e mulheres; reformar os sistemas de produção de alimentos para apoiar uma alimentação mais baseada em vegetais; e adotar uma estrutura econômica ecológica e pós-crescimento que garanta a justiça social.
  • O ensino sobre mudanças climáticas deve ser integrado aos currículos básicos do ensino médio e superior em todo o mundo para aumentar a conscientização, melhorar a alfabetização climática e capacitar os alunos a agir. Também precisamos de esforços mais imediatos para proteger, restaurar ou reflorestar os ecossistemas.

“O aumento dos desastres climáticos anuais mostra que estamos em uma grande crise, e que o pior está por vir se continuarmos a agir como de costume. Hoje, mais do que nunca, nossas ações são importantes para o sistema climático estável que nos sustenta há milhares de anos. O futuro da humanidade depende de nossa criatividade, fibra moral e perseverança. Precisamos reduzir urgentemente a superação ecológica e buscar a mitigação e a adaptação imediata às mudanças climáticas em larga escala para limitar os danos de curto prazo. Somente por meio de ações decisivas poderemos proteger o mundo natural, evitar o profundo sofrimento humano e garantir que as gerações futuras herdem o mundo habitável que merecem. O futuro da humanidade está em jogo”, conclui o artigo.

Fonte: ClimaInfo

    Você viu?

    Ir para o topo