A doce e amorosa cadelinha Babi faleceu na última quarta-feira (10) após ser vítima de um quadro de insuficiência cardíaca. Ela foi adotada pela presidente da ANDA, Silvana Andrade, em fevereiro de 2018 depois de ser encontrada em situação de completo abandono em um matagal próximo ao Centro de Detenção Provisória de Suzano, na Região Metropolitana de SP. A adoção foi realizada por intermédio da protetora Shirley Mac. Desde então, Babi se tornou mascote da ONG e uma fonte de inspiração, força e resiliência para toda a equipe e todas as pessoas que encontrou.
Silvana conheceu a história da cachorrinha através de uma postagem no Facebook. Cega e idosa, Babi tinha poucas chances de adoção e não tinha para onde ir. Inicialmente, a presidente da organização ofereceu lar temporário, que rapidamente se tornou definitivo. “Achei ela linda, uma gracinha e me compadeci muito com a história dela. Uma idosinha cega e abandonada. No primeiro momento que a vi foi como se sempre tivéssemos estado juntas desde os primeiros dias de vida dela. Babi perdeu totalmente a visão, mas consegue enxergar o amor perfeitamente”, disse.
Babi adaptou-se rapidamente ao novo lar e entregou seu coração imenso à nova tutora. Ela estava muito debilitada em razão do abandono e negligência severa que sofreu e precisou realizar tratamento dentário, foi diagnosticada com nódulos mamários e precisou ser castrada. A cegueira da cachorrinha, infelizmente, era irreversível e foi causada por uma infecção não tratada. Ela também sofria com alergias e uma lesão em uma das patas. O corpo de Babi contava uma história repleta de dor e sofrimento, mas seu espírito alegre mostrava uma grande vontade de viver e amar.
Após exames, tratamentos, medicamentos e intervenções cirúrgicas, a cadelinha prosperou lindamente, fez muitos amigos, ganhou familiares, presentes e teve a oportunidade de compartilhar a importância de aproveitar cada segundo, pois a vida é efêmera. Com sabedoria superior e pureza profunda, Babi mostrou o quanto os obstáculos e as dificuldades nos fortalecem. A doçura e leveza da cadelinha são a prova do quanto podemos ressignificar um passado de tristezas e traumas em uma filosofia de vida pautada na compaixão, alegria e compreensão.
Legado
Silvana afirma que, apesar da dor lancinante por ter perdido Babi, os ensinamentos que a cadelinha lhe deixou trouxeram um novo sentido para sua existência. “Ela deixa uma lacuna muito grande. Os animais têm um amor tão puro, que esse amor preenche completamente a vida de qualquer pessoa, e quando eles vão embora deixam um vazio, porque os animais sabem o que é o amor, nós, seres humanos, ainda estamos aprendendo a amar. Encontrei uma benção. Achei que a estava ajudando mas foi ela quem me ajudou. Vou sentir muita falta. Que dor!”, lamentou a jornalista.
A protetora responsável pela resgate de Babi, Shirley Mac, acredita que a cadelinha é um símbolo de força. “A Babi é uma entre tantos outros peludos que são negligenciados e abandonados diariamente em decorrência do desamor e da compreensão de que os animais são seres que sentem e que sofrem assim como nós humanos. Infelizmente, muitos desses peludos não tem a mesma chance de Babi. Ela foi abandonada cega e já com uma certa idade próximo a um presídio de São Paulo, em local ermo e de pouco acesso, suas chances de sobrevivência seriam mínimas naquele local”, lembra.
E completa: “Quando chegou até a mim o pedido de ajuda, não tive dúvidas em ir buscá-la e tentar encontrar uma família especial para ela. A Silvana, minha querida amiga, por quem tenho todo respeito e admiração pelo seu amor e lindo trabalho que desenvolve em defesa dos animais, sensibilizada com meu apelo nas redes sociais, ofereceu lar temporário para Babi, nome que dei a ela em homenagem a minha filhinha Babi de quatro patas que já tinha virado estrelinha. O que seria um lar temporário, virou um grande amor, Silvana a adotou, ela trouxe luz e alegria nestes quase quatro anos”.
Shirley acredita ainda que Babi nunca foi tão amada quanto após ser adotada e soube retribuir todo esse amor. “Acredito que encontrar esse anjo de quatro patas e poder ajudá-la não foi por acaso, ela nos trouxe novos amigos, fortaleceu meus laços de amizade com Silvana, que se tornou minha comadre, promoveu uma ressignificação para o verdadeiro sentido da palavra amor, nos ensinando, como está escrito no livro “O Pequeno Príncipe”, do autor Antoine de Saint-Exupéry, que ‘o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração’ e Babi enxergava com o coração”, pontua a protetora.
A publicitária Leandra Jones, que dividia os cuidados da cachorrinha com Silvana, afirma que Babi deixou um lindo legado. “É uma dor e um enorme vazio não estar mais na presença dela. Por outro lado, quando me ponho a pensar, há muitas e grandes lições que ela nos/me deixa – um alerta sobre educar contra maus-tratos animais como se faz contra a violência doméstica às mulheres na sociedade, por exemplo. Mas falarei do amor, essa experiência maravilhosa. A Babi foi o ser mais doce e gentil que já passou em minha vida”, disse.
E acrescenta: “Resgatada de maus-tratos e abandono, cega e totalmente negligenciada, eu me pergunto: como um ser tão vulnerável e desprezado pode ser capaz de transferir e legar tanto amor? Foi só acolhê-la e o amor aconteceu, despertou – natural, verdadeiro, incondicional e recíproco. Uma avalanche que te inunda, preenche e transforma tudo ao seu redor, transformando, inclusive, todo o seu entendimento sobre o que é amor e o quanto ele é fundamental, simples, urgente (sempre) e sagrado. Tudo o que move é sagrado, tudo o que move é amor”, finalizou.
Luto
O veterinário João Seabra Catela, autor do artigo “Quando chega a hora de dizer adeus”, reafirma como é insuportável a partida de animal amado. “A dor e o sentimento de injustiça são enormes, quando nos apercebermos que eles estão a atingir o limite. Seja por doença ou idade avançada, ‘de repente’, começa a custar-lhes passear, brincar ou comer. Finalmente, é o seu olhar, aquele que sabemos ler tão bem, a ‘gritar-nos’ com tristeza, mas serenamente, que chegou a hora de partir. Por mais difícil e duro que seja, devemos-lhes isso”.
E conclui: “Àqueles que estiveram sempre presentes e que nunca nos julgaram, devemos-lhes essa paz e dignidade, pois a opção que sobra, nada é senão egoísmo. O egoísmo de os forçarmos a viverem dolorosamente o nosso próprio sentimento de injustiça. Afinal, ainda existem momentos em que conseguimos ser mais justos com os animais, que com os da nossa própria espécie. Enfim, temos pelo menos essa opção, assim haja força e coragem para um último ato de amor”.
Homenagem
Funeral Blues
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cão com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.
Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana útil e o meu domingo inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.
As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.
W. H. Auden, in ‘Another Time’