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LAÇOS CULTURAIS

Caça está destruindo memórias ancestrais compartilhadas entre baleias

29 de agosto de 2021
Tainá Fonseca | Redação ANDA
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Pixabay

No auge da indústria da baleação (caça de baleias), no final dos anos 1800, as baleias-franco do Atlântico do Norte foram mortas aos milhares. Com cada cadáver arrastado para o convés, baleeiros estavam pegando mais do que ossos e carne do oceano. As baleias mortas tinham memórias únicas dos locais de alimentação, técnicas de caça e estilos de comunicação; conhecimento adquirido ao decorrer de séculos, passado de geração em geração, e compartilhado entre pares. As baleias em perigo crítico estão aguentando, mas muito do conhecimento cultural da espécie está extinto.

Baleias estão entre os vários animais conhecidos por serem bastante culturais, diz o professor Hal Whitehead, biólogo marinho na Universidade de Dalhousie. “Cultura é o que os indivíduos aprendem uns com os outros, para que então um grupo de indivíduos se comportem de uma forma similar”, disse.

As baleias-francas do Atlântico do Norte não são mais encontradas nos locais onde seus ancestrais se alimentavam. Whitehead suspeita que talvez isso se deva ao conhecimento cultural sobre esses locais que foram perdidos quando as populações foram dizimadas devido à caça. Essa perda pode resultar em problemas para a espécie se as atividades humanas degradarem os locais de alimentação restantes, tornando difícil para as baleias prevenirem onde são os locais bons para caça. “Quanto mais áreas de alimentação disponíveis, maior será a probabilidade delas encontrarem algum lugar com as comidas que elas precisam”, afirma.

A cultura animal não é limitada para os oceanos. Pássaros, abelhas, toupeiras-peladas, peixes e até mesmo moscas-de-frutas estão entre aqueles que aprendem a viver socialmente e a criar culturas. À medida que a lista cresce, pesquisadores estão começando a entender a cultura animal como crucial para a conservação.

Whitehead foi uma das primeiras vozes a pedir que a cultura animal fosse tratada mais seriamente na conservação. Isso porque a diversidade cultural dá às espécies mais ferramentas comportamentais quando enfrentam desafios, ele discute. “Nós reconhecemos isso nos humanos, que a diversidade cultural é um tipo de força.”

Whitehead é um membro do Comitê sobre a Situação da Vida Selvagem Ameaçada de Extinção no Canadá, uma corporação que decide quais espécies estão em risco de extinção. “A coisa mais difícil que fazemos é decidir como vamos dividir a população de uma espécie,” ele comenta. Com a rena, por exemplo, as que vivem em planícies estão se dando melhor do que as de montanhas. “Devemos avaliar as renas montanhosas diferentemente das outras?”, Whitehead se pergunta.

Tipicamente, essa decisão é feita pela avaliação das diferenças genéticas dos grupos. “Uma das coisas que eu tenho promovido é a ideia que as informações culturais também são importantes.”

Esforços de conservação visam manter a diversidade de uma espécie, já que a diversidade auxilia a sobrevivência. A diversidade de uma espécie pode ser “o que ela faz, como ela se parece, sua filosofia e assim por diante”, afirma Whitehead. “Muito [da diversidade] é determinada geneticamente, mas uma parte é determinada pela cultura.”

O comportamento de uma população pode ter um impacto significante no ambiente onde eles vivem. “Se perdermos todas as renas montanhosas, a ecologia de vários topos de montanha pode mudar”, pontua Whitehead.

A pesquisa de Whitehead sobre a cultura das baleias deu uma luz para Philippa Brakes, uma membra de pesquisa do grupo Conservação de Baleias e Golfinhos. Brakes, uma estudante doutoranda na Universidade de Exeter, publicou um artigo com alguns colegas em abril, o qual alega que os esforços de conservação deveriam considerar como a cultura afeta a reprodução, dispersão e a sobrevivência.

Entender quem detém o conhecimento cultural numa população é essencial, diz Brakes, a qual cita as manadas de elefantes africanos como exemplo. “A idade da matriarca na manada tem uma influência [positiva] significante na taxa de fertilidade das fêmeas mais novas,” ela diz. “A experiência dela [da matriarca] de onde estão os poços de água, onde são os locais bons para se alimentarem, e também quais outras unidades sociais são amigáveis tem um efeito multiplicador demonstrável na taxa de fertilidade das fêmeas mais novas da manada.

“Se você tirar indivíduos que têm conhecimento, durante a caça por exemplo, isso pode ter uma consequência muito mais extensa do que apenas um a menos na população.”

No entanto, quando uma população perde seu conhecimento cultural, podem haver circunstâncias nas quais ele pode ser recuperado.

Se um humano for expulso de casa, despojado de tudo que já aprendeu com outros e então posto de volta na sociedade, ele não sobreviveria por muito tempo sem ajuda. A mesma coisa parece ser verdade para mico-leões-dourados, pequenos macacos do Brasil.

No começo dos anos 1970, a destruição dos habitats e o tráfico reduziu a população de mico-leões-dourados para apenas 200 indivíduos. A criação em cativeiro, monitorada por 43 instituições em 8 países, aumentou o número até o ponto onde conservacionistas conseguiram reintroduzir os micos nas florestas em 1984. Mas, inicialmente, os micos tiveram uma baixa taxa de sobrevivência, com problemas com a adaptação ao novo ambiente causando a maior parte das perdas. Grandes perdas são típicas desses esforços, diz Brakes.

Então, os pesquisadores do mico desenvolveram um programa intensivo de pós-libertação, incluindo alimentação supletiva e fornecimento de tocas, dando aos macacos tempo para aprenderem técnicas de sobrevivência necessárias na selva. Essa ajuda dobrou as taxas de sobrevivência, o que foi um bom começo. No entanto, foi apenas na geração seguinte que a população começou a aumentar. “Em dá-los a oportunidade de aprender individualmente na selva e compartilhar o conhecimento, a próxima geração de micos teve uma taxa de sobrevivência de 70%, o que é maravilhoso,” diz Brakes. Os esforços intensos de conservação valeram a pena, e em 2003 o mico-leão-dourado foi promovido de espécie em perigo de extinção crítico a em risco de extinção.

Apesar dessa pesquisa ser promissora, as culturas dos animais estão se extinguindo mais rápido do que sendo reconhecidas, diz Brakes.

“Nós estamos apenas começando a entender o que a cultura é em outros espaços e começando a desenvolver métodos para a medição e análise das culturas, à medida que as vemos desaparecer diante de nossos olhos.”

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