O incêndio que atingiu o Parque Estadual do Juquery, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, destruiu cerca de 80% do local. O levantamento é da prefeitura do município, que informou que o fogo finalmente foi controlado após 40 horas de trabalho dos brigadistas, que monitoram a região para agir caso novos focos de incêndio ressurjam.
Durante a madrugada da segunda (23) para a terça-feira (24), a assessoria de comunicação da Prefeitura de Franco da Rocha anunciou, em publicação nas redes sociais, que já passava de meia noite quando o fogo finalmente chegava ao fim. “As equipes estão próximas de encerrar a operação… não da forma como gostaríamos, é claro, mas com a certeza que o Parque Estadual Juquery ressurgirá das cinzas com ainda mais força”, escreveu.
De acordo com a prefeitura, cerca de 300 pessoas atuaram no combate ao incêndio no Parque do Juquery, entre profissionais do Corpo de Bombeiros, do Helicóptero Águia da Polícia Militar, da Guarda Civil Municipal, da Defesa Civil, médicos veterinários, além de brigadistas de incêndio e voluntários.
A devastação causada pelo fogo é especialmente preocupante porque o Parque Estadual do Juquery abriga o último remanescente de Cerrado da Região Metropolitana de São Paulo, tendo sido criado justamente para proteger os mananciais do Sistema Cantareira e conservar a mata nativa que, agora, está destruída em sua maior parte. Muitos animais também foram atingidos e mortes foram registradas, embora não existam dados oficiais até o momento.
A causa do incêndio foi a queda de um balão. A soltura de balões é crime e pode ser punida com multa de R$ 10 mil, além de três anos de detenção. Isso porque o risco de queimadas, como a ocorrida no parque paulista, é grande e quando acontece não só destrói a flora, como causa extremo sofrimento aos animais, com casos de ferimentos graves e mortes, e também impõe risco à vida humana.
Balões: crimes ambientais, tragédias e impunidade
Soltar balões é crime previsto na Lei de Crimes Ambientais, mais especificamente no Artigo 42 da legislação, que versa sobre as práticas criminosas cometidas contra a flora: “Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano: pena – detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”.
Para a advogada da ANDA, Letícia Filpi, coordenadora do Grupo de Advocacia Animalista Voluntária (GAAV), a lei branda leva à impunidade, o que beneficia os criminosos ambientais, que continuam cometendo crimes por terem a certeza de que não serão responsabilizados por seus atos.
“Soltar balão é crime previsto na Lei de Crimes Ambientais, mas a pena é detenção de um a três anos ou multa, então esse é o problema. A pessoa vai presa, o delegado arbitra uma fiança, e a pessoa volta para casa. Muitas vezes, não tem nem ação penal, porque antes da ação penal, o promotor já propõe uma transação penal. Isso é, um acordo entre o Ministério Público (MP) e o suspeito. Para o MP não processar a pessoa, ela paga uma condicional: uma multa, uma cesta básica. Por isso que, muitas vezes, nem processo acontece, porque a pena é muito branda, mas o dano ambiental é muito grande”, explicou a advogada especialista em Direito Animal.
“O suspeito paga três mil reais, às vezes, por um dano ambiental gigantesco que se fosse chegar na ação penal e na condenação penal, ele iria pagar um valor muito mais alto, já que seria compatível com o dano causado. O incêndio no Parque do Juquery foi de proporções gigantescas, então os culpados, na condenação se houvesse processo, iriam pagar uma multa gigantesca, além das outras penalidades da lei. Mas como não chega nem a ter processo porque a pena é tão branda que se converte em transação penal, aí está o problema, a impunidade está nisso”, acrescentou.
Filpi mencionou ainda a fiscalização insuficiente e a falta de um plano de contingenciamento de incêndio no estado de São Paulo e nos municípios. “Quando acontece um incêndio desse, os bombeiros não têm pessoal suficiente, a população não está preparada – tem que ser treinada a população também, voluntários têm que ser treinados, tem que ter um programa de treinamento de voluntários e a gente ainda não tem isso. Você vê municípios inteiros pegando fogo e a população assistindo. O Estado, o Poder Executivo, tem que tomar medidas de contenção de incêndio e fiscalização. E a Lei Penal, lá no Congresso Nacional, precisa ser mudada, para aumentar essa pena para dar processo e dar condenação na Lei Penal”, afirmou.
Responsabilização civil, administrativa e penal
A legislação brasileira prevê três tipos de responsabilização para os crimes ambientais: civil, administrativa e penal. A última, por sua vez, não alcança seu objetivo de punir o criminoso pelas práticas destrutivas promovidas contra a natureza.
“Na responsabilização penal, o que resta é a impunidade, porque a pena é muito branda. Mas têm as penas administrativas e existe a responsabilidade civil também. No entanto, cabe ao Ministério Público entrar com Ação Civil Pública (ACP) para pedir maior proteção às áreas de parques estaduais e de proteção ambiental do estado para que haja fiscalização e uma penalização na área administrativa e civil, porque se depender só da penal, realmente a gente não sai do lugar”, lamentou a advogada animalista Letícia Filpi.
“Na área civil e administrativa, também é possível aplicar multas de acordo com as normas ambientais de cada estado e município e quem aplica, no estado de São Paulo, é a Cetesb e as Secretarias de Meio Ambiente dos municípios”, concluiu.
Baloeiros são detidos
Sete baloeiros foram detidos pela Guarda Civil Municipal (GCM) em Franco da Rocha no domingo (22). Um deles admitiu à polícia ser proprietário de um balão e, após pagar fiança de R$ 3 mil, foi solto. Os outros seis foram ouvidos como testemunhas e liberados em seguida.
As autoridades apreenderam os materiais usados pelos baloeiros e aplicaram autuações por infração ambiental no valor de R$ 10 mil para cada pessoa envolvida no crime. Outras oito pessoas também foram multadas somente no último final de semana.
Ao comentar a detenção dos baloeiros, o biólogo Frank Alarcón pontuou que enquanto os suspeitos de terem desencadeado o desastre pagaram uma fiança de 3 mil reais e foram liberados, “uma quantidade impossível de ser calculada de animais foi afetada pela tragédia”. “Mamíferos como capivaras, saguis, tatus, cachorros do mato, veados campeiros, jaguatiricas, répteis como teiús, jararacas, seriemas, tucanos, entre anfíbios e flora rica e diversa foi destruída”, lamentou o especialista em entrevista à ANDA.
Alarcón lembrou ainda que o fogo torna “difícil a recuperação desse sistema ecológico com o mesmo vigor de antes”, o que é bastante preocupante, já que o parque “é responsável pelo suporte de muitos serviços ecossistêmicos a espécies biológicas diversas, sendo um dos mais evidentes a preservação das áreas de Mananciais do Sistema Cantareira – o qual já se encontra em situação de alerta hídrico (abaixo de 40% de sua capacidade de armazenamento de água)”.
“Segundo o registro dos órgãos de fiscalização, as queimadas aumentaram 8,4% no estado de São Paulo neste ano entre janeiro e julho deste ano, quando comparados ao mesmo período do ano passado. Não bastasse o incêndio ter sido resultado da soltura de balões ornamentais, crime ambiental de baixo significado penal, a falta de chuvas, o consumo excessivo de água pela cidade e a emergência climática que já está instalada no globo – confirmada de forma indubitável pelo último relatório IPCC tornado público 9 de agosto de 2021 -, tornará cada vez mais frequentes tragédias desse tipo cuja consequências não serão sentidas apenas pela fauna e flora diretamente afetadas pelo fogo. Tragédias ambientais não respeitam linhas geopolíticas imaginárias desenhadas em mapas elaborados por seres humanos”, concluiu.