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ALERTA

Pantanal pode sofrer incêndios piores do que os que destruíram 30% do bioma em 2020

Além do impacto devastador sobre à flora, as queimadas de 2020 também prejudicaram aproximadamente 4,6 bilhões de animais selvagens e mataram outros 10 milhões

10 de julho de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
10 min. de leitura
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(Foto: Mayke Toscano/Secom-MT – Fotos Públicas)

As queimadas sem precedentes que destruíram 30% do Pantanal e mataram pelo menos 10 milhões de animais em 2020 podem ser superadas este ano. Especialistas alertam para o risco do bioma, que ainda não se recuperou completamente, ser atingido por incêndios ainda maiores por conta da previsão para o inverno de novo recorde de estiagem em meio à crise hídrica vivida pelo país.

O pesquisador Marcelo Parente Henriques, do Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM), alerta para os níveis abaixo da média das sete estações fluviométricas situadas ao longo rio Paraguai, o principal rio do Pantanal. Por conta da escassez de chuva, o Pantanal não vive o período de cheia há três anos, segundo estatísticas do SGB-CPRM.

Para que a cheia ocorra, o nível d’água na estação fluviométrica de Ladário, em Mato Grosso do Sul, precisa superar os 4 metros. Isso, porém, aconteceu pela última vez em 2018, quando a estação registrou 5,35 metros. Com a estiagem, parte da planície não é inundada, dificultando a passagem pelos rios de barcos usados para chegar a locais de difícil acesso durante ações de combate ao fogo.

Especialistas consideram a possibilidade do nível do rio voltar a subir por volta do mês de outubro. “No ano passado, em alguns pontos, aconteceu de faltar água para rebanho. A flora e a fauna do Pantanal também dependem da água. Então, é uma questão preocupante e que demanda atenções em todas as áreas, não só na questão dos incêndios florestais”, afirmou ao G1 o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck.

Embora o Ministério do Meio Ambiente tenha editado uma portaria em março para decretar estado de emergência ambiental em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Verruck relata que, até o momento, o governo federal não enviou recursos aos estados. O secretário diz ainda ter encaminhado uma proposta de Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o Ibama, o Ministério Público Estadual (MPE) e o Ministério Público Federal (MPF), mas afirma não ter recebido nenhuma resposta.

“O governo federal já está sabendo da situação que o Pantanal pode enfrentar neste ano. Nós iniciamos conversas com o MPMS, MPF e Ibama, mas, até agora, não fomos respondidos”, afirmou Verruck, que alertou também para a necessidade de contratar mais brigadistas do Prevfogo, órgão do Ibama.

Ao ser questionado, o MPMS disse que aguarda uma resposta do Ibama, mas ressaltou que não é imprescindível que o órgão ambiental participe do acordo para que recursos sejam enviados ao estado. Já o MPF afirmou que o acordo está sob revisão do Ibama, que não se posicionou até o momento.

Ações preventivas 

Na tentativa de evitar um cenário devastador como o ocorrido em 2020, o governo do Mato Grosso do Sul destinou neste ano R$ 56 milhões para medidas preventivas e melhoria da estrutura de combate a queimadas. O governo de Mato Grosso decretou estado de emergência ambiental entre maio e novembro, com adiantamento do período proibitivo das queimadas em zona rural em todo o estado, e anunciou um investimento de mais de R$ 2,5 milhões, além de ter inaugurado um quartel do Corpo de Bombeiros na cidade de Poconé, e investido R$ 3,5 milhões em materiais e equipamentos utilizados no combate ao fogo.

Também foi renovada a parceria entre o governo de Mato Grosso do Sul e o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O “Alarmes”, como é chamado o sistema de alerta de queimadas do LASA, foi usado pelo governo no ano passado e agora está mais ágil e preciso graças a uma atualização.

Os governos estaduais também aumentaram o monitoramento por satélite e o treinamento de brigadistas. “Um dos grandes problemas no ano passado foi o tempo de resposta no combate aos incêndios florestais. Este ano, estamos com um tempo de resposta mínimo, tanto pela quantidade de profissionais que estão in loco como pela antecipação de queimadas”, explicou Verruck.

O efetivo de brigadistas do Mato Grosso do Sul também foi quadruplicado. No ano passado, 300 pessoas atuaram contra o fogo no estado. Este ano são cerca de 1.200, entre bombeiros, militar, brigadistas do Prevfogo e voluntários. O número de brigadistas do Prevfogo em Mato Grosso do Sul, porém, registrou um aumento pequeno. Ano passado eram 91 integrantes, agora são 95. “Ainda não temos a autorização do Ibama para contratarmos por um período maior de dois anos, ininterruptos. Não há previsão orçamentária para isso. Então, temos os brigadistas do Prevfogo apenas por estes meses [julho a dezembro]”, explicou ao G1 o diretor regional do Prevfogo em Mato Grosso do Sul, Márcio Yule, que citou a importância dos voluntários por conta das restrições orçamentárias para contratar profissionais.

Os trabalhos do governo sul-mato-grossense também se voltaram à proteção das 240 pontes existentes em várias regiões do Pantanal de Mato Grosso do Sul. “Muitas estradas e pontes queimaram no ano passado. Com isso, o acesso as áreas ficou extremamente prejudicado, nós reformamos”, pontuou. O governo estadual também lançou, em abril, o plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e formalizou o Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal para coordenar ações de resgate e atendimento a animais silvestres que sofrerem com desastres ambientais no estado.

Nesta luta pela preservação do bioma, o papel de instituições da sociedade civil também é de suma importância. É o caso da ONG Ecologia e Ação (Ecoa), que, dentre outras ações, capacita brigadistas voluntários em Mato Grosso do Sul. “As comunidades locais são fundamentais para manutenção à conservação do bioma e populações tradicionais. A gente capacita, forma e instrumentaliza esses grupos. Os esquadrões são compostos por 7 a 15 pessoas, que têm a capacidade de fazer leituras das queimadas com seus vizinhos de propriedades e agirem como primeira resposta ao combate”, comentou o presidente da entidade, André Siqueira.

As ações de capacitação também são realizadas pelo Corpo de Bombeiros de Mato Grosso (CBM-MT), com 158 moradores e trabalhadores da região do Pantanal capacitados para agir em caso de incêndios florestais.

Fogo para controlar queimadas

Conhecida como Manejo Integrado (MIF), a técnica de usar o próprio fogo para controlar queimadas tem sido utilizada em Mato Grosso de Sul. Conforme explicado pelo o secretário de Meio Ambiente do estado, Jaime Verruck, o procedimento consiste em analisar o material sujeito à queima e atear fogo na matéria orgânica antecipadamente e de forma controlada, eliminando o material que poderia dar força a um incêndio sem controle.

“O estado identifica algumas áreas de risco, assim o produtor poderá fazer o manejo. O produtor rural pode identificar que uma área e apresentar uma solicitação de autorização dessa queima controlada acompanhados por um órgão ambientação”, explicou o secretário. Essa técnica, porém, demanda fiscalização para que o fogo não saia de controle.

Desde 2018, o procedimento é realizado na reserva indígena Kadiwéu graças ao Prevfogo e ao projeto Noleedi, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Coordenador do projeto e professor do Instituto de Biociências da UFMS, Danilo Bandini Ribeiro relata ter avaliado o impacto do manejo integrado como forma de controle às queimadas, resultando em uma redução nos incêndios e nos focos de calor.

“Além disso conseguimos notar uma diminuição da dependência do clima do fogo. Porque existe um padrão, quanto mais quente e seco, mais incêndio. Esta dependência diminuiu quando a gente começou a manejar o fogo na terra indígena”, explicou ao G1.

Cerca de 4,6 bilhões de animais afetados e 10 milhões mortos

Além do impacto devastador sobre à flora, as queimadas de 2020 também prejudicaram aproximadamente 4,6 bilhões de animais selvagens e mataram outros 10 milhões. Alguns animais foram resgatados com vida, boa parte deles com ferimentos graves. Muitos, porém, não puderam ser salvos porque as chuvas e o acúmulo de fumaça impedia a aterrissagem de aeronaves que traziam equipes de resgate.

“Todos os animais que vivem na área queimada foram de alguma forma afetados. Isso serve para dar a magnitude do impacto potencial dos incêndios, mas não a dimensão, que seria medir exatamente esse impacto. Esse número contém os animais que morreram diretamente pelo fogo, indiretamente pela falta de alimentos, abrigo e predação, bem como os que, mesmo tendo sobrevivido, sofreram algum efeito negativo após o fogo”, explicou o pesquisador da fauna pantaneira Walfrido Thomas.

Boa parte das queimadas se originaram em 286 locais, sendo 152 propriedades privadas registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), 80 em terras indígenas, 53 em áreas não identificadas e uma em unidades de conservação. Segundo relatório técnico publicado em abril de 2021 pelos pelos ministérios públicos estaduais de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, é “impressionante” que os incêndios tenham se iniciado em apenas 286 localidades.

De acordo com o estudo, 4,5 milhões de hectares foram destruído pelas queimadas em 2020; 21 municípios foram prejudicados; 2.058 propriedades rurais, 16 unidades de conservação e 6 terras indígenas foram atingidas; 57,7% dos focos de incêndio iniciaram em propriedades privadas; 333 propriedades foram consideradas prioritárias para conter as queimadas.

No ano passado, a Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul (PMA) autuou 56 pessoas físicas e jurídicas envolvidas em incêndios em áreas rurais, o que representa um aumento de 250% em relação a 2019, quando 16 pessoas foram autuadas. Do total das autuações de 2020, 16,6% foram em municípios pantaneiros.

As autoridades, porém, não foram capazes de autuar todos os criminosos ambientais. Isso porque, conforme explicado pelo secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, apenas em 30% das regiões fiscalizadas foi possível identificar e autuar os responsáveis por iniciar as queimadas, que também são investigadas pela Polícia Federal. Um das operações investigatórias teve como foco incêndios próximos ao Parque Nacional do Pantanal. Segundo as autoridades, a queimada criminosa teve início em uma fazenda.

Quatro inquéritos instaurados pela Polícia Federal para apurar as queimadas ocorridas ano passado no Pantanal investigam os seguintes crimes: destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção (1 a 3 anos de detenção); causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação (1 a 5 anos de reclusão); provocar incêndio em mata ou floresta (2 a 5 anos de reclusão); causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora (1 a 4 anos de reclusão).

A instituição relata ter intensificado os esforços no combate a crimes ambientais nos últimos anos e afirma estar mais presente no Pantanal, junto da Polícia Militar Ambiental. Policiais federais também foram capacitados para usar ferramentas que usam imagens de satélite para que possam acompanhar danos ambientais no bioma.

Segundo o MPF-MS, “os inquéritos instaurados em razão das queimadas do ano passado de competência federal ainda não estão concluídos” e, por isso, “não foram apresentadas denúncias até o momento”. Há ainda pendência de perícia e as investigações seguem em sigilo.

Ao se posicionar sobre o caso, a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Sistema Famasul) informou que atua em conjunto com o Senar/MS “orientando e capacitando produtores, trabalhadores rurais e outros profissionais que desempenham funções no campo, com o intuito de prevenir e combater incêndios em áreas rurais e minimizar impactos sociais e econômicos, protegendo a fauna e flora, bem como a integridade de pessoas”.

A Famasul reforça ainda que atualiza, treina e alerta técnicos de campo, prestadores de serviço e demais parceiros através dos 69 sindicatos rurais da região. A instituição também faz parte de grupos de trabalhos, comissões e comitês voltados à preservação ambiental, além de promover campanhas anuais de conscientização.

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