A ativista Karina Somaggio atua há 12 anos no cuidado a animais animais de grande porte, como cavalos, éguas e jumentos vítimas de maus-tratos. À frente do santuário Abraço Animal há cerca de quatro anos, ela já participou de inúmeras operações de resgate e coleciona muitas histórias que graças a ela tiveram um final feliz. O trabalho de Karina exige esforço, paciência e muita coragem. Em entrevista à ANDA, ela conta as singularidades do salvamento de animais de grande porte. “Para se resgatar um cavalo precisamos ter estrutura e, principalmente, conhecimento, porque diferente dos animais de pequeno porte, a estrutura para acolher tem que ser diferenciada e, às vezes, apenas para embarcar um cavalo em um caminhão pode demorar horas dependendo do estado físico e emocional do animal. Fora os riscos para o resgatista, que com um único coice, pode sofrer um acidente grave. É preciso conhecimento, técnica, paciência e muito amor”, esclarece.
A atuação de Karina é fundamental para dar uma nova chance para animais, que após muitos anos de exploração e abusos são condenados à morte e à invisibilidade. Este é o caso de Brigith, uma égua de aproximadamente 10 anos. Ela foi abandonada pelo ex-guardião com um grande tumor na região genital. Uma moça ficou comovida com a situação da égua e a acolheu provisoriamente em um pequeno espaço do seu quintal até que o socorro chegasse. O tutor não impôs nenhum obstáculo, pois a égua foi abandonada para morrer. Karina prontamente atendeu o pedido de resgate, mas não pôde encaminhar a égua para o santuário imediatamente, pois o animal precisava ser submetido a exames, como mormo e AIE. Brigith ficou alguns dias em quarentena até poder ser transferida para o abrigo da Abraço Animal. Após chegar ao novo lar, a égua recebeu cuidados paliativos até conseguir uma vaga no Hospital Veterinário de Grandes Animais da Universidade de Sorocaba (UNISO).
Assim que deu entrada no hospital, Brigith foi submetida a vários exames, incluindo uma biópsia. A principal preocupação era descobrir a natureza do tumor e quais tratamentos seriam indicados. A égua foi diagnosticada com um carcinoma de células escamosas, um câncer de pele grave que pode levar à desfiguração e perda das partes do corpo afetadas. Quando removida, esta neoplasia pode retornar ainda mais agressiva. Ela também apresentava metástase nos linfonodos e mamas. Brigith aparentava estar bem, apesar do quadro delicado, mas sentia muito incômodo na região genital, local no qual o tumor se apresentava de forma mais violenta e expositiva. Ela foi avaliada pelo médico veterinário Leonardo Maggio [1], do Hospital Veterinário de Grandes Animais da UNISO, que informou à Karina sobre os custos e riscos que envolviam a operação e tratamento de Brigith. Felizmente, todos estavam dispostos a devolver qualidade de vida à égua e assumiram o compromisso de tentar tudo que fosse possível.
Karina conta que a luta por Brigith é unicamente pela vida. “Quando conversei com o Dr. Leonardo e com a Dra. Aline, veterinária que atende os animais do santuário, ambos afirmam que em casos de tumores tão extensos como o de Brigith, muitos tutores optam pelo sacrifício. A cirurgia pelo qual ela teria que passar é considerada inédita, pois em razão dos altos custos, nenhum cavalo ou égua foi submetido até o momento. Até discutimos sobre o sacrifício, mas em conjunto decidimos tentar a cirurgia, porque os olhos da Brigith brilhavam com a nova vida que ela estava vivendo após o resgate. A morte induzida seria realmente o último recurso, mas descartamos. Nós a acolhemos para promover a vida. Tínhamos a disposição de tentar até o último recurso. Brigith quer viver uma vida digna e a equipe veterinária quer aprender sobre a natureza da doença dela para salvar outros animais. Vamos ao lado dela até o fim”, afirma a ativista.
Um caso complexo
O médico veterinário Leonardo Maggio explica que inicialmente foi constatado que a égua não apresentava alterações clínicas graves ou risco imediato de morte. “Na admissão, nossa equipe constatou que ela apresentava um escore corporal não tão satisfatório. Ela não apresentava um grau extremo de caquexia, ou seja, ela não estava extremamente magra, mas também não apresentava a condição corporal normal de um animal saudável. Logo após uma avaliação geral, nós voltamos a nossa atenção para a lesão e para a massa, para o aumento de volume que ela tinha ali na região da vulva. Nós já tínhamos um conhecimento prévio, descritivo e fotográfico, pelos relatos da própria responsável, sobre essa lesão. Pelas fotos e pela lesão, nós já tínhamos algumas suspeitas, mas é claro que na admissão nós fizemos uma avaliação muito mais profunda”, disse em entrevista à ANDA.
Após uma biópsia e uma avaliação minuciosa da tumoração que atingia Brigith, o veterinário confirmou a presença de um carcinoma escamoso. “Com o diagnóstico preciso na mão, foi explanado à guardiã a gravidade do tumor, o quão agressivo ele é e o potencial metastático que esse tumor tem por ser maligno, ou seja, a rapidez com que ele consegue se espalhar pelo corpo em outros órgãos e outras regiões. O que deixava a equipe esperançosa é que apesar da condição no local ser muito ruim e visualmente alterada, a condição clínica dela era boa. Era uma égua que estava comendo, urinando, defecando, se comportava normalmente, então isso deixou a equipe otimista. É uma alternativa que nós sabemos que não é curativa, porque nós não iriamos conseguir eliminar 100% o tumor do organismo dela, do corpo dela, mas nós poderíamos de uma maneira extremamente efetiva retirar aquele tumor daquele local, regredir o seu tamanho, e dar uma qualidade de vida maior para a paciente”, explica.
A equipe veterinária de Leandro também contou com o apoio de uma especialista em oncologia veterinária e, após um estudo cuidadoso, decidiram que poderiam obter um resultado mais satisfatório associando a cirurgia a uma quimioterapia local chamada eletroquimioterapia. O profissional esclarece porque não optou pela quimioterapia tradicional. “Os grandes animais de modo geral não respondem da mesma maneira que seres humanos ou pequenos animais. O volume de quimioterápico utilizado em um cavalo é infinitamente maior que se usa em humanos ou em cães e gatos, fazendo com que se prevaleça os efeitos colaterais e deletérios do quimioterápico mais do que os seus benefícios. Discutimos isso com a oncologista e ela nos apresentou como alternativa a eletroquimioterapia, que é uma técnica na qual você faz o uso de um quimioterápico no local no qual está o tumor, visto que é um tumor de pele e que o acesso é possível. Após a infusão do quimioterápico local é feito um estímulo por impulsos elétricos por um equipamento específico para que esse fármaco quimioterápico possa penetrar nas células neoplásicas. Estão, optou-se por essa estratégia por ser a mais efetiva e a mais indicada para esse tipo de tumor e para essa espécie, no caso”, salientou.
O grande dia
A operação foi realizada no dia 14 de abril. Leandro explica quais protocolos foram adotados. “Foi realizada a cirurgia dentro do centro cirúrgico com o animal sob anestesia inalatória geral, ou seja, o animal deitado, totalmente desacordado. Foi feita a retirada completa da massa tumoral da vulva a ponto de que visualmente você não tinha mais o tecido alterado. Após a abertura dessa ferida para retirada da massa, a oncologista, ainda no transoperatório, realizou o procedimento de eletroquimioterapia e, subsequentemente, nós realizamos a vulvoplastia, ou seja, a plástica da região da vulva, que obviamente estava alterada devido a retirada do tumor, que era de uma grande extensão. Quando nós colocamos o animal na mesa, em posição de decúbito dorsal, ou seja, deitado de barriga pra cima, nós podemos fazer uma avaliação melhor, minuciosa, de toda a região anexa ao tumor. Nós avaliamos a região inguinal que é no entremeio das pernas e também a região dos linfonodos, que estão ali na região inguinal, bem como a mama”, pontua.
E completa: “Identificamos que existia indícios de metástase nos linfonodos inguinais e na mama. Nós temos a hipótese de que esse tumor já se alastrou, já se espalhou para região dos linfonodos inguinais, bem como também para a mama, só que foi ponderado no ato cirúrgico que realizar duas grandes cirurgias naquele único procedimento, naquele momento, seria extremamente arriscado, visto que a perda sanguínea nessas cirurgias é significativa. Priorizamos retirar a massa, que era o que estava atrapalhando exatamente na qualidade de vida naquele momento. A oncologista responsável pelo caso, a Dra. Daiane, realizou uma técnica não invasiva nesses linfonodos inguinais e na mama, ou seja, sem realizar uma abertura cirúrgica para a retirada da massa dos linfonodos inguinais e da mama, que é uma massa que não estava ulcerada, ela estava coberta pela pele, o que deu uma certa tranquilidade à equipe. A Dra. Daiane fez uma infusão do quimioterápico nesses nódulos e fez os estímulos elétricos, fazendo com que dessa maneira nós realizássemos um procedimento invasivo para retirar a massa que estava toda ulcerada e sangrando na vulva e um procedimento não invasivo nas massas metastáticas nas região dos linfonodos inguinais e de mama, fazendo com que essa fosse a melhor estratégia, evitando que o animal tivesse hemorragia intensa durante a cirurgia”, esclarece.
A cirurgia realizada em Brigith é chamada de exérese de neoplasias cutâneas e, segundo o veterinário, é considerada um procedimento comum. O que torna o caso da égua raro e de certa forma inédito é a extensão da área comprometida e o tamanho do tumor. O quadro de Brigith era mais inclinado ao sacrifício do que a um procedimento cirúrgico em razão do avanço da doença. “O que torna o caso dessa égua peculiar é que geralmente seria um quadro possivelmente atribuído a um prognóstico muito desfavorável e na maioria dos casos a indicação é a morte induzida, no entanto, a equipe teve bastante cuidado para analisar a condição geral do animal. Avaliamos todo o contexto junto à guardiã e chegou-se a decisão de se tentar a cirurgia, porque de fato existia um risco, por exemplo, do tumor estar extremamente invasivo. Durante o ato cirúrgico conseguimos perceber isso muito melhor. Nós fomos agraciados pelo tumor estar realmente delimitado na região da vulva e nós conseguimos fazer uma boa cirurgia, retirando grande parte do tecido”, reforçou.
Reabilitação
Hoje (21), sete dias após a cirurgia, Brigith já experimenta as melhorias trazida pela operação e o tratamento. A equipe que a atendeu comemora os resultados. “A equipe já ficou bem contente no pós-operatório imediato, assim que ela se recuperou da anestesia. Uma da preocupações era monitorar como seria o ato de urinar dela, se ela conseguiria urinar normalmente ou não, óbvio, nós preservamos a uretra, não houve invasão na uretra, mas nós modificamos um pouco a conformação da vulva por conta da extensão da invasividade da neoplasia desse tumor. Ficamos muito felizes por que já no pós-operatório imediato ela se recuperou, ficou de pé e ela já urinou, restabeleceu as suas funções de se alimentar, inclusive de defecar e se comportou superbem, inclusive não querendo mais coçar tanto e morder a região. Claro, o trauma cirúrgico foi muito menor do que o trauma que estava sendo ocasionado por aquele tumor. Nós consideramos que a cirurgia associada à terapia de eletroquimio foi muito bem sucedida, porque melhorou em larga escala a condição de bem-estar desse animal”, disse o veterinário.
O veterinário conta que a égua está tomando antibióticos, anti-inflamatórios e medicamentos para tratar a região operada, que está inchada. Com a eletroquimioterapia é possível que os pontos se rompam com mais facilidade, mas a equipe está pronta para realizar qualquer atendimento ou intervenção, se necessário. Ela está bem e o seu estado segue dentro da expectativa do pós-operatório. Leandro avalia que “houve uma regressão extremamente expressiva dessas metástases. É apenas uma avaliação clínica, mas houve uma involução dessas metástases extremamente satisfatória. Com a cirurgia associada à eletroquimioterapia, com as duas técnicas, a invasiva e a não invasiva, estamos alcançando até o presente momento o objetivo que é controlar esse tumor e fazer com que ela possa conviver com ele em uma condição de menor agressividade e de extrema qualidade de vida”, pontua.
Futuro
O futuro de Brigith ainda é incerto, mas ela não está sozinha para superar os obstáculos que por ventura possam surgir. “Em relação à recuperação completa dela, isso é um pouco relativo, o objetivo da equipe junto à responsável pelo animal é de promover a qualidade de vida dela, ou seja, aumentar a expectativa de vida com qualidade e isso nós já estamos alcançando, visto que em outras situações esse animal teria sido sacrificado. Nós já conseguimos aumentar a sobrevida desse animal com qualidade e quanto tempo nós vamos conseguir garantir isso? É muito difícil de se estabelecer, vai haver um acompanhamento periódico sobre esse animal, de monitoração dos linfonodos inguinais e da mama. A própria condição clínica tende a se reestabelecer. Então, muito vai depender de como a égua vai se comportar daqui para frente e, obviamente, essa resposta vem com os acompanhamentos periódicos para monitorar se o tumor está crescendo ou não”, afirma.
O veterinário salienta ainda as singularidades que envolvem o trato de animais de grande porte. “Cavalos e éguas, por serem animais muitos grandes, uma espécie peculiar, nós não temos ainda recursos diagnósticos como temos, por exemplo, para seres humanos e para cães e gatos. A condição hoje de se fazer uma ressonância, uma tomografia ou mesmo utilizar aqueles mecanismos que se utilizam em humanos pra identificar possíveis metástases no corpo ainda é inviável para cavalos. Nós temos outros recursos de monitoração, como a ultrassonografia abdominal e torácica, para que a gente possa monitorar se há mais metástases. O que vai mandar para nós sempre é a condição clínica do animal, se ele apresenta uma boa condição, se ele se alimenta, se urina, defeca, não tem nenhuma limitação e, obviamente, essa monitoração sendo feita periodicamente, nós ficamos tranquilos em alcançar aquilo que a gente objetivava, que é estabelecer a sobrevida com qualidade para o animal. Ela não está curada do tumor, porque provavelmente existem células neoplásicas circulando no organismo, mas pós esse procedimento, sendo retirada a massa principal e enfraquecendo o potencial desse tumor, a ideia é que ele não se torne tão agressivo”, concluiu o profissional.
Agora, Brigith tem uma nova chance. Quando tiver alta, ela retornará para o santuário Abraço Animal, onde conviverá em segurança com outros membros de sua espécie, recebendo amor, carinho e cuidados. Karina torce para que ela se restabeleça o quanto antes. “Ela não está fora de perigo, porque as reações corporais e fisiológicas precisam de alguns dias, mas ela tem vontade de viver e lutar pelo direito à vida. Ela tem que lutar para que a eletroquímio seja eficaz, pois não há histórico para um caso como dela, então serão dias de muita reza e torcida para que dê certo. Ela vai vencer!”, acredita a ativista. Enquanto a égua se recupera, Karina tem um novo desafio: reunir recursos financeiros para custear as despesas do procedimento cirúrgico. A ativista está realizando uma campanha para conseguir doações. Atualmente, a dívida está em torno de R$8.000. É possível contribuir a partir de qualquer valor. Para ajudar, escolha uma das opções abaixo:
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CC 01039960-3
Fernanda Karina Ramos Somaggio
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CC 52079-9
Fernanda Karina Ramos Somaggio
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Nubank
Ag. 001
C.c. 4144045-4
Fernanda Karina Ramos Somaggio
CPF – 172.822.478-03
Banco Itaú
Ag. 0738
CC 46765-3
Nayna Ramos Somaggio
CPF – 413.767.808-76
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[1] Leonardo Maggio de Castro é Médico Veterinário, docente responsável pelo H.V.U. de Grandes Animais da UNISO e coordenador do Grupo de Estudos em Resgate Técnico Animal – G.E.R.T.A. da mesma instituição. Membro da Comissão Nacional de Desastres em Massa Envolvendo Animais do Conselho Federal de Medicina Veterinária e presidente da Comissão de Resgate Técnico Animal & Medicina Veterinária de Desastres do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo – CRMV/SP.