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Criminosos vendem reservas indígenas e áreas protegidas pelo Facebook

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27 de março de 2021
Sue Branford e Thais Borges | Tradução de Giovanna Reis Sue Branford e Thais Borges | Tradução de Giovanna Reis Sue Branford e Thais Borges | Tradução de Giovanna Reis
7 min. de leitura
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A BBC Brasil, em um novo documentário de TV, investigou a fundo as redes criminosas que vendem e desmatam ilegalmente terras conservadas – mesmo dentro de uma reserva indígena. Em uma nova reviravolta, alguns grileiros estão postando os lotes que estão vendendo no Facebook, uma prática com probabilidade de trazer uma atenção internacional e indignação.

Os vendedores podem ter passar para os anúncios do Facebook porque os infratores dizem que virtualmente eles não tem medo de serem processados pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Desde 2019, a administração dele destruiu e esvaziou amplamente as agências regulatórias, de proteção e fiscalização ambiental.

Quando contatado pela BBC sobre a permissão dos anúncios em sua plataforma, o Facebook disse que “ já estava pronta para trabalhar com as autoridades locais” para investigar os crimes alegados, mas que não tomaria ações independentes para impedir o comércio de terras. Enquanto alguns anúncios foram retirados, outros permanecem no Facebook.

Imagem de área desmatada
Pixabay

Em um novo documentário poderosos transmitido em 26 de fevereiro, intitulado Vendendo a Amazônia, a BBC Brasil disfarçou-se para mostrar como grileiros ilegais estão se movendo em terras públicas na Amazônia brasileira, incluindo áreas protegidas – limpando florestas tropicais e vendendo lotes para fazendeiros com preços altamente inflacionados, Em uma reviravolta moderna isto está atraindo atenção internacional, o documentário mostrou lotes de terras públicas sendo abertamente oferecidas no Facebook.

Anúncios ilegais de venda pública de terras amazônicas em sites não é novidade. Em um livro inovador, Who Clears the Land Owns It, os autores Mauricio Torres, Juan Doblas e Daniela Fernandes Alarcon reportaram como, em junho de 2016, várias imobiliárias estavam fazendo publicidade na internet para vender 100,000 hectares (247,000 acres) em Jacareacanga, no estado do Pará. O texto do anúncio deixou claro que a propriedade se localizava em terreno público, apesar da localização exata não ser dita.

O anúncio de 2016, em desrespeito ao estatuto de direito, instruiu os compradores em potencial como eles poderiam contornar a legislação realizada na Constituição brasileira de 1988 que limita o tamanho de lotes individuais regularizados sob o programa de reforma agrária do governo para 1.500 hectares. Os compradores em potencial poderiam, sugere o anúncio, fingir dividir a enorme área em doze pequenos lotes de 1.500 hectares, cada uma formalmente propriedade de um laranja (literalmente traduzido como “orange”, mas significando um “fantoche”). Fazendo isso, a compra seria legal aos olhos do estado, com 66 “proprietários” individuais de pequenos lotes todos dentro do limite de tamanho legal – embora o único proprietário mantivesse o controle sobre a propriedade inteira.

O anúncio assegurou aos potenciais compradores: “É uma área de posse pacífica e sem problemas e georreferenciamento está sendo organizada para que o proprietário possa cadastrar o terreno no CAR e obter os títulos de proprietário”. CAR é o registro atual, porém controverso do governo, do governo brasileiro para monitoramento ambiental, normalmente utilizado por ladrões para legitimar suas grilagens de terra. Georreferanciamento é uma técnica de mapeamento digital que resulta em um documento de aparência oficial que não é equivalente a títulos de propriedades, mas frequentemente usado por grileiros para dar a impressão que suas ocupações são legais.

O que não tem precedentes no documentário da BBC é que o agente disfarçado convenceu o grileiro que ele era genuinamente um comprador em potencial, e por isso foi capaz de ganhar acesso a detalhes da área à venda. Comparando informações dos vendedores com os do georreferenciamento, o BBC foi capaz de mostrar vários lotes que estavam em terrenos públicos, incluindo áreas protegidas.

Um lote à venda estava localizado dentro da reserva indígena Uru Eu Wau Wau, no estado de Rondônia, no Brasil – um território indígena onde invasões e conflitos têm sido frequentes, e a resposta do governo Bolsonaro é frouxa. Em disputas por terras na Amazônia, uma corrida por terras notória pela brutalidade e violência, o BBC deu um golpe memorável e, por bom motivo, o agente, que não é funcionário da BBC, escondeu sua identidade no documentário.

A terra indígena de Uru Eu Wau Wau, de 1.8 milhões de hectares (7,208 milhas quadradas), continua a ser fortemente alvo de grileiros. Os 200 indígenas estão lutando contra e patrulhando suas terras para impedir a entrada de invasores, mas é uma luta de Davi e Golias. O futuro de cinco grupos indígenas isolados é muito incerto.

Em 18 de abril de 2020, um líder indígena, o professor Ari Uru Eu Wau Wau, foi assassinado. Ivaneide Cardozo, o coordenador na Kaninde, a Associação de Defesa Etno-ambiental, que trabalha com o Uru Eu Wau Wau, disse ao Mongabay: “ Ninguém foi punido pelo crime. E nós perguntamos o porquê disso? No interesse de quem é o que os assassinos fiquem impunes? ” O Uru Eu Wau Wau disse à BBC que eles estão constantemente com medo de ataques violentos de intrusos.

Muitos dos anúncios de terras amazônicas no Facebook foram rapidamente removidos após a exibição do documentário, mas não antes da BBC ter feito várias capturas de tela deles. Quando contatado pela BBC sobre a permissão de anúncios na sua plataforma, o Facebook disse que estava “pronto para trabalhar com as autoridades locais” para investigar os supostos crimes, mas que não tomaria ações independentes por conta própria.

Mesmo após a reportagem do BBC, o Mongabay achou diversos anúncios na área de marketing do Facebook, oferecendo o que obviamente eram terras roubadas. Por exemplo, um anúncio promoveu a venda de 30,000 hectares (74,000 acres), localizado a 90 quilômetros (66 milhas) da Altamira no estado do Pará. O vendedor afirmou sem rodeios que ele ou ela não tem título de terra para a venda.

A reportagem da BBC implica claramente que o Facebook está sendo usado como veículo para a venda ilegal de terras pública. O envolvimento do Facebook em uma questão polêmica e altamente divulgada como o desmatamento da Amazônia poderia, dizem alguns analistas, alimentar um crescente debate sobre se as plataformas de mídia social devem ser regulamentadas por vigilantes independentes.

O documentário também mostra como o desmatamento da floresta amazônica ainda é lucrativo, apesar de todos os esforços internacionais para aumentar o valor da floresta em pé. O grileiro que ofereceu terras indígenas para a venda no documentário da BBC estava pedindo US$ 35,000, uma quantia considerável, embora não esteja claro quanto da propriedade ele tinha limpado.

Em um artigo do Mongabay publicado em 2017, um agricultor do Novo Progresso no estado do Pará, foco do desmatamento ilegal, disse “ Só por limpar a terra, ele [o grileiro] aumenta o valor do lote em 100 ou 200 vezes”. Em outras palavras, um acre da floresta tropical, repleta de biodiversidade, que poderia valer $5 em seu estado original, aumentaria seu valor para $500 uma vez desnudado e vendido como pasto.

Outro fator notável, evidente no documentário, é a próxima colaboração entre grileiros e políticos locais, o que aumenta o seu poder de lobby. Isso alimenta o rápido desmantelamento das políticas indígenas brasileiras e de regulamentação ambiental sob o presidente Jair Bolsonaro.

Em verdade, todos os ladrões de terras entrevistados pela BBC expressaram total confiança de que têm apoio do líder do Brasil. Isso foi algo que Ivaneide Cardozo concordou: “Foi uma surpresa para nós ver o quão confiante eles se sentiam. Eles não têm medo de serem pegos.”

Um grileiro disse à BBC que logo o governo iria autorizá-los a cadastrar suas ocupações como legais: “Para dizer a verdade, se a área não for liberada agora [sob o governo do Bolsonaro], nunca será liberada.”

Quando questionado pelo repórter João Fellet, que apresenta o documentário, Ricardo Salles, ministro do meio ambiente do Brasil, disse que o governo tinha “tolerância zero para crime, incluindo crimes ambientais”. Mas, ele acrescentou, também acredita que “ alguns aspectos da legalização de terras no Brasil precisam ser revisadas”. Ambientalistas veem a declaração de Salles como uma possível referência a um projeto de lei, atualmente em tramitação no Congresso, que é extremamente favorável aos grileiros, oferecendo anistias para invasão de terras públicas e desmatamento ilegal.

O documentário da BBC já está tendo consequências no Brasil. Em 2 de março, o Supremo Tribunal Federal, a corte suprema do Brasil, pediu à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério da Justiça que investiguem a venda de terras indígenas no Facebook. A decisão foi proferida pelo ministro Luis Roberto Barroso, relator da ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) contra o governo federal por negligência no combate da COVID-19 em comunidades indígenas. Em sua declaração, Barroso disse que os indígenas que moram no território Uru Eu Wau Wau estão em um estado epidemiológico crítico precisamente por causa das invasões de terras.

Correção: *Essa história, quando publicada originalmente, identificou erroneamente o homem Ari Uru Eu Wau Wau segurando uma bala de espingarda como Ari Uru Eu Wau Wau, que foi assassinado em abril de 2020.

 

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