EnglishEspañolPortuguês

CRUELDADE CRUELDADE

O drama dos bois que estão confinados em navios há mais de dois meses

,

28 de fevereiro de 2021
Jorge de Souza (Histórias do Mar)Jorge de Souza (Histórias do Mar)
5 min. de leitura
A-
A+
Foto: Animal Welfare Foundation

Em meados de dezembro do ano passado, pouco antes do Natal, dois navios carregados com bois vivos partiram da Espanha com destino a Turquia, onde os animais seriam desembarcados para morte e consumo.

Mas, até hoje, quase dois meses e meio depois, mais de 2500 bois continuam confinados nos porões daqueles dois navios, sob condições ainda não possíveis de precisar.

O problema começou quando os dois velhos navios, o Elbeik, com 1776 bois, e o Karim Allah, com 895 bezerros, foram impedidos de atracar tanto na Turquia quanto nos países vizinhos (Líbia, Egito, Tunísia e Chipre), sob a alegação de que os animais estariam contaminados com a chamada doença da “língua azul”, que não afeta o homem mas pode disseminar entre os animais – o que o Ministério da Agricultura da Espanha sempre negou, garantindo que os animais estavam 100% sadios ao serem embarcados.

Desde então, os dois navios têm vagado de porto em porto, tentando desembarcar os animais sobreviventes – porque é certo que muitos deles já morreram -, mas o acesso vem sendo sistematicamente negado.

Mortos de fome e de sede

“Só queremos que, ao menos, veterinários possam embarcar e examinar os animais que estão confinados nos dois navios, e fazer a eutanásia dos que estão sofrendo e que não terão mais condições de sobreviver”, diz a representante a ONG Animal Welfare Foundation, a espanhola Maria Boada Saña.

“Estimo que boa parte dos animais já esteja morta, de fome e de sede. E os que ainda estão vivos estão vivendo um verdadeiro inferno nos porões daqueles navios”, completa Sylvia Barquero, diretora da ONG Animal Equality, também da Espanha.

O que fazer com eles?

Na última segunda-feira, após quase um mês parado ao largo da Sardenha, mas sem poder atracar na ilha, porque o governo italiano também proibiu isso, o comandante do Karim Allah finalmente recebeu autorização do governo da Espanha para retornar ao porto espanhol de Cartagena, de onde havia partido, quase 70 dias atrás.

Mas nem lá pode desembarcar o que ainda resta da sua carga viva, porque, agora, os espanhóis também temem que os animais mortos possam contaminar o porto, bem como os demais bois que por ali passam para serem embarcados, o que levantou a suspeita de que os animais estivessem, de fato, contaminados.

A posição do governo espanhol é de que os animais devam ser sacrificados, para evitar riscos.

Mas os donos da carga se recusam a fazer isso e continuam buscando compradores para os animais em outros países, tornando a pendenga cada vez mais difícil de ser resolvida.

Tempos atrás, o comandante do Karim Allah parou de pedir o embarque de ração para os bois. Isso, mais a relutância em receber veterinários a bordo, foi interpretado pelos defensores dos direitos dos animais como um sinal de que todos já teriam morrido.

Mas, segundo o Ministério da Agricultura da Espanha, “apenas 15 animais estavam mortos no Karim Allah”, o que, no entanto, ainda não foi confirmado.

No outro navio, pior ainda

Já a preocupação com os animais que ainda estão confinados no outro navio, o Elbeik, é maior ainda.

Após tentar parar em portos da Turquia, Líbia, Egito e Tunísia, e ser impedido nos quatro países, o Elbeik rumou para a ilha de Chipre, onde permanece até hoje, também sem autorização para atracar.

De acordo com o site de rastreamento de embarcações Marine Traffic, o Elbeik se encontra parado a meia milha da costa cipriota desde o início do mês, supostamente aguardando um carregamento de comida para os animais.

Mas igualmente sem permitir o embarque de fiscais sanitários, o que acende o alerta de que muitos animais, talvez, já estejam mortos.

O mais provável é que, após conseguir um suprimento de ração para os bois sobreviventes, o Elbeik também retorne à Espanha, de onde partiu quase dois meses e meio atrás.

“Quando um país impõe restrições a parada de um navio por conta da sua carga, todos os demais países tendem a copiá-lo”, diz um especialista no assunto, que completa: “E o pior é que há uma carência de árbitros internacionais para intermediar casos assim”, lamenta.

Foto: Animal Welfare Foundation

“Precisamos parar com isso”

O drama dos bois confinados nos dois navios desde o ano passado trouxe novamente à tona a delicada questão do transporte de animais vivos pelo mar.

Em novembro de 2019, o navio Queen Hind tombou na costa da Romênia e das 14 0o0 ovelhas que transportava, apenas 32 animais foram resgatados com vida.

Mais recentemente, em setembro do ano passado, outro navio dedicado ao transporte de animais, o Gulf Livestock, foi pego por um tufão e afundou na costa do Japão, quando transportava 5867 vacas, da Nova Zelândia para a China. Nenhum animal sobreviveu.

“A exportação de animais vivos em navios para consumo humano no destino precisa ser imediatamente banida no mundo inteiro”, prega Sharon Núñez, presidente da ONG Animal Equality.

“Precisamos parar com o cruel sofrimento dos animais durante as longas travessias em navios sem condições para isso”, diz ela, acrescentando que, muitas vezes, os animais moribundos são jogados ao mar ainda vivos, para que não contaminem o restante do grupo.

“Está mais do que na hora de pararmos de aceitar esse tipo de situação. A Organização Mundial da Saúde Animal precisa achar uma solução definitiva para a terrível questão do transporte de animais vivos pelo mar”.

Um caso parecido no Brasil

Incidentes marítimos que transformam também os animais em vítimas são frequentes no mundo inteiro. Inclusive no Brasil.

Um dos casos mais recentes por aqui foi o do navio libanês adaptado para transportar gado Haidar, que tombou quando estava sendo carregado com bois no porto de Bacarena, no Pará, em outubro de 2015, matando todos os 4920 animais que estavam a bordo – mas a maioria deles não no naufrágio e, sim, nos atos de selvageria perpetrados pelos moradores da cidade, que passaram a caçar os animais na água e matá-los em seguida a fim de vender a carne em mercados clandestinos.

No caso dos animais que estão, desde o ano passado, confinados nos dois navios que partiram da Espanha e não conseguiram parar em lugar algum desde então, o destino parece ser o mesmo: os açougues.

Mas, ao menos, com menos sofrimento do que ficar confinado por meses a fio em fétidos porões de velhos navios-estábulos.

Fonte: Histórias do Mar 

    Você viu?

    Ir para o topo