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Sistema da Nasa pode revolucionar análise de incêndios na Amazônia

21 de setembro de 2020
8 min. de leitura
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NASA

Com mais de mil grandes incêndios já detectados este ano em toda a Amazônia, com impacto na floresta tropical e nas comunidades indígenas e tradicionais, os cientistas estão oferecendo um raio de esperança aos gestores de terras que buscam controlar incêndios futuros à medida que novas tecnologias de dados de satélite entram em operação.

No último mês, um único grande incêndio florestal queimou a vegetação de sub-bosque da Amazônia, tomando até 24.994 hectares (61.762 acres) de floresta tropical intocada, localizada em uma área imprensada entre a Floresta Nacional do Jamanxim e a Terra Indígena Baú no Estado do Pará, no Brasil – ambas as áreas são protegidas e há tempos submetidas a invasões por grileiros, que regularmente usam incêndio como uma ferramenta de limpar e roubar terras públicas.

Apenas esse único incêndio enviará para a atmosfera cerca de 3 milhões de toneladas de carbono nos próximos anos conforme as árvores carbonizadas morrerem e se decompuserem, de acordo com novos dados de uma ferramenta recentemente lançada pela Nasa para monitoramento de incêndios na Amazônia. Isso é o equivalente, em emissões, a 700 mil carros dirigidos por 1 ano.

Porém há um lado bom: no recém ano passado, os cientistas não poderiam saber sobre tudo isso. No passado, os incêndios na Amazônia normalmente eram monitorados por contagem de áreas de calor, o que pode não levar em conta o número ou tamanho real dos incêndios, a exata área impactada, as emissões de carbono ou o tipo de incêndio. Embora alguns sistemas combinem dados de áreas de calor com dados de emissões de aerossol e outras informações, nenhum poderia oferecer todas essas informações automaticamente quase em tempo real – até agora.

Avanços da Nasa

A nova ferramenta de monitoramento de incêndios Amazon Dashboard, iniciada em 19 de agosto deste ano pela Nasa, contém alguns grandes avanços sobre a maneira como os incêndios eram monitorados no passado. A plataforma utiliza a coleta automática de dados e análise computadorizada para identificar o número de incêndios significativos queimando na Amazônia (ao invés de somente áreas de calor), qual tipo de incêndio está ocorrendo e quantos novos incêndios começam todos os dias. As emissões de gás carbônico também são contabilizadas.

“Por mais valiosa que a informação de incêndios ativos seja para o monitoramento mensal ou para as diferenças anuais, é um quadro incompleto do que está ocorrendo”, explicou Douglas Morton, chefe do Laboratório de Ciências Bioesféricas do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa, ao site Mongabay.

“Nosso time queria ser capaz de fornecer mais contexto sobre os tipos de incêndio queimando, o tamanho e o crescimento desses incêndios ao longo do tempo. Essas são características críticas em termos do potencial para extinguir aqueles incêndios em locais remotos”. O novo sistema diferencia incêndios queimando em áreas desmatadas (normalmente colocado ilegalmente para converter floresta em terra de agricultura), aqueles queimando na vegetação de sub-bosque da floresta tropical, chamas em prados, e incêndios colocados anualmente por fazendeiros de subsistência para limpar os campos de cultivo existentes.

Os incêndios na vegetação de sub-bosque da floresta tropical – um dos tipos mais destrutivos de incêndio na Amazônia – saíram da quase total falta de detecção de anos anteriores, já que os satélites eram incapazes de captá-los. Com as chamas frequentemente abaixo de 1 metro de altura, os incêndios no sub-bosque infiltram-se pela densa folhagem, queimando uma trilha por todo o chão da floresta, frequentemente escondidos completamente pelas copas de árvores que medem de 40 a 50 metros no alto.

Agora, usando dados infravermelhos mais sensíveis das passagens noturnas dos satélites Suomi NPP e NOAA-20, a Nasa agora pode localizar esses incêndios florestais destrutivos quase em tempo real.

Os dados da Nasa, rapidamente acessíveis e detectados com precisão, podem ajudar gestores de terra a identificar e extinguir incêndios florestais em localizações remotas antes que eles se tornem muito grandes, enquanto também ajuda a expor criminosos que cometem incêndios em larga escala. O filtro para excluir incêndios feitos por fazendas familiares de pequena escala e em comunidades tradicionais permite que as operações de fiscalização foquem exclusivamente em combater as redes criminosas de desmatamento em larga escala e na prevenção e combate de incêndios florestais em áreas de alto risco.

“É inovador. Uma revolução na nossa área. Nós poderíamos parar esses incêndios florestais e responder rapidamente”, disse Erika Berenquer, bióloga e especialista em Amazônia na Universidade de Oxford. “Nós podemos [agora] separar incêndios advindos de desmatamento e agricultura de incêndios florestais, que são muito mais difíceis de detectar. Na verdade, nós não sabemos quanto do incêndio escapa [de áreas ou campos recém-desmatados], mas é uma proporção considerável”.

A ferramenta de detecção de incêndios da Nasa chega em um momento crítico. Encontrar soluções nunca foi tão urgente, já que a floresta tropical amazônica se encaminha para uma mudança previsível de floresta tropical para savana – sucumbindo à estiagem induzida pela mudança climática, desmatamento excessivo e quebra de recorde de incêndios anuais ocorrendo sob o governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, um entusiasta do agronegócio e da mineração industrial da região amazônica.

Dados podem ajudar a controlar futuros incêndios florestais

Cenas devastadoras dos incêndios do ano passado na Amazônia abalaram o mundo.

Mas as chamas deste ano já são piores do que as de 2019, embora seu prejuízo tenha sido disfarçado pela pandemia do Covid-19, que manteve as equipes de mídia fora da remota Amazônia.

É por isso, dizem os pesquisadores, que o novo sistema da Nasa não poderia ter vindo em tempo melhor. “Este ano, a Amazônia teve mais incêndios florestais do que o ano passado. Mas você não saberia disso ao olhar o número total de pixels quentes”, disse Morton. “Nem todas as detecções de incêndio são de igual importância”.

Os incêndios em áreas recém-desmatadas, junto com os incêndios florestais nos sub-bosques, são os que mais preocupam os cientistas, pois são os que mais emitem carbono e causam os maiores danos à floresta tropical e à biodiversidade.

Liana Anderson, uma pesquisadores no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), está trabalhando com sua equipe para quantificar os impactos dos incêndios na Amazônia. Uma melhor compreensão do custo real dos incêndios na Amazônia, diz ela, poderia informar o planejamento orçamentário anual para combate e prevenção de incêndios. “Neste momento da crise, nós precisamos de incentivo da ciência para apoiar o processo de tomada de decisão e as questões que afetam a sociedade”.

Estimativas baseadas em dados de 2008 a 2012 no estado brasileiro do Acre sugere que o prejuízo de incêndios pode totalizar 7% do PIB da Amazônia. “Os incêndios prejudicam a infraestrutura como cercamento de fazendas, transmissões elétricas e estradas. A fumaça prejudica a saúde, o que tem um custo. Também há perdas na produção agrícola e, em casos raros, [os incêndios] podem até mesmo interromper o tráfego aéreo”, disse Anderson. A nova ferramenta de monitoramento da Nasa poderia ajudar com essas estimativas de prejuízos financeiros – economicamente justificando melhor controle de incêndios pelos governos federais e estaduais brasileiros.

Separando os pequenos proprietários dos incendiários da Amazônia

Nesse mês de agosto, no município de Canaã dos Carajás, um incêndio isolado queimou no que provavelmente era um pasto pequeno, de acordo com a ferramenta de dados de incêndio da Nasa. As chamas não duraram muito, não afetaram a floresta em pé e eram características do incêndio usado por donos de terra em pequena escala para renovar o solo na fazenda familiar, garantindo o fornecimento local de alimentos.

Mas em 15 de julho Jair Bolsonaro decretou o banimento de incêndios durante 120 dias, tornando ilegal todos os incêndios ateados intencionalmente na Amazônia até outubro, com uma exceção feita apenas para comunidades indígenas e tradicionais.

O banimento criminalizou os pequenos proprietários e estimulou o uso desorganizado de incêndios em comunidades rurais pobres, enquanto distraía autoridades dos grileiros ilegais de larga escala, disse Sonaira Silva, agrônoma da Universidade Federal do Acre.

A ferramenta de monitoramento da Nasa poderia ajudar a acabar com este problema ao diferenciar entre incêndios de desmatamento e incêndios agrícolas de pequena escala, permitindo as autoridades a filtrar os incêndios de pequeno impacto e se aproximar de atores criminosos de grande escala na Amazônia.

“Uma pessoa queimando mil hectares [2,471 acres] é o mesmo que 500 famílias vivendo de agricultura de subsistência”, Silva disse ao Mongabay após um webnário público realizado sobre os incêndios na Amazônia, patrocinado pela Rede Amazônia Sustentável (RAS), em 1º de setembro.

“Nós não podemos ter incêndio zero na Amazônia. Essas proibições vindas de cima não são efetivas porque nós precisamos ser capazes de separar quem é quem: pessoas causando destruição criminal na floresta tropical [por lucro] e pequenos proprietários familiares pobres que usam o incêndio como seu único meio de garantir comida”.

NASA

O banimento deste ano está empurrando famílias com baixa renda a usar o incêndio de maneira desornada, aumentando o risco de incêndios florestais, diz Silva. “Eles se tornam apreensivos sobre serem multados e sentem que eles podem alegar que o incêndio não foi intencional se ele parecer desordenado. Se for um retângulo perfeito, isso se torna difícil”.

Ainda assim, um problema permanece: a administração Bolsonaro, ao invés de utilizar a nova ferramenta de incêndios da Nasa, parece ter a intenção de desacreditar e possivelmente desmantelar o Inpe, agência espacial brasileira, há muito tempo responsável por monitorar os incêndios na Amazônia.


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