A professora Ana Laura Galone decidiu ir além em seu trabalho voluntário em prol dos animais e escreveu o livro “10 contos caninos – uma reflexão para humanos” para doar para a causa animal os recursos arrecadados com a venda da obra. Em entrevista exclusiva à Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA), Ana Laura falou sobre os contos e abordou sua atuação em prol dos animais. Confira abaixo na íntegra.
ANDA: Quais temas são abordados nas histórias retratadas no livro?
Ana Laura Galone: São 10 contos, criados com base em vivências do grupo “Corrente Peluda”. Esse grupo, idealizado por mim, há 5 anos dá suporte para protetores de animais de Sorocaba (SP). A gente mantém essa corrente com caixinha, rifas, tarde de prêmios. Como não podemos resgatar, oferecemos suporte a quem resgata. Durante esses 5 anos, a gente ajudou muitos casos. Então, nesse livro aparecem casos de adoção, de abandono, de adoção de animais especiais, que não andam, o que geralmente é visto como um problema, já que as pessoas não querem adotar animais com deficiência. Mas o livro mostra uma adoção desse tipo.
O abandono na velhice é uma coisa muito comum também e que é retratada no livro. Infelizmente, é bonitinho quando é filhote, depois de idoso vai dar muito trabalho, então é abandonado. Adoção de animal adulto, que também é uma coisa complicada, porque as pessoas querem sempre filhotinho, também aparece no livro. São esses aspectos que trato no livro.
Mas eu sempre falo que o diferencial é que cada história é contada pelo animal, então é a visão do animal contando as suas histórias. E todo o dinheiro arrecadado com a venda do livro é revertido para a causa animal, o que é uma das formas que a gente também tem de ter uma caixinha para ajudar os protetores.
ANDA: Todos os contos são baseados em histórias reais?
Ana Laura Galone: Todos. Inclusive, um deles aconteceu na rua da minha casa. Todos os contos vêm acompanhados de foto do animal que passou por aquela situação. Não é exatamente a história do animal, eu mudo às vezes características como o sexo, se é macho ou fêmea. Mas é para dar uma floreada na história. No entanto, a situação base do conto foi passada pelo animal. E todos os casos receberam algum tipo de ajuda da Corrente Peluda.
ANDA: Tem algum conto presente no livro que você poderia dizer que te marcou mais?
Ana Laura Galone: Sempre me fazem esta pergunta, inclusive quando vou às escolas com a Corrente Peluda para falar sobre o livro e conscientizar os alunos. É o caso do Tupi, que vivia na rua em que moro. Ele foi abandonado com 13 anos. A pessoa simplesmente mudou de casa e o deixou. A vizinha começou a observar que a mulher estava organizando a mudança e o cachorro rodeando. O Tupi começou a pular no carro, tentando entrar. A vizinha perguntou: “você vai deixá-lo aqui?”, e recebeu a resposta: “ah, ele está velho, está acostumado, ele se vira”. A vizinha retrucou, dizendo que isso não aconteceria, que ele precisaria da tutora, mas não adiantou, ela foi embora e o abandonou. A vizinha teve que segurá-lo porque ele queria correr atrás do carro.
Eu conheci o Tupi há uns três anos, ele já estava bem idoso. Uma vez, passou em frente a minha casa e eu o alimentei. Desse dia em diante, ele começou a aparecer todos os dias para comer. Vinha com dificuldade, por conta da idade avançada, mas vinha. A vizinha acabou abrigando-o em sua garagem, inclusive oferecendo uma caminha para ele. Em novembro do ano passado, ela veio me contar que ele tinha morrido dormindo. Me marcou muito essa história porque a vizinha que o abrigou me contou que ele ia todos os dias em frente à antiga casa dele e ficava deitado, olhando para dentro, esperando a família voltar. Foi uma coisa que me doeu por conta da frieza do ser humano.
ANDA: Você falou que faz um trabalho nas escolas. Qual a faixa etária dos alunos e como é esse contato com eles? Como eles reagem?
Ana Laura Galone: Fui professora durante 31 anos. Trabalhei sempre com Infantil e Fundamental I, crianças com idades entre 4 anos e 10 anos. A gente conversa com eles sobre temas como adoção responsável e denúncia de maus-tratos. Explicamos que a denúncia tem que ser feita mesmo quando as autoridades não investigam, para deixar registrado e ter mais força. A gente faz como uma roda da conversa e é muito gostoso, porque geralmente as professoras fazem a leitura dos contos antes e incentivam a curiosidade deles. Muitos ficam na expectativa para falar com a autora do livro, então me sinto uma “super star” quando chego lá. Todos trazem perguntas elaboradas previamente, algumas salas fazem cartinhas com desenhos a respeito de algum conto do livro.
Eu também faço a venda do livro, dou autógrafo, tiro fotos com eles. Eles também têm muitos casos para contar, relatam histórias envolvendo animais que eles e familiares fizeram parte. O objetivo é sensibilizar, na intenção de que a criança leve aquela situação para casa, converse com a família. Conversamos muito sobre se colocar no lugar do animal que sofre com fome, com sede, que sente medo.
É muito bacana, a gente sai de lá enriquecido e com certeza eles também. Teve uma escola que encerrou o projeto pedindo fotos de animais para adoção que foram usadas pelas crianças para confeccionar cartazes sobre esses animais. Eles também pediram doação de ração. Naquele mês nós fomos buscar os sacos de ração e tiveram animais que foram doados através dessa iniciativa deles.
ANDA: Você contou este episódio desta escola que se motivou a ajudar os animais, com os cartazes de animais para adoção e doação de ração. Essa situação foi inédita ou, através da publicação do livro, aconteceu alguma outra ação direta em benefício dos animais?
Ana Laura Galone: A Corrente Peluda participa de eventos, por exemplo, a semana de medicina veterinária de determinada faculdade. Levamos livros e ficamos no local, com um banner, vendendo. Com isso, a gente acaba conhecendo pessoas e conversando. Esse contato levou a um aumento no número de voluntários da Corrente, que começou com cerca de 15 pessoas e hoje tem mais de 30. Todo início de mês, a maior parte dos voluntários doa ração para algum protetor de Sorocaba. A gente consegue cerca de 12 sacos mensais, de 15 kg cada. Já aconteceu também de uma pessoa ficar sabendo do livro e, ao comprar, decidir doar um saco de ração. Uma vez, estávamos vendendo o livro em uma loja e uma pessoa trouxe ração para a gente. Em relação à adoção, a única vez que aconteceu foi na ação feita pelos alunos da escola mesmo. Este ano, a instituição já decidiu que quer incentivar outras salas a fazerem o mesmo.
ANDA: Como surgiu a Corrente Peluda?
Ana Laura Galone: Há cinco anos, vi uma ONG pedir doação de ração no Facebook e decidi ajudar. Depois, contei para pessoas que trabalhavam comigo em uma escola e elas disseram que gostariam de ser avisadas em uma próxima oportunidade para que pudessem colaborar também. Então, montei um grupo para que pudéssemos nos comunicar. Assim nasceu a Corrente Peluda, nome que eu escolhi. A gente divulga os casos e faz doações de itens necessários aos animais. Além disso, criamos produtos com a marca, como canecas e camisetas, que têm a estampa do grupo, e vendemos para arrecadar fundos.
ANDA: Quantos exemplares do livro já foram comercializados? Interessados em comprá-lo, conseguem fazer isso pela internet? Como funciona a venda?
Ana Laura Galone: Comecei lançando 200 exemplares. Vendi 137 no lançamento e o restante em seguida. Agora estamos caminhando para 500 exemplares vendidos. Devo ter cerca de 50 livros para vender ainda, e aí bateremos o número de 500 vendidos. Quem mora em Sorocaba (SP), consegue comprar comigo através do WhatsApp – 15 991110664 – ou pelo meu Facebook. Vendo para pessoas de outras cidades, desde que paguem o frete. Também já enviei livros para São Bernardo do Campo (SP) e Mairinque (SP).
Não coloquei o livro em livrarias para poder vendê-lo por um preço acessível – R$ 25. É possível comprar também pela Amazon e pelo site Autografia. Já foram enviados livros para o Japão e para os Estados Unidos através da Amazon. Eu prefiro, porém, que os livros sejam comprados diretamente comigo, quando possível, porque pelos sites recebo apenas uma porcentagem do lucro, e quando faço a venda direta, consigo o valor total e destino à causa animal.
ANDA: E os produtos da Corrente Peluda, interessados conseguem comprar de que maneira?
Ana Laura Galone: A sacola e o adesivo temos à pronta entrega. A camiseta e a caneca são vendidas sob encomenda. Basta entrar em contato comigo. Tenho todas as medidas da camiseta para a pessoa ver e escolher. Tem baby look e tradicional.
ANDA: Você disse, no começo da entrevista, que as histórias são contadas pelo animal. Qual foi seu objetivo ao escrever os contos dessa forma?
Ana Laura Galone: Na realidade, comecei a escrever o livro pela necessidade de ter mais dinheiro em caixa para ajudar os protetores. Nunca tinha escrito um livro, embora sempre tivesse gostado de escrever. Eu não queria simplesmente contar histórias, então decidi, para sensibilizar, colocar o animal contando sua própria história. Tem as histórias tristes e as felizes. Coloquei o animal como narrador para fazer as pessoas se colocarem no lugar dele.
Em uma das escolas que estive para falar do livro, uma criança perguntou: “como você sabe que o cachorro estava pensando isso?”. Eu respondi que não sei, mas que me coloquei no lugar dele e imaginei o que ele sentiu. Viver em um abrigo e, de repente, alguém o adota, leva para casa, oferece um lugar quentinho e toda atenção é voltada para ele. Embora o abrigo cuide bem, não é a mesma coisa que ter uma família. Perguntei para a criança: “como você acha que esse cachorro se sente?”. Ela respondeu: “ah, eu acho que ele ficou feliz, que ele gostou”. “Por exemplo, se você ver um animal na rua, revirando o lixo, o que você acha que ele sente?”, perguntei. Eles responderam que o animal sentia medo, vontade de chorar e tinha vontade de ir para perto da mãe dele. Com isso, as crianças conseguiram se colocar no lugar do animal.
E eu achei que escrever os contos assim ficou bem legal e diferente, porque realmente você lê a história e passa um filme na cabeça, até como se você fosse o animal da história. O objetivo foi sensibilizar o máximo possível.