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Biólogo alerta para risco de fogos em Penedo (RJ)

29 de dezembro de 2011
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Tiê-sangue, ave símbolo de Penedo: fogos podem causar mortes por estresse, colisão e outras associadas com perda de controle motor e neurológico (Foto: Almir Almeida)

Há poucas semanas surgiu a notícia de que a Prefeitura de Itatiaia iria financiar uma queima de fogos em Penedo (RJ) no réveillon. Logo em Penedo, parque turístico-ecológico criado justamente por lei municipal, em 1995, e vila natural incrustada no bioma da Mata Atlântica, vizinha ao Parque Nacional do Itatiaia, primeiro parque nacional do Brasil.
Aves mortas em estrada do Arkansas (Fonte: Associated Press)

Felizmente, graças à pressão dos moradores, a prefeitura desistiu daquela ideia pouco feliz. Também foi graças ao trabalho de conscientização por parte da comunidade penedense que alguns proprietários de hotéis, pousadas e restaurantes desistiram de fazer queimas de fogos no réveillon depois que foram informados sobre os males que os fogos de artifício podem causar aos animais silvestres.
Além disso, queimas de fogos não condizem com a vocação de Penedo e com o tipo de turismo, o de qualidade e de tranquilidade, que historicamente definem a nossa vila natural e pitoresca, desde que os finlandeses iniciaram este tipo de atividade aqui na década de 1950.
Aves mortas na Suécia após réveillon (Fonte: Aftonbladet)

Infelizmente alguns hoteleiros e donos de restaurantes de Penedo insistem em manter a programação de queima de fogos no dia 31. Em um último esforço para demovê-los, o Penedo Blog foi ouvir o biólogo Chico Pontual, ex-diretor do Clube de Observadores de Aves do Rio de Janeiro (COA-RJ) e doutorando na Universidade da Califórnia-Berkeley, sobre o que de fato pode acontecer com a fauna por causa dos fogos de artifício. E acreditem: os danos podem ser muito piores do que nossa vã ignorância poderia supor.
“Penedo é linda e natural e não precisa de pássaros mortos pelas ruas e praças no dia 1º de janeiro para servir de lembrete macabro de que a ganância é inimiga da sustentabilidade”, diz o biólogo.
Veja abaixo a entrevista completa de Chico Pontual ao Penedo Blog.
Penedo Blog – Os fogos de artifício realmente fazem mal aos animais silvestres? Ou isso é mito?
Chico Pontual – Os impactos negativos do uso de fogos de artifício sobre animais domésticos e silvestres vão desde um eventual contato direto com o material explosivo até formas não menos danosas, como a poluição do ar e do lençol freático e o gravíssimo problema da poluição sonora, que provoca pânico, desorientação e mortes entre uma enorme diversidade de vertebrados. Qualquer pessoa que tenha cachorros em casa deve estar familiarizada com a reação de pavor e desespero que toma conta desses animais durante as festas juninas e de réveillon. Esse é apenas um exemplo mais fácil de perceber, por acontecer dentro de nossas casas. Contudo, o impacto dos chamados “shows de fogos”, que acontecem justamente durante a noite, quando os principais sentidos de orientação de grande parte da fauna são a audição e o faro, ainda está sendo estudado e quantificado. Mas sabe-se que o intenso cheiro de pólvora e as explosões têm o poder de provocar fortíssimas reações de pânico e debandada sem direção de mamíferos e aves. Na natureza, o que mais se aproximaria da sensação provocada pelos fogos seria uma erupção vulcânica, cuja reação instintiva é correr e/ou voar para salvar a vida! Contudo, em meio a uma saraivada de explosões, os animais sofrem crises de pânico, confusão, medo e ansiedade, o que os incapacita de se protegerem e acaba lesionando animais e até provocando fatalidades com grande número de traumas, atropelamentos e choques de aves em voo desesperado e descontrolado.
Penedo Blog – Há suspeitas de que os fogos de artifício foram os responsáveis por episódios recentes de grandes mortandades de aves. Isso é possível?
Chico Pontual – Segundo a CBC News, nos primeiros dias de janeiro de 2011 mais de três mil pássaros-pretos-de-encontro-vermelho foram encontrados mortos em cidades do estado do Arkansas, nos EUA. O cenário de devastação foi atribuído ao uso de fogos das festas de ano novo, que teriam criado pânico e desorientação entre as aves, que voaram desesperadas de encontro a casas, carros e até se chocaram umas contra as outras. No mesmo período, mas do outro lado do Atlântico, a BBC News reportou que, no sul da Suécia, centenas de corvos foram encontrados mortos ao longo das estradas, sendo que alguns deles estavam tão atordoados que foram atropelados por caminhões. Uma junta científica foi formada para tentar solucionar o mistério da morte coletiva dos corvos, e os fogos de artifício do ano novo foram considerados como a causa mais provável para a confusão e histeria coletiva que teria tomado conta dos bandos de corvos em voo desesperado e sem rumo. Um estudo realizado durante três anos na Holanda e publicado no conceituado periódico científico Behavioral Ecology utilizou dados de um radar metereológico para analisar o efeito dos fogos sobre as aves silvestres daquele país, que é considerado importantíssimo na rota migratória de aves aquáticas europeias. Os resultados são irrefutáveis: até a meia-noite do dia 31 de cada um dos anos analisados, a quantidade de aves voando sobre o país é residual. Porém, após o início dos shows de fogos, o tráfego aéreo de aves de várias espécies pula para exorbitantes milhares de indivíduos em voo frenético por até 45 minutos após a meia-noite e com um pico de atividade a uma altura de 500m. Ou seja: um padrão absolutamente anormal e que pode estar diretamente relacionado com mortes por estresse, colisão e outras associadas com perda de controle motor e neurológico.
Penedo Blog – O que pode acontecer quando se tem várias queimas de fogos simultâneas, como no réveillon, em áreas como Penedo, que fica no meio da Mata Atlântica?
Chico Pontual – A vila de Penedo está localizada na vizinhança direta do Parque Nacional do Itatiaia, que por sua vez é uma das últimas ilhas de Mata Atlântica em razoável estado de conservação do Vale do Paraíba. O parque tem uma área geográfica e diversidade de ambientes que o torna ecologicamente viável para a manutenção de uma população de várias espécies de animais vulneráveis e ameaçadas de extinção. Portanto, trata-se de uma preciosidade que deveria ser encarada como um patrimônio de todos os brasileiros de boa fé. Adicionando-se a isso o fato de que a economia de Penedo em muito se beneficia destes remanescentes florestais e da fauna nativa para manter sua imagem de destino ecológico e cultural, a questão de incentivar o uso de fogos de artifício deveria ser debatida à luz do conhecimento sobre os danos provocados pelos mesmos, e não pelo atrativo ilusório e efêmero que estes podem oferecer. A Real Sociedade de Proteção às Aves (RSPB), da Grã-Bretanha, monitora tanto questões legais quanto faz pesquisas no sentido de garantir a preservação de áreas naturais e de sua fauna nativa. A recomendação expressa da RSPB em relação ao uso de fogos de artifício é a de que “não sejam utilizados perto de áreas ecologicamente sensíveis, como reservas naturais e áreas de reprodução de aves nativas”. Portanto, não seria exagero dizer que incentivar o uso de shows de fogos no entorno de parques e reservas e demais áreas naturais seria o equivalente a fazer canja com a galinha dos ovos de ouro. Ou seja: para que afetar seriamente a fauna nativa, que é justamente um dos atrativos que levam turistas a visitar Penedo e região, adotando uma prática ambientalmente incorreta e que não deverá contribuir para o enriquecimento a longo prazo da região? Apenas pela tentação de atrair mais gente que não quer natureza? Quem quiser fogos, barulho e fumaça vai para cidade! Penedo é linda e natural e não precisa de pássaros mortos pelas ruas e praças no dia 1º de janeiro para servir de lembrete macabro de que a ganância é inimiga da sustentabilidade.
Fonte: Penedo Blog 

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