Temos visto há quase dois anos uma tendência crescente contra o sacrifício de animais infectados pela Leishmaniose Visceral Americana (LVA), posicionamento embasado em argumentos muito sólidos como a incerteza dos exames efetuados pelo poder público; a ausência de uma política pública para a prevenção; dúvidas a respeito do melhor método preventivo e outras. É verdade também que se tem discutido muito a LVA e os métodos preventivos, como nunca se verificou antes.
Desde que houve a portaria interministerial proibindo o tratamento dos animais com medicamentos de uso humano e diante da inexistência de medicamentos similares de uso veterinário registrados no país, o debate tem recrudescido e novos atores vieram para o cenário. Além dos laboratórios que produzem as vacinas (já são duas em uso), coleira e pipetas pour-on, óleos de neem e citronela entre outros alternativos e que tem mostrado bons resultados.
Por outro lado, além de nova vacina como a Canileish lançada em Portugal, temos lido muitas notícias sobre métodos não eutanásicos em outros países e que repercutem a tese de que apenas no Brasil cães são sacrificados como método de controle da leishmaniose.
E mesmo com a pressão dos defensores dos animais, técnicos, operadores do direito que defendem o tratamento ou o aprimoramento dos métodos preventivos, as mortes continuaram, visivelmente sem efeito prático significativo em termos de contenção da doença. A leishmaniose tem avançado em todas as cidades, comprovando o que já dizíamos em 2006: “Breve em sua cidade !”, quando já procurávamos chamar a atenção, inclusive das autoridades, mostrando a prevenção era a alternativa.
Como parte das discussões técnicas promovidas pelo Projeto Focinhos Gelados, realizamos em 2009 o I Seminário de Atualização Técnica, quando chegamos a ser ameaçados pelo CRMV-SP – , e agora em 2011 vemos o mesmo órgão promovendo a discussão .
Mais recentemente, vimos com muita esperança e satisfação o surgimento da Brasileish, em junho de 2011, órgão que reunirá expertos e pesquisadores de alto nível. Dessa entidade, sem dúvida alguma, veremos surgir discussões de alto nível técnico e, provavelmente, formas de pressão dirigidas às autoridades de saúde humana e animal em busca de alternativas para a extinção do sacrifício de animais.
Assistimos também, pesquisadores comprovando teorias que derrubam antigos dogmas, por exemplo:
“Gatos são praticamente imunes”.
O médico veterinário Dr. Victor Marcio Ribeiro comprova que não e que gatos também estão contaminados em Belo Horizonte
“Há poucos reservatórios que não o cão”.
Pesquisadores da UNESP, do campus de Botucatu, tem avaliado os animais silvestres que morrem atropelados nas rodovias e já determinaram que tatus são grandes hospedeiros de leishmaniose
“O único vetor é o Lutzomia Longipalpis”.
Desde o descobrimento de cães contaminados em Florianópolis, em meados de julho de 2010, até agora nenhum exemplar da espécie foi coletado. A Secretaria da Saúde, auxiliada por uma equipe multidisciplinar (Fiocruz) coletou vários animais silvestres e apenas um roedor apresentou resultado positivo mas com titulação muito baixa 1:40, não justificando ser esta espécie responsável pela transmissão.
E, além dos dogmas, onde estão as campanhas de prevenção?
A aplicação de inseticidas em residências só é executada quando há um caso humano e é feita em um raio de 150 metros da moradia do humano. E não é possível a reaplicação antes de quatro meses, dada a toxidez do inseticida que poderia provocar morte de outros insetos que não os flebótomos, além da intoxicação de pessoas, principalmente crianças mais sensíveis.
No nosso II Seminário de Atualização Técnica em leishmaniose visceral americana, realizado em novembro de 2010, representantes do Ministério da Saúde confirmaram a realização de testes de campo, conforme havia sido declarado pela sra. Ana Nilce Elkhoury em reunião realizada no MS em agosto de 2010
Foi declarado que seriam compradas 500 mil coleiras Scalibor, em duas etapas. A primeira com 200 mil coleiras e depois 300 mil coleiras. Estamos em julho de 2011 e nenhuma campanha de orientação por parte do Ministério da Saúde foi desenvolvida, nenhuma coleira foi comprada e nenhuma declaração a respeito do não cumprimento do compromisso assumido foi divulgada oficialmente.
Em São Paulo, a Secretaria Estadual de Saúde, através do Comitê de Leishmaniose Visceral Americana criou o programa “Legal pra Cachorro”, com o objetivo de estudar a eficácia do encoleiramento, associado ou não, ao controle populacional através de castração. A proposta era de ser aplicado em 10 a 15 municípios da região de Adamantina, em outubro de 2010, além do levantamento sobre a presença ou não de animais soropositivos para leishmaniose.
Até a presente data nenhum informe sobre o andamento do programa, que sabemos, estava previsto para no mínimo ir até outubro de 2011.
E, outro ponto importantíssimo: a maioria dos veterinários NÃO notifica casos. Primeiro, porque fechar diagnóstico é um trabalho quase hercúleo. O laboratório TECSA tem trabalhado em vários simpósios e seminários justamente procurando orientar veterinários neste sentido. Mesmo com um diagnóstico fechado, comprovado devidamente com prova e contraprova laboratorial, veterinários (de forma geral) não sabem como notificar.
E, quando o fazem, não recebem a devida atenção do órgão responsável. Cito um caso em São Bernardo do Campo em que a veterinária fez a notificação e QUATRO MESES DEPOIS o órgão de saúde foi até a clínica para recolher o animal. Não é piada, infelizmente, e esperamos ser um caso isolado.
Mas o fato é que veterinários contrários ao sacrifício não tem isolado o animal, não fazem a notificação e sugerem que se procure quem faça o tratamento.
Diante de tudo o que foi exposto, pode-se concluir que:
1. É indiscutível que a atual política de sacrificar cães não está resolvendo. A leishmaniose avança e a cada ano o número de óbitos é maior e a incidência em humanos também.
2. É difícil que o Ministério da Saúde possa fazer algo “fantástico” por uma doença que apresenta menos de 500 óbitos humanos/ano. A gripe comum mata muito mais, por complicações secundárias.
3. A morte de centenas de milhares de cães não serviu para absolutamente nada, exceto os traumas nas famílias, a reposição quase imediata de animais, etc. conceitos já discutidos e entendidos como inócuos.
4. A proibição de tratamento de animais utilizando produtos de uso humano parece cada dia mais sem sentido. Produtos veterinários podem ser utilizados, mas não há produção nacional destes medicamentos. Há que se discutir com seriedade essa situação, e não simplesmente proibir algo e ponto final.
E, para fechar estas reflexões, falarei sobre tratamento.
A leishmaniose não tem cura clínica, nem para humano nem para o animal.Há a remissão dos sintomas e o animal pode deixar de ser infectante. Porém, há pontos importantes a considerar. Dependendo do protocolo utilizado, o tratamento tem um custo alto. E nem todo tutor poderá arcar com este custo.
O tratamento não é rápido e exige comprometimento do tutor com a aplicação dos medicamentos, do isolamento do animal para evitar que seja picado pelo vetor. Exames laboratoriais tem que ser feitos de acordo com cada protocolo para “aferir” a eficácia do tratamento e se há ou não ajustes a serem feitos na posologia ou escolha de outro princípio ativo a ser administrado. E o acompanhamento é para toda a sobrevida do animal, já que como dissemos, não há cura.
Infelizmente, como regra geral, proprietários mal levam seus animais para vacinação de doenças espécie-específicas.
Brasileish deve trabalhar pela liberação do tratamento, mas seria muito saudável se o tratamento tivesse um termo de compromisso onde veterinário, proprietário e representante da vigilância sanitária fossem corresponsáveis pela correta execução e mecanismos de controle e acompanhamento.
E o Ministério da Saúde tem que colocar em prática métodos de prevenção prometidos e que até agora não foram levados a efeito.
Fonte: Focinhos Gelados