Muitas pessoas mantêm uma posição que se assemelha e ao mesmo tempo difere do relativismo moral (que refutamos na coluna anterior): o subjetivismo ético. Para essas pessoas, as questões éticas são meras disputas de opinião: “cada um tem a sua, e ninguém está certo ou errado – isso tudo é subjetivo”. Em comum com o relativismo, essa perspectiva sustenta que não há uma verdade universal em ética. Diferentemente do relativismo, o subjetivismo não diz que o certo/errado dependem da sociedade em questão, mas do que o indivíduo que mantém a opinião acha (sente). Isso evita o problema do relativismo, de não admitir reformas sociais (no subjetivismo, os indivíduos não precisam agir conforme as normas de sua sociedade ou grupo). Segundo o subjetivismo, quando alguém diz: “comer carne é errado!” está apenas relatando um fato sobre si mesmo (que tem um sentimento ruim quanto a comer carne), e não afirmando uma verdade sobre o ato de comer carne. Se alguém diz o oposto, “comer carne é certo!”, está também apenas relatando o sentimento que tem quanto a comer carne. Segundo essa perspectiva, não há como estabelecer a verdade em ética, ou, aliás, se a pessoa está dizendo a verdade sobre o sentimento que possui quanto a algo, então isso é toda a verdade que há.
Vale lembrar que, para o subjetivismo, todas as questões éticas se resumem à mera opinião. Não poderíamos dizer, por exemplo, que alguém que defende o nazismo ou a escravidão está errado. Se dissermos que alguém está errado em defender o nazismo, tudo o que estamos fazendo, de acordo com o subjetivismo ético, é relatando um fato sobre nossa mente (que nos sentimentos mal diante da ideia do nazismo). Assim, ao contrário de ser a perspectiva de que a ética é objetiva que pode tolerar imposições sanguinolentas por parte de pontos de vista privados, é o subjetivismo que possui enorme possibilidade disso. No subjetivismo, tudo se resume a questões de mera preferência pessoal.
Mas serão as questões éticas exatamente iguais a questões de preferência pessoal? Quando falamos de preferência pessoal, é verdade que estamos relatando algo sobre nós mesmos. Se digo que eu gosto de calor e estou sendo sincero no que digo, então é verdade que gosto de calor. Se você diz que não gosta de calor e está falando com sinceridade, então o que fala é verdade também. Há a possibilidade de as duas afirmações serem verdadeiras ao mesmo tempo, sem problema algum. Quando falamos isso, não estamos discordando: não caio em contradição se eu aceitar que tanto é verdade que eu gosto de calor quanto é verdade que você não gosta. Agora, vejamos uma questão ética: se digo que comer carne é errado, não posso dizer ao mesmo tempo que comer carne é certo. Mas, se o subjetivismo ético fosse verdadeiro, é o que teríamos de assumir. Se quando digo “comer carne é errado” estou dizendo que “eu, Luciano, tenho um sentimento negativo quanto a comer carne” (estou relatando algo sobre mim) e quando você diz o contrário está apenas relatando algo sobre você, então não estamos discordando. Como na questão de preferência pessoal, deveria ser verdade, ao mesmo tempo, que é certo comer carne, e que também é errado comer carne. Mas se é verdade que estamos discordando, então não é verdade que os juízos éticos são meros relatos sobre nós mesmos. Se fossem, não gerariam discordância, assim como não gera discordância saber que uma pessoa gosta de calor e outra não. Parece que quando alguém faz um juízo sobre comer carne (ou qualquer outro juízo ético), está falando sobre o ato de comer carne (independentemente de quem o faça), e não sobre si mesmo apenas.
Outro problema com o subjetivismo é que, se ele fosse verdadeiro, ninguém cometeria erro algum, nunca. Se os juízos éticos são meros relatos de fatos sobre como nos sentimos, então desde que estejamos realmente relatando como nos sentimos, estamos certos. Se mudarmos nossos sentimentos e mudarmos nosso julgamento, o subjetivismo ético diria que estávamos certos tanto antes quanto agora – e certos na mesma medida. Outro problema maior para o subjetivismo é o seguinte: supondo que você diga “a ética é subjetiva”, enquanto que eu digo “a ética não é subjetiva”; se estamos sendo sinceros ao relatar o que realmente achamos sobre a ética então o subjetivista não tem uma base para a dizer que a ética é realmente subjetiva, já que o outro discorda e, segundo o subjetivismo, ambas as posições são verdadeiras. Se o subjetivismo for verdadeiro, então os subjetivistas ficam sem uma base para defender que a ética é mesmo subjetiva e não objetiva.
Diante de todos esses problemas, alguns filósofos reformularam o subjetivismo e chegaram na teoria do emotivismo. O emotivismo diz que os juízos éticos não são verdadeiros nem falsos porque não exprimem fato nenhum (nem sobre verdades morais objetivas nem sobre o sentimento de quem está falando). Para o emotivismo, os juízos éticos são como tentativas de influenciar a conduta da outra pessoa para que esta faça ou deixe de fazer alguma coisa. Alguém que diz que comer carne é errado estaria, em outras palavras, dizendo “viva o veganismo!” – uma frase que não pode ser classificada nem de verdadeira nem de falsa. Assim, o emotivismo tenta consertar o problema da discordância (agora é possível dizer que discordamos porque discordamos quanto ao que desejamos que o outro faça) e o problema da infalibilidade (já que não se pode mais classificar os juízos éticos de acordo com sua veracidade/falsidade, não faz mais sentido falar em erro/acerto).
Contudo, o emotivismo não está livre de problemas graves. Um grande problema é que essa teoria assume que somos pura emoção, que não somos também dotados de razão. Quando alguém faz um julgamento ético, é sempre legítimo perguntar pelas razões que dão sustentação a tal julgamento. O emotivismo vê as razões apenas como tentativas de influenciar a conduta do outro. Portanto, desde que se consiga o efeito almejado, o emotivismo considera uma razão válida. Assim, como o filósofo James Rachels exemplifica, ao analisar a teoria: “Suponha que eu esteja tentando convencê-lo de que o Sr. Silva é uma pessoa má (…) mas você está resistindo. Sabendo que você é racista, eu digo ‘O Sr. Silva é negro’ ” (RACHELS. Elementos da Filosofia da Moral, p. 41). Se isso convencesse o interlocutor, o emotivista teria de considerar uma razão válida. Mas, obviamente, a raça de alguém não é relevante para estabelecer sua maldade, independentemente do que todas as outras pessoas do mundo pensam sobre isso. Então, por não conseguir distinguir quais razões são, de um ponto de vista ético, válidas (quais têm a ver com o assunto que está em discussão), o emotivismo também sucumbe, assim como subjetivismo e o relativismo.
A grande conclusão a partir desse ponto é então sobre a importância da razão na ética. Os que pensam não haver uma verdade objetiva em ética geralmente defendem sua perspectiva apontando que não existem fatos morais no universo físico, assim como existem fatos sobre outras coisas. Relativistas, subjetivistas e emotivistas criam então uma falsa dicotomia: “ou existem fatos éticos objetivos nas mesmas bases que existem fatos sobre o universo físico, ou então um juízo ético é sempre tão bom quanto qualquer outro”. A inexistência desses fatos não implica que a ética não seja objetiva, já que “as verdades morais são verdades da razão, ou seja, um julgamento moral é verdadeiro se respaldado por razões melhores que as alternativas” (RACHELS, Ibid, p. 42). Ainda que esses fatos não existam no universo, somos dotados de razão, e, por isso, sujeitos às mesmas regras lógicas. Isso significa que os argumentos podem ser avaliados em termos de plausibilidade. Na próxima coluna, tentarei falar um pouco sobre os métodos de raciocínio ético que visam guiar a investigação sobre como saber se um juízo é eticamente válido ou não.
Se as perspectivas relativistas/subjetivistas/emotivistas não conseguem se sustentar nem mesmo frente a alguns parágrafos de análise crítica, como é que atraem tantas pessoas? Talvez seja porque os seus defensores se veem seduzidos pela ideia óbvia de que sociedades/pessoas possuem visões morais diferentes e, precipitadamente, dão o salto para uma conclusão metaética de que não há objetividade em ética. As aparências enganam. E, como vimos, não podemos concluir que a ética é relativa/subjetiva simplesmente a partir do fato de que há discordância nos juízos morais. Algumas posições podem simplesmente estar erradas – dependendo das razões oferecidas em seu respaldo.
Finalizando, gostaria de apontar que apelar à emoção é uma tática muito usada dentro do movimento de defesa animal. Por mais que eu reconheça que os sentimentos desempenham um papel muito importante nas questões éticas (principalmente no que diz respeito à motivação para agir), penso que essa ênfase pode causar mais mal do que bem, principalmente se argumentos éticos sólidos não são apresentados conjuntamente. O interlocutor mais atento, mas que não conhece os argumentos a favor dos direitos animais, pensará que estamos apenas querendo influenciar sua atitude, e que não estamos nem um pouco preocupados em saber se estamos realmente certos ou não. E, com relação a muitas pessoas, isso parece ser verdade: elas primeiro sentem que algo é errado, e depois buscam argumentos para sustentar a posição a todo custo. Mas, como vimos, nossos sentimentos podem ser apenas produto de nossos preconceitos (ou podem ser realmente sentimentos éticos, mas só podemos descobrir isso se fizermos uma análise racional visando eliminar possíveis preconceitos). O que quero dizer é que devemos dar mais atenção ao que a razão tem a dizer sobre as questões éticas que estamos discutindo se estamos interessados realmente em fazer o que é certo, descobrir a verdade. Um pouco sobre o papel da razão na ética é o que veremos na próxima coluna.