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Consumo consciente desata o nó de quem mesmo?

11 de dezembro de 2009
3 min. de leitura
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“Eu sou a areia da ampulheta / O lado mais leve da balança / O ignorante cultivado / O cão raivoso inconsciente / O boi diário servido em pratos / O pivete encurralado / Eu sou a areia da ampulheta.” 

(Raul Seixas, em “Areia da ampulheta”)

Então quer dizer que um selo escrito ‘carne orgânica’, grudado em uma bandeja verde no supermercado, vai colocar em situação confortável esses cidadãos bem-intencionados, antenados e no ritmo dos novos tempos? Cada “boi diário servido em pratos” vai descobrir, no instante final, que a balança pesa para o lado daquele que anda sobre duas pernas.

O ‘ovo orgânico’ já vem em pacotes de meia dúzia, creio que parte pelo preço e parte pela ideia de se consumir de forma moderada. Arrancar menos ovos do cu das galinhas, e pagar um pouco mais por isso, torcendo para que isso se converta em penosas criadas soltas, como no Sítio da Vovó Donalda. Nasceu galinha, então deve um tributo anal diário aos humanos, inclusive aos ‘conscientes’.

OK, separo meu lixo, e então vejo os grandes sacos plásticos do condomínio, de cor diferenciada, sendo devidamente amontoados sobre uma carroça. Exatamente quem está se beneficiando disso? O carroceiro, adestrado pela pressão social e ludibriado pelos movimentos sociais, vai vender meu lixo para um atravessador. Quem trabalha em galpões organizados, está deixando de receber material para a correta separação. Boa parte do lixo vai ser espalhada em ilhas do Rio Guaíba, e lá vai ficar até que o volume bata à porta de alguma autoridade, ou será pintado de verde para ser mimetizado.

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E o cavalo, em troca da própria liberdade, ganha uma vida diária de exaustão, maus-tratos, espancamento e dores. A quem eu devo rogar praga pela balança não estar calibrada?

A Amazônia é local sagrado, então pecuária não pode ser lá, tem que ser em outro lugar. Não se questiona a pecuária em si e a derrubada de mata, em qualquer lugar que seja, para plantar soja e fazer ração para o gado. Não se fala de instituições sacralizadas pela tradição, pelo dinheiro e transformadas em totem popular por uma minoria.

Cabe ao consumidor comprar o menos pior, dentro de uma já estabelecida ditadura do supermercado, que oferece os malditos produtos de forma idêntica, não importa o local nem o logotipo. E as pessoas ainda fazem fila.

Quem fornece leite com amor é mãe lactante. Vacas bombadas realmente vão se aliviar ao despejar os excessos lácteos programados pelos humanos. Mas o problema está lá atrás, e não é favor nenhum tirar o leite para não dar mastite, como já ouvi da boca até de ‘protetores de animais’.

Vi vacas fazendo fila e entrando sozinhas no galpão de uma propriedade, vacas essas com úberes tunados, a despeito das costelas aparecendo. Quem vê com olhos de criança, ainda acha bonito a ‘integração entre animal e fazendeiro’. Tanta coisa já foi vista de forma torta na história da humanidade…

Tive o desprazer de tomar conhecimento inclusive de ‘costela de ovelha ecológica’, alguma receita que mistura ambientalismo de panela com marketing verde de última hora. Quem come, arrota postura consciente e vai para casa dormir feliz.

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