Por Vinicius Siqueira (da Redação)
Há um hábito comum e pouco questionado em nosso dia a dia com os animais. Este hábito é a sua utilização como auxiliar nos mais variados tipos de trabalho. Uma pesquisa recente feita no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo demonstrou que cães que trabalhavam como auxiliares de terapia para idosos, crianças carentes e pessoas com autismo, demonstravam sinais de desconforto que eram atribuídos ao estresse. As informações são da Folha.
Essas conclusões também podem ser expandidas para cães-guias, cães que trabalham na polícia, exército, bombeiros, circo e tantos outras formas de se instrumentalizar o animal.
Os sinais de estresse foram evidentes em 82% dos casos, o que trouxe à tona a discussão sobre o aparente gosto dos animais por suas atividades.
Os resultados foram estabelecidos após a análise de 25 diferentes sinais de fadiga que os bichos poderiam expressar e de uma análise de níveis hormonais, a partir da saliva dos cães.
Segundo Carolina Rocha, médica veterinária e coordenadora da pesquisa, “É preciso um cuidado maior do que se tem hoje na escolha dos cães que serão trabalhadores, pois eles podem não estar se beneficiando em nada com a atividade proposta”. O fato do cão estar calmo não significa que ele está feliz, nem mesmo seguir as regras propostas pelo trabalho pode significar alguma satisfação.
“Cães estressados vão seguir cumprindo seus deveres normalmente porque assim foram programados, mas terão sempre a ideia de fugir”, completa a veterinária.
A pesquisa relata que animais mal selecionados, que acabam se estressando demasiadamente, correm o risco de terem câncer, ansiedade, perda de rendimento e diversos problemas digestivos. São animais que foram educados por meio de práticas punitivas ou mediante a perda de algum objeto de valor, como um colchão ou uma bolinha. Estes exibiram os graus mais altos de estresse e são aqueles com mais risco de danos graves.
De acordo com a coordenadora da pesquisa, há alguns sinais que podem ser observados para entender se o cão está sentindo algum prazer com a atividade ou se já está se sentindo cansado. “Alguns cães podem mostrar mais o bocejar e o lamber os lábios, outros podem mostrar mais o farejar do ar. Dependendo do que aquele evento estressor significa para o animal, ele vai mostrar mais ou menos sinais.”, explica.
Entretanto a questão parece ser um pouco anterior do próprio prazer que poderia ser verificado na pequisa. Segundo Carolina Rocha, o cão “bem selecionado” poderá exercer sua função sem entrar em ciclos de estresse que podem levá-lo à doenças graves. Mas a seleção do animal já não considera seu próprio interesse. É uma seleção forçada, é uma imposição à vida livre do animal.
Verificar se um cão sente prazer ou estresse em uma determinada atividade é uma discussão que atravessa a questão principal: é do interesse do cão (e de qualquer animal) ter sua liberdade limitada e seu corpo instrumentalizado para exercer atividades em prol da saúde e do bem-estar humano?
Saber que o trabalho pode causar distúrbios psicológicos e físicos nos cães é um prova clara e importante de que o trabalho não é aceito com total felicidade, mas sim, com resignação. Esta pesquisa é um passo para colocar o animal não humano como foco, e não os interesses humanos, entretanto, seus resultados são parte de uma discussão sobre a liberdade e o respeito à integridade física e moral dos animais não humanos, mas não o todo.