Por Patricia Tai (da Redação)
Foi divulgado na semana passada o balanço de experimentos realizados em animais no Reino Unido em 2012. Segundo dados do Ministério da Saúde, o aumento foi de 8%. As informações são da BBC News.
Há um ano atrás, as mesmas estatísticas revelaram que os experimentos haviam alcançado o número mais alto dos últimos 25 anos. Conforme matéria publicada pela ANDA, o aumento observado com relação ao ano anterior havia sido de 68 mil procedimentos.
O fato é que esse tipo de prática continua aumentando no Reino Unido. Desta vez, o resultado foi noticiado de forma discreta.
De acordo com reportagem da BBC, o atual aumento é devido ao crescente uso de animais geneticamente modificados (“GM”). Conforme as estatísticas, procedimentos em animais geneticamente modificados foram mais numerosos que em animais não modificados pela primeira vez na história.
Ocorreram cerca de 4,11 milhões de experimentos científicos em animais em 2012, um aumento de 317.200 com relação ao ano anterior.
O número de animais geneticamente modificados aumentou em 22%; neste ano foram usados 1.910.000 animais geneticamente modificados, em comparação com os 1,68 milhões de animais não geneticamente modificados.
Camundongos foram a espécie mais utilizada, representando quase 3/4, ou seja, 1,9 milhões de procedimentos.
Depois deles, ratos e peixes foram as espécies mais comuns. Houve também um aumento de 22% no uso de primatas não-humanos como os chamados “Old World Monkeys”, um grupo que inclui macacos e babuínos.
O número de procedimentos envolvendo animais com mutações genéticas nocivas aumentou em 13%, com ratos mutantes representando a maioria.
Segue o trecho de um relatório do governo:
“O nível geral de procedimentos científicos é determinado por uma série de fatores, incluindo o clima, a situação econômica e as tendências mundiais em esforços científicos.
Nos últimos anos, enquanto muitos tipos de pesquisa têm diminuído ou até mesmo terminado, o advento de modernas técnicas científicas trouxe a demanda por novas áreas de pesquisa, e houve a necessidade de se utilizar animais geneticamente modificados, principalmente ratos, para apoiar a estas áreas”.
Lord Taylor, Ministro da área de Informação Criminal, disse que o governo está assumindo um compromisso de trabalhar para reduzir o uso de animais na pesquisa científica, “o que é um objetivo ambicioso, mas alcançável”.
Ele acrescentou: “Nós reconhecemos que o uso de animais na pesquisa científica tem uma função pequena, mas essencial para melhorar o nosso entendimento de condições médicas e fisiológicas, bem como a viabilizar a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos e de tecnologias médicas de ponta, sendo, portanto, necessário para garantir a segurança de nosso meio ambiente”.
Quebra de promessa
Em 2010, os governos de coalizão se comprometeram a promover padrões mais elevados de bem-estar animal.
Eles declararam: “Nós vamos acabar com os testes de produtos em animais domésticos e trabalhar para reduzir o uso de animais em pesquisas científicas”.
Referindo-se a este compromisso, a União Britânica para a Abolição da Vivissecção (BUAV) disse que o aumento contínuo dos testes mostrou que houve uma quebra na promessa.
Michelle Thew, executivo-chefe da BUAV, comentou: “O governo falhou pelo terceiro ano consecutivo em sua promessa pós-eleitoral de trabalhar para reduzir o número de experimentos com animais e, como resultado, milhões de animais continuam a sofrer e a morrer em nossos laboratórios”.
“Essa falta de progresso é completamente inaceitável. Precisamos ver mudanças significativas e duradouras para os animais em laboratórios”, continuou.
Justificativas descabidas
Dominic Wells, da Royal Veterinary College, disse: “Nós estamos em uma era de
desenvolvimento de tratamentos para doenças raras, em um nível que não poderíamos ter previsto há cinco anos. Nós somos as vítimas de nosso próprio sucesso, e isso levou inevitavelmente ao uso de mais animais”.
Dr. Ted Bianco, diretor em exercício do Wellcome Trust, disse que a comunidade científica está profundamente comprometida com a redução do número de animais utilizados em pesquisas “mas, apesar dos progressos significativos, os animais continuam a ser uma parte essencial a nos ajudar a compreender as doenças e a desenvolver os tão necessários novos tratamentos”.
“O aumento deste ano reflete a utilização de técnicas poderosas para nos ajudar a modelar as doenças humanas com maior precisão. Em particular, a inclusão de camundongos geneticamente modificados, cuja reprodução conta por si só como um procedimento em grande parte responsável por esse aumento, mas ao mesmo tempo acabará permitindo que possamos reduzir o número de animais utilizados”, acrescentou Bianco.
Artigo de uma comentarista do The Guardian sobre o assunto
Como resposta a esta notícia do aumento de 8% nos testes em animais no Reino Unido em 2012, a jornalista Bibi van der Zee do The Guardian publicou um artigo sobre o assunto, fazendo críticas e estabelecendo um breve apanhado da história das últimas décadas – um misto de luta e conformismo quanto aos testes em animais, cuja tradução vem a seguir:
O argumento de testes em animais está preso em uma teia dos anos 80. Pensar sobre isso imediatamente me remete à loção para os pés de hortelã da Body Shop, ao Duran Duran e às mesas nas esquinas com fotos horríveis de animais sofrendo.
Por que ninguém mais tem falado nisso? Dados divulgados nesta semana revelando um aumento de 8% nos testes em animais no Reino Unido em 2012 causarão uma rápida preocupação, que provavelmente irá durar uma faísca. Isso é porque nós fazemos com que nossas mentes passem adiante com relação ao assunto. Testes em animais: “nós não fazemos mais isso”, é o que se diz. Pesquisas médicas: enquanto alguns sentem pena dos pobres animais, a grande maioria das pessoas diz não estar preparada para renunciar a uma possível cura para o mal de Parkinson para a sua mãe. Isso parece uma conclusão irrefutável.
Nós costumávamos falar sobre isso. De fato, nós falamos sobre isso por trinta anos e fizemos grandes progressos, alcançando as alturas inebriantes de uma proibição de testes cosméticos em animais na União Europeia. Mas os testes foram realmente proibidos? O que nós pensamos sobre pesquisas médicas? Em 2005, um ano de crise nas campanhas pelos direitos animais, um pequeno grupo de ativistas de direitos animais teve a iniciativa de implementar várias ações estúpidas e ofensivas, incluindo desenterrar o corpo da avó de um fazendeiro criador de animais e roubar seus restos mortais. Ao fazer isso, eles deram a Tony Blair uma razão para criar uma série de leis que os mandariam para a prisão. O movimento foi manchado por um ar de irracionalidade e descontrole emocional, o que é profundamente irritante para a mentalidade britânica, e isso perdura até hoje. Nós selamos isso como dentro de uma cápsula, e parou-se de falar sobre o assunto.
Mas as coisas mudaram, e têm havido inovações médicas fundamentais, o que significa que é hora do debate ser reaberto. Em 2007, o Conselho de Pesquisa Nacional dos Estados Unidos trouxe um relatório chamado “Teste de Toxicidade no Século XXI”, que desenhou uma imagem extraordinária do regime de testes no futuro: laboratórios cheios de computadores com poderes colossais que podem traçar o caminho de uma substância através de milhões de moléculas humanas, provendo dados não a partir de ratos ou peixes, mas em seres humanos reais.
Nos últimos anos, progressos substanciais têm sido feitos nesta área. Em vários campos, toxicologia em particular, alternativas viáveis estão em vista e pesquisadores estão desenvolvendo um número de técnicas, incluindo protótipos bioquímicos humanos, modelagens computadorizadas de relações entre doses e efeitos, e programas de computador que podem prever toxicidade em minutos, ao invés dos meses exigidos pelo tradicional estudo em animais. Um cientista me falou de laboratórios de universidades dos Estados Unidos nos quais tudo já é feito em computadores, e procedimentos em animais são considerados ultrapassados.
Tão significativo quanto, um crescente número de cientistas acredita que os testes em animais, embora úteis, estão longe do ideal devido às múltiplas diferenças genéticas entre as espécies. Em um vídeo publicado pela Humane Society International, diversos pesquisadores de instituições renomadas incluindo o Imperial College e a Queen Mary em Londres, e também a Universidade Aston em Birmingham abordaram este problema de maneira direta.
“Nós precisamos começar a desenvolver melhores modelos, e relacionados a humanos”, disse Geraldine Thomas, professor de patologia molecular do Imperial College. “Porque, acima de tudo, são humanos que tratamos na clínica, não camundongos”, salientou. Um ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, Dr Elias Zerhouni, disse recentemente a uma audiência que os pesquisadores tornaram-se dependentes demais de dados em animais. “Nós nos distanciamos de estudar doenças humanas em humanos”, lamentou o cientista. “Nós precisamos retomar o foco e adaptar novas metodologias para uso em pessoas, no sentido de entender realmente as doenças humanas”.
Então, com tudo isso em mente e um acordo do governo de coalizão para reduzir os testes em animais, quanto, exatamente, esse governo está investindo em pesquisa nesse campo vital? A HSI levantou que o montante gasto no ano passado nesta área específica foi de aproximadamente 2 milhões de libras. Corporações, justiça seja feita, têm impulsionado esforços com mais vigor e mais rápido que os governos, doando recursos à pesquisa e também chamando pela ação governamental: no mês passado, um consórcio que incluía empresas como Dow Chemical, Du Pont, ExxonMobil, L’Oréal, Procter & Gamble e Unilever emitiram uma declaração conjunta exortando a União Europeia a investir pelo menos 325 milhões em pesquisas.
Mas o público precisa se mobilizar para isso também. Senão, acredito que estaremos entendendo mal o assunto, cheios de conflitos sobre o tratamento do mal de Parkinson para a nossa mãe, e assim nós permitiremos mais uma vez que esta questão seja enterrada.