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A triste história dos chimpanzés torturados em pesquisas que sobreviveram a guerras, à fome e ao abandono

13 de maio de 2017
9 min. de leitura
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Os chimpanzés vivem em seis ilhas da Libéria. Diariamente, aguardam à beira da água, enquanto um barco que transporta três homens chega com provisões: coco, milho, bananas, papaia picada, mangas, pepinos e batata.

Em poucos minutos, grupos de 10 a 12 chimpanzés se reúnem para a sua refeição diária. Alguns balançam entusiasmados para frente e para trás.

Chimpanzés aguardam para receber alimento
Foto: Carol Guzy/HSUS

Como seus músculos são mais pesados do que os humanos, os chimpanzés geralmente não nadam. Os animais da ilha, porém, se apressam para receber o barco.

Quando o barco é ancorado, surgem os homens do New York Blood Center, onde os chimpanzés foram torturados em testes em um centro de pesquisa chamado VILAB II, próximo ao principal aeroporto da Libéria.

Como o sangue infectado dos animais os tornou inadequados para determinados procedimentos, eles foram libertados nas ilhas. Quando os pesquisadores passaram a investigar diferentes doenças, os chimpanzés foram levados de volta para o laboratório.

Naquela época, a chegada do barco era motivo de medo: poderia significar que os primatas seriam sedados e removidos do local. Agora isso significa apenas alimento para os animais famintos.Um homem oferece controle de natalidade para fêmeas e placebos para machos. Em seguida, atira cocos e espigas de milho.

Trata-se de um relacionamento complicado. Esses homens já foram os captores dos chimpanzés. O VILAB foi a razão pela qual muitos deles ficaram órfãos e foram sequestrados da floresta. O centro de pesquisa os manteve em jaulas e os infectou com hepatite e outras doenças para realizar exames de sangue e biópsias hepáticas.

Muitas vezes, à medida que os homens e as mulheres trabalhavam, ouviam os chimpanzés gritarem em pânico com a rotina diária. No entanto, posteriormente, a equipe forneceu cuidados para os chimpanzés durante os longos e dolorosos anos em que a Libéria se desfez.

Aos 42 anos, Samantha é o mais antigo dos chimpanzés usados em pesquisas e testemunhou tudo o que aconteceu.

Os chimpanzés e a equipe do laboratório sobreviveram a um golpe e a um governo militar, a massacres, a guerras civis, à fome e a doenças. Os animais resistiram às semanas decorridas após 5 de março de 2015, quando o New York Blood Center cortou o financiamento alimentos, suprimentos e salários.

A própria razão pela qual o centro procurou os chimpanzés para os testes – sua semelhança com os seres humanos – no final os salvou, diz Jenny Desmond, diretora do projeto HSUS / HSI que cuida dos animais.

Outros primatas poderiam ter desistido, sua saúde se deteriorando até morrerem, comenta Desmond. Porém, os chimpanzés sobreviveram, segundo a All Animals Magazine.

“Sua resiliência é incrível. Eles podem estar em condições horríveis – muito magros e desidratados que não irão desistir”, destaca Desmond.

A Libéria é um dos países mais pobres do mundo e a população geralmente não é sentimental em relação aos animais. Muitos olham para a vida selvagem principalmente como uma fonte de alimento.

Neste ano, a HSUS e a HSI têm se esforçado para desenvolver uma parceria formal com o governo liberiano para estabelecer um santuário para os antigos chimpanzés abusados em pesquisas, assim como para chimpanzés salvos sob a nova Lei da Vida Selvagem da Libéria. Quando o acordo for finalizado, será lançada uma grande campanha para arrecadação de dinheiro.

Chimpanzés órfãos Rudy e Lucy saltam entre Jenny e Jim Desmond
Foto: Carol Guzy/HSUS

Em 2015, quando Kathleen Conlee, vice-presidente da HSUS no que se refere à pesquisa com animais, procurava pessoas para supervisionar o cuidado em longo prazo dos chimpanzés abandonados, ela contatou o casal Desmond que considerava a gestão de um santuário de primatas no Quênia. O casal voou para a Libéria e aceitou a posição oferecida pela HSUS. Os chimpanzés da ilha estavam extremamente magros e amedrontados e até jogaram pedras no barco.

Além da chance de cuidar deles, os Desmonds esperavam levar eventualmente crianças de escola e outros liberianos para visitar o santuário a fim de inspirá-los a proteger os sete mil chimpanzés selvagens que permanecem na floresta tropical do país. Jim Desmond seria um de apenas dois ou três veterinários que vivem na Libéria.

Com a permissão do Instituto Liberiano de Pesquisa Biomédica, os Desmonds montaram uma sede temporária em prédios usados anteriormente pelo VILAB. A HSUS recontratou 90% da equipe anterior do VILAB: 33 pessoas, muitas das quais devem ser treinadas para cuidar dos chimpanzés.

Imediatamente, à medida que se espalhava a notícia de que os Desmonds estavam na Libéria, os chimpanzés órfãos começaram a chegar. Pouco tempo depois, três meninos de três a quatro anos – Portea, Guey e Sweet Pea – começaram a viver em um grande recinto chamado pavilhão, que antes era usado para abrigar grupos de chimpanzés antes de serem enviados para as ilhas.

Depois, dois filhotes de um ano – Rudy e Lucy – passaram as noites com os Desmonds e os dias com Jenneh Briggs, uma das cuidadoras liberianas. Alguns meses mais tarde, uma criança de um mês chamada Gola chegou. Como os outros, ela precisava de cuidados 24 horas por dia.

Na natureza, os bebês chimpanzés têm contato constante com suas mães – um dos diversos motivos pelos quais eles nunca devem ser criados como animais domésticos. O trabalho de acompanhar os animais pode ser imensamente gratificante. Os bebês, uma vez tristes e assustados, tornam-se felizes e confiantes.

Todas as noites, Jenny coloca Rudy e Lucy para dormir. Ela lhes dá suas mamadeiras e, em seguida, brinca com eles até que adormeçam ao seu lado.

Na sala de estar dos Desmonds, há um livro sobre primatas publicado em 1993. No interior, aparece uma grande foto de Briggs empurrando três bebês chimpanzés com um carrinho de mão. À primeira vista, é bonito, mas os rostos dos chimpanzés estão assustados e entristecidos. Quando Briggs olha para o quadro, lágrimas brotam em seus olhos.

Para ela, os chimpanzés são como os seres humanos, apenas sem o poder da fala. No laboratório, como os bebês eram pequenos o bastante para serem fisicamente retidos em vez de sedados, os pesquisadores deviam agarrar seus braços e pernas enquanto eles lutavam.

“Eles perdiam a veia. Fazem isso às vezes, duas ou três vezes, até que coletem o sangue. [Os bebês] gritavam”, diz Briggs.

Durante anos, cada chimpanzé foi sedado entre 300 e 500 vezes, muitos passaram por 50 ou até mais de 100 biópsias de fígado, foram constantemente transferidos de jaulas e os machos se feriam repetidamente durante conflitos com companheiros. Eles suportaram doenças frequentes, ferimentos de recuperação lenta e bebês morreram infectados pela gripe.

Mãe e bebê chimpanzés juntos na praia
Foto: Carol Guzy/HSUS

Os números arquivados dão uma ideia da escala de vidas sacrificadas em nome da saúde humana. Havia 475 chimpanzés usados em pesquisas, sendo que esses números aumentam até hoje. Somente 45 deles sobreviveram.

Hoje, graças em parte ao trabalho do HSUS / HSI, todos os chimpanzés estão listados como ameaçados de extinção e os Institutos Nacionais da Saúde pararam de financiar pesquisas com a espécie e ordenaram que todos os chimpanzés de “propriedade federal” fossem transferidos para um santuário.

Na década de 1970, porém, quando um cientista chamado Alfred Prince quis desenvolver uma vacina de baixo custo contra a hepatite B, a principal preocupação que enfrentava era onde conseguir os sujeitos usados para os testes. Os chimpanzés estavam na África Ocidental, mas, conforme estabelecido pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES), não podiam ser exportados.

Prince, que trabalhava para o New York Blood Center, decidiu montar um laboratório de pesquisa de chimpanzés na Libéria. O governo criou o Instituto Liberiano de Pesquisa Biomédica, e Prince contratou uma jovem norte-americana, Betsy Brotman, para supervisionar o trabalho. O laboratório começou a sequestrar chimpanzés, alimentando um comércio de bebês órfãos.

Harry Gilmore, um caçador norte-americano que havia capturado animais para o zoológico do ex-presidente liberiano William V.S, foi enviado para perseguir os chimpanzés. O VILAB também comprou animais de caçadores, que mataram as mães para pegar os bebês.

Samantha chegou ao VILAB em 14 de dezembro de 1976, depois de ser vendida para o laboratório por um morador de uma cidade próxima. Ela tinha um ano e meio de idade. Foi acorrentada na selva, juntamente com outros chimpanzés, pelos exploradores.

Em 1979, houve protestos contra o alto preço do arroz em Monrovia considerado um alimento básico da Libéria. Em 12 de abril de 1980, ocorreu um golpe e o presidente foi morto. Entretanto, as pesquisas continuaram no VILAB. A maior mudança ocorreu para os chimpanzés órfãos. Depois de vários bebês sendo mantidos sem supervisão, Samantha e os outros foram transferidos para pequenas jaulas de concreto.

Cuidadora Jenneh segura Rudy e Lucy como uma mãe
Foto: Michael Nichols/National Geographic Creative.

Fora do VILAB, o governo militar organizou uma eleição para permanecer no poder e massacrou membros de grupos étnicos. Na véspera do Natal de 1989, os rebeldes invadiram a vizinha Côte d’Ivoire. Dentro de seis meses, atingiram a área ao redor do VILAB.

Muitos dos chimpanzés usados em pesquisas estavam morrendo devido à escassez de suprimentos. Deixado para trás, Samantha e os seus companheiros ficaram presos sem alimento ou água. Vários deles foram baleados ou sequestrados por soldados.

Após duas semanas ou mais, quando os pesquisadores foram autorizados a retornar, cerca de 50 chimpanzés tinham morrido. O resto jazia inconsciente nas jaulas, aparentemente tinham sobrevivido após lamberem a umidade das barras dos recintos. Desidratados, precisaram ser ressuscitados.
Quando o VILAB finalmente conseguiu enviar um barco para verificar o grupo de chimpanzés que permanecia em uma ilha, os pesquisadores encontraram apenas uma única fêmea viva.

Nessa época, Samantha começou a escapar de sua jaula com seu companheiro. Isso sempre terminava da mesma maneira: eles eram tranquilizados e recapturados. Até um dia, em 2007, quando Samantha foi colocada permanentemente em uma ilha. Durante sua vida miserável, ela foi tranquilizada 345 vezes e sofreu 49 biópsias hepáticas. No dia em que foi libertada, a fêmea foi direto para os manguezais com outros chimpanzés que já haviam sido transferidos para a região. Ela não olhou para trás.

Durante várias semanas, nem ela e nem os outros foram para a costa quando a comida foi deixada ali. Eles construíram ninhos nas árvores para dormir e seguiram a vida para a qual sempre foram destinados. Desde a chegada da HSUS em 2015, Samantha e os outros chimpanzés têm recebido cuidados e alimentos diariamente.

Os Desmonds visitaram um pedaço de terra que Jim encontrou à venda próximo às ilhas. Uma área necessária para que os bebês chimpanzés vivam em segurança. Jenny fica em êxtase. “Posso ver os chimpanzés escalando por aqui! Oh Deus,só posso imaginar os bebês aqui!”.

Outro chimpanzé chamado Gloria foi salvo de caçadores. Felizmente, a fêmea e Gola são companheiras naturais.

Jenny senta-se exausta, enquanto os chimpanzés se aventuram. Nestes momentos, tudo parece possível: recuperar os animais para que eles tenham uma vida plena e libre e construir um futuro em que os animais não sejam mais arrancados da natureza para trazer esperança apesar de todo esse sofrimento.

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