Alzira Mara
[email protected]
Há dois meses recebi uma denúncia anônima, informando-me que havia uma égua bastante debilitada e que seu tutor não a poupava de forma nenhuma. Usava-a para transportar material reciclável e empreendia várias e longas viagens todos os dias. Quando não estava “trabalhando”, ele sequer desatrelava-a do carrinho, mantendo-a amarrada a uma árvore ou a um poste.
Este fato ocorreu na Vila União, um bairro pobre de Jales (SP). Fui até sua residência para verificar a veracidade da denúncia, e conversei com seu Manoel F. Xavier, o tutor da égua. Ele negou o fato e afirmou que a égua estava bem, pastando em um sítio próximo dali, e que ele estava pensando em trocá-la ou vendê-la.
Percebi que ele não dizia a verdade, e pedi discretamente aos vizinhos que fiscalizassem o tratamento dispensado ao pobre animal. Infelizmente eu não pude vê-la porque ela não estava lá.
Depois de uma semana a mesma pessoa me ligou novamente dizendo que a égua estava caída na calçada e não conseguia levantar-se de tanta fraqueza e cansaço. Dirigi-me imediatamente até o local e fiquei chocada com a cena que presenciei. Tudo aconteceu a uma quadra da residência do infame carrasco. A égua estava numa situação deplorável dados os maus-tratos recebidos. Testemunhas disseram que suas pernas dianteiras dobraram e ela cambaleava dado o cansaço, e mesmo assim seu tutor a chicoteava para fazê-la andar.
Após inúmeras tentativas, ele a abandonou e evadiu-se do local, abandonando-a sem a menor piedade. Pior foi saber que o fato aconteceu na véspera e a égua passou a noite toda sem ser medicada. Quando cheguei, ela se debatia, muito esforçando-se para levantar .
Acionei a PM, os agentes da vigilância sanitária para medicá-la e o corpo de bombeiros para levá-la dali para um lugar seguro. O quarteirão parecia um set de filmagem – um filme triste e cruel. Pedi que buscassem o tutor da égua para deixá-lo a par da situação, e quando ele chegou, tive ânsia com tanta frieza e deboche.
Ele não deu a mínima importância e me respondeu: e daí, fazer o que, né? Foi-se embora sem se importar com o animal que lhe serviu por tanto tempo. Confesso que tive vontade de chicoteá-lo da mesma forma que ele fazia com ela. Mas violência gera violência e este não é o caminho correto.
Transportamos a égua para um galpão imenso de terra fofa e acomodamos sua cabeça num enorme colchão de espuma, pois ela estava com os olhos bem feridos (um corte imenso no sobrecílios) e ela acalmou-se um pouco.
Depois que todos foram embora, liguei para um veterinário para medicá-la melhor. Infelizmente o diagnóstico foi horrível. Ele assegurou-me que, além de ter sido espancada e explorada à exaustão, teve seu ânus perfurado por algum instrumento (talvez um objeto de madeira), pois seus órgãos genitais estavam sangrando e purulentos, além de extremamente inchados.
Fiquei algum tempo ao seu lado sozinha, acariciando seu rosto e tranquilizando-a. Na manhã seguinte, quando fui visitá-la, percebi que seu estado havia piorado. Enquanto conversava com ela e acariciava seu rosto, ela fitou-me e lágrimas rolaram de seu olho, e em seguida faleceu.
O tempo todo eu orei e pedi a Deus por um milagre, mas Deus na sua onisciência decidiu levá-la para o céu. Senti tanta dor e gratidão em seus olhos que jamais vou me esquecer da Vitória. Eu a chamei de Vitória. Agora o seu carrasco está respondendo a processo judicial e Vitória precisa ter vitória contra seu algoz. Vou defendê-la até o fim.