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Zoos x Santuários

5 de fevereiro de 2015
14 min. de leitura
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Li na data de hoje texto publicado pela Dra. Yara de Melo Barros, Presidente da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil, intitulado “Zoos x Santuários: uma disputa sem futuro e sem utilidade”, onde ela defende que zoológicos se justificam por motivos de conservação de espécies e pela possibilidade de que os visitantes possam ser sensibilizados para questões ambientais através do contato com os animais.
Na argumentação que seu texto traz, santuários de animais não se justificariam, por manterem os animais em condições inferiores àquelas dos zoológicos e por não terem propósitos conservacionistas (por focarem estes no “indivíduo” e não na espécie). De acordo com a zoóloga, o fato dos santuários não estarem abertos à visitação publica lhes cria uma aura de imunidade contra as criticas da sociedade.
Já tive a oportunidade de escrever um texto que apresenta uma crítica aos zoológicos e em especial nesse texto há um titulo onde questiono “Há uma justificativa para os zoológicos?” que merece ser lido. O próprio texto da Dra Yara traz exemplos muito pobres em relação ao papel dos zoológicos na conservação, citando os exemplos infelizes da ararinha azul e do mutum-de-alagoas.
A ararinha azul é uma das aves mais raras do mundo, estando extinta em seu bioma natural, a Caatinga. A espécie realmente apenas se mantém graças à reprodução assistida em cativeiro. Curiosamente, o zoológico de São Paulo possui um casal que jamais se reproduziu. O único caso brasileiro de sucesso em sua reprodução não pertencente a um zoológico, mas a um centro de conservação chamado Criadouro NEST, localizado em Avaré, SP.
Fora isso, a maior “coleção” de espécimes pertence ao Sheik Saud bin Muhammad Al-Thani, príncipe do Qatar recentemente falecido e fundador do Al-Wabra Wildlife Preservation. No site da Al-Wabra está escrito explicitamente: “O Al Wabra Wildlife Preservation não é um zoológico, e muitas áreas são fechadas e marcadas com sinais de “proibido acesso” para os visitantes, para não perturbar os animais sensíveis. e mesmo o restante dos compartimentos são feitos principalmente para os animais e não para os visitantes. Isso torna o (Al-Wabra) um lugar único, com uma elevada taxa de sucesso na procriação de animais difíceis e sensíveis. Os mais de 2500 animais, pertencentes a mais de uma centena de espécies diferentes, desfrutam o mais atualizado conhecimento tácito para seu conforto e bem estar. Isso inclui excelentes cuidados veterinários, laboratórios, cozinhas para preparação de alimentos, viveiros para órfãos, o melhor em alimentos naturais e importados, ar condicionado, chuva artificial e envolvimento em programas de reprodução internacional.”
Iniciado como uma coleção particular de animais raros, o centro não é nem jamais foi um zoológico, mas sim o que em nossa legislação se classificaria como um “Criadouro Científico da Fauna Silvestre para fins de Conservação” (embora nesse caso não se trate de fauna silvestre do Qatar).
O próprio site deixa claro que “A fazenda não está aberta ao público”.
O que podemos entender disso é que o príncipe Al-Thani, que já conseguiu obter o nascimento de 37 filhotes de ararinha azul em cativeiro, entende como importante para o sucesso da reprodução e, portanto, conservação, que os espécimes estejam distantes da visitação pública. Não são, portanto, os zoológicos que estão salvando a ararinha azul da extinção.
Igualmente, o Mutum-das-Alagoas foi salvo da extinção não por iniciativa dos zoológicos, mas por iniciativa de um criador particular chamado Pedro Mário Nardelli e, posteriormente, pela Fundação Crax e o Criadouro Científico e Cultural Poços de Calda, que de acordo com o “Plano de Ação Nacional para a Conservação do Mutum-de-Alagoas” (ICMBio/ MMA, 2008), deveria transferir alguns indivíduos para evitar perdas da população por epidemias. Alguns dos candidatos a receber exemplares seria a Central Elétrica de São Paulo em Paraibuna, que realmente possui um criadouro de aves e, infelizmente, alguns zoológicos.
Não é de hoje que os zoológicos clamam um papel que não lhes cabe. Tomemos como exemplo a preservação do Mutum-do-Sudeste, parente próximo do Mutum-de-Alagoas. A recuperação de suas populações envolveu pesquisadores? Sim, pesquisadores da USP e da UFMG; Houve envolvimento de órgãos ambientais? Sim, o ICMBio se envolveu, por meio de suas Unidades de Conservação; Houve envolvimento de ONG´s? Sim, a Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil – SAVE Brasil, apoiada pela BirdLife International estavam envolvidas no projeto; participaram o Instituto BioAtlântica – Ibio, a Reserva Ecológica de Guapiaçu – REGUA e a World Pheasant Association – WPA; Estava também participando a iniciativa privada, por meio da Vale (representada pela CENIBRA, sua subsidiária florestal e da Reserva Natural Vale – RNV) e da Michelin, por meio da Reserva Ecológica Michelin – REM. Onde estavam os zoológicos que clamam existir para conservar? E este é apenas um exemplo . . .
Lendo o texto do “Plano de Ação Nacional para a Conservação do Mutum-de-Alagoas” (ICMBio/ MMA, 2008) vemos que “Os caminhos para trazer o mutum-de-alagoas de volta às suas florestas são longos e demandam grandes esforços de pesquisadores, ONGs, órgãos ambientais, usineiros e da sociedade civil. A recuperação das florestas, sua proteção contra caçadores e madeireiros e a recuperação dos ambientes são os primeiros passos a serem dados in situ, enquanto a criação maciça destas aves em cativeiro é fundamental para garantir indivíduos viáveis para a reintrodução.” Zoológicos não foram citados.
Vemos, portanto, que em ambos os casos citados no texto da Dra Yara, o caminho a seguir para a conservação de espécies criticas já extintas na natureza é a preservação/recuperação de seus biomas naturais e a criação maçal de animais em cativeiro. Como poderá o zoológico, mantendo um ou dois exemplares de cada espécie para satisfazer a curiosidade do público, contribuir para aumentar significativamente esses números? Como poderão essas entidades, voltadas à visitação pública mais do que qualquer coisa, ter sucesso na reprodução de espécies sensíveis cuja reprodução é difícil e prejudicada pela própria visitação? Ouso dizer que cada exemplar de espécie em vias de extinção cativo em um zoológico é um exemplar a menos a se reproduzir e salvar a espécie. Nesse sentido, criadouros conservacionistas são muito mais efetivos.
No mais, de forma mais pragmática, quantos milhões em recurso são direcionados à reprodução de espécies simpáticas e exuberantes quando a taxa de extinção anual de espécies é da ordem de mais de 10.000 espécies ao ano? Por esse ponto de vista, a chave para a preservação das espécies não se encontra nem nos zoológicos nem nos santuários de animais, mas especificamente na conservação de seus ambientes naturais. Ainda que consigamos aumentar significativamente os números de ararinhas azuis e mutuns-das-alagoas em cativeiro, resta-nos o problema de não haver onde soltá-los. Temos menos de 1% da caatinga e menos de 2% da Mata Atlântica de Pernambuco e Alagoas preservadas.
Trata-se de um questionamento relevante. Preservar os biomas não é apenas uma das opções que temos para a conservação das espécies em vias de extinção; os programas de reprodução assistida apresentam resultados emergenciais de conservação de espécies que já não apresentam populações naturais viáveis, mas se não houver áreas de soltura para esses animais, todo o esforço é em vão.
Com relação ao papel dos zoológicos na educação ambiental, creio que já explorei o assunto em meu texto supracitado. Uma visita ao zoológico pode proporcionar prazer e talvez satisfazer alguma curiosidades, mas não ensina as pessoas a respeitar animais. Ensina-as que animais podem ser enjaulados ou dispostos para propósitos humanos.
Então se não se prestam a conservar espécies nem a educar pessoas em relação aos animais, zoológicos são tão somente locais que mantém animais em cativeiro para visitação pública. Abro aqui, em tempo, um parêntese para refutar mais uma critica da Dra. Yara: Questionar os zoológicos não é uma critica contra “vilões e porcos capitalistas”. Essa retórica anti-capitalista irrefletida e infantil não condiz com uma defesa séria dos direitos animais. Não se trata de cobrar ou não a entrada ao zoológico, mas antes, termos ou não o direito de manter cativos, e perpetuar esse cativeiro, aos animais, apenas porque podemos fazê-lo.
Santuários de animais
Santuários de animais também são, para muitos efeitos, empreendimentos onde animais são mantidos cativos, no entanto, ao contrário dos zoológicos, não há aí uma intenção de manter o cativeiro indefinidamente. Zoológicos existem com foco no publico visitante, santuários existem com foco nos animais. Não se trata, portanto, de uma “visão romântica” ou idílica, mas de uma constatação objetiva, baseada em uma comparação sensata.
Santuários existem para manter e dar assistência a animais que necessitam: animais que foram resgatados de instituições onde eram explorados, animais atropelados ou machucados, animais desalojados devido à supressão de seus ambientes naturais, animais recuperados do tráfico, etc.
Engana-se a Dra. Yara que Santuários sejam meros depósitos de animais que por estarem distantes dos olhos do público estão imunes às criticas. De fato, na legislação não existe o termo “Santuários de Animais”, por esse motivo todos esses empreendimentos são licenciados nos órgãos ambientais como Mantenedores de Fauna Silvestre, Centros de Triagem de Animais Silvestres – CETAS, Centros de Reabilitação de Animais Silvestres – CRAS ou Criadouros Científico de Fauna Silvestre para Fins de Conservação.
A denominação “Santuários” é apenas uma forma genérica de se referir ao conjunto de mantenedores e/ou procriadores de animais silvestres que não exploram animais, estando por isso os zoológicos, os criadouros comerciais, os criadouros para fins de pesquisa, os abatedouros de animais silvestres e as fazendas de caça excluídos dessa definição (também muitos mantenedores de fauna, CETAS, CRAS e criadouros conservacionistas não merecem ser considerados “Santuários de Animais”). Ao contrário do que supõe a Dra. Yara, “santuários” são licenciados pelos órgãos ambientais e sofrem fiscalizações periódicas.
Mas santuários não se limitam aos animais silvestres, muitos destes mantendo animais exóticos vitimas também da exploração pelo ser humano. Nesses casos santuários de animais não devem, de fato, reproduzir esses animais. Não faria sentido que um santuário de animais aqui no Brasil reproduzisse leões, elefantes ou orangotangos, quando esses animais sequer poderiam ser introduzidos aqui.
Novamente, perpetuar uma espécie apenas faz sentido se os indivíduos puderem algum dia ser introduzidos em suas áreas de ocorrência natural, caso contrário, o propósito do santuário deve ser o bem estar do indivíduo e não a manutenção da espécie.
Há também uma categoria de santuários que sequer necessita ser licenciada ou fiscalizada, que são os santuários que mantém animais domésticos. Elas, para todos os efeitos são fazendas, mas ao contrário de outras fazendas onde os animais são reproduzidos e explorados para diferentes finalidades, nos santuários-fazenda essas mesmas espécies são mantidas sem se reproduzir, pelo tempo de suas vidas. Eis quando se reconhece que animais são indivíduos e não números.
Há, portanto, santuários que visam a manutenção, procriação, reabilitação e reintrodução de animais, e há os que meramente se preocupam em manter vivos os indivíduos por neles reconhecer um valor inerente. E diferente dos zoológicos, muitos santuários de animais cumprem com o papel de educadores ambientais e propagadores do respeito aos animais. Não é impossível que pequenos grupos e escolas visitem determinados santuários de animais, possuindo alguns deles um centro para recepção de visitantes onde palestras e apresentações são realizadas (veja o caso do Rancho dos Gnomos), bem como a proximidade com espécies menos sensíveis é permitida.
Tive, ao longo da vida, a oportunidade de conhecer muitos zoológicos e alguns santuários de animais. Dessa vivência consigo entender porque que os santuários de animais existem, vejo aí um propósito nobre, mas não entendo a razão de ser dos zoológicos, onde o que conta não é o animal enquanto indivíduo, mas quanto muito o interesse que este possa despertar nas pessoas e o estatus de sua espécie em números.
Reporto aqui um caso recorrente. Uma família adquire em um semáforo um exemplar de jabuti de 6 cm, em 1980. Em 2015 esse jabuti já terá mais de 35 anos, uns 40 cm de comprimento e provavelmente uma deformação do casco e osteomalácia resultantes de deficiência nutricional, ausência adequada de insolação e por ter passado a vida toda tentando se deslocar no piso escorregadio da área de serviço do apartamento.
A família não quer mais o animal, que poderá viver ainda mais cerca de 45 anos e procura o jardim zoológico de sua cidade. Ali eles ficam sabendo que o zoológico todos os dias recebe proposta de doação de jabutis por particulares, mas que o recinto dos jabutis foi projetado para manter 5 animais (e já possui 20). Os particulares são recomendados a doar o jabuti para uma universidade onde ele provavelmente será dissecado em uma aula de zoologia.
Outras saídas seriam a doação do animal para o ICMBio, que poderia destiná-lo a um criadouro comercial ou mesmo destiná-lo a uma área de soltura, mas lembremos que o animal foi mantido por mais de 30 anos em condições que inviabilizaram-no como reprodutor, quanto mais como animal viável a ser reintroduzido.
Um zoológico certamente aceitaria se um particular lhe oferecesse uma ave-do-paraíso trazida da Papua Nova Guiné ou um varano-malaio traficado na mala de uma viagem para a Ásia, porque são animais raros que certamente adicionariam à sua coleção. Mas jabutis e papagaios-verdadeiros são animais que não interessam mais aos zoológicos. São simplesmente recusados.
O santuário de animais, por outro lado, apenas recusará ficar com esses animais se realmente não dispuser de instalações adequadas para os mesmos. Santuários de animais, na forma ideal, são especializados em grupos específicos de animais pertencentes a algumas poucas espécies. Uma carga de 200 papagaios-verdadeiros apreendidos das mãos de traficantes de animais pela Policia seria entregue em em um santuário de animais, e não em um zoológico.
A Dra. Yara cita o caso da orangotango Sandra, libertada por Habeas Corpus do zoológico de Buenos Aires. Outro exemplo bastante infeliz. A orangotando, ao contrário do reportado no artigo da zoóloga, não seguirá para um santuário brasileiro, mas pela própria recomendação do mesmo, seguirá para o Center for Great Apes na Florida.
Trata-se de uma condição MUITO melhor de vida. Nesse santuário, ao contrário do reportado, ela não receberá feijoada, maionese e marshmallow como alimentos, mas alimentação adequada, recintos amplos e arejados e gozará a companhia de outros orangotangos. Quem tiver duvidas sobre como será a vida de Sandra em seu novo lar visite a página.
Mas ainda que fosse mantida no santuário brasileiro sua vida futura também seria ótima, para que não restem duvidas, basta uma comparação entre esses santuários e o Zoológico de São Paulo (ou qualquer outro zoológico que for).
Não resta a menor duvida de que santuários de animais são melhores, para os animais, do que zoológicos. Mas é óbvio que se deve respeitar a especialidade de cada santuário de animais. Há santuários de animais que, como afirmado acima, lidam com animais de fazenda. Um orangotango ali provavelmente não teria um recinto adequado, nem a companhia de outros de sua espécie, e demandaria um manejo distinto da rotina do santuário. Ainda assim pode-se supor que sua vida não seria inferior à vida que leva em um zoológico, onde tampouco há recintos adequados e a possibilidade de formação de bandos. Tampouco faria sentido destinar ao Santuário do GAP em Sorocaba um porco ou uma zebra, porque não é a especialidade deles.
De fato a palavra “santuário” não garante a qualidade de vida de animal algum, e por isso mesmo as instituições devem ser licenciadas e fiscalizadas. Há instituições que poderão se auto-denominar “Santuários”, mas que na verdade não o são. Há outras que agirão com o melhor das intenções e desenvolvem o melhor trabalho possível, mas contarão com verbas bastante limitadas. De toda forma sim, os santuários devem priorizar os animais, seja a quais espécies pertençam, e nesse sentido a visitação publica não tem nada a acrescentar. Animais são indivíduos e não números, são seres sencientes e não objetos para satisfazer a curiosidade humana.
A função fundamental de um Santuário é dar proteção aos animais enquanto indivíduos, por isso, é essencial que as condições da instalação, de manejo, alimentação, enriquecimento ambiental e saúde sejam respeitadas. Se os animais serão reabilitados e posteriormente reintroduzidos em áreas de soltura ou se serão reproduzidos dependerá da espécie em questão, mas certamente santuários não são locais de exposição pública de animais, pois isso contrariaria seus interesses.

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