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CRUELDADE INTRÍNSECA

Viagem para lugar nenhum: navio abandonado no Mar Vermelho com milhares de animais reacende debate sobre transporte de animais em navios

3 de fevereiro de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Divulgação

No dia 30 de janeiro, o navio MV Bahijah, carregado com 16 mil animais (14 mil ovelhas e 2 mil bovinos), foi abandonado no Mar Vermelho sob um forte calor. A embarcação saiu da Austrália no dia 5 de janeiro com destino à Israel, mas acabou desviando o curso por conta de uma ameaça de ataque da milícia Houthi, do Iêmen.

Após permanecer dias no mar, e sob críticas de parlamentares australianos e defensores dos animais, o navio retornou à Austrália, onde está em quarentena, aguardando uma decisão australiana sobre se os animais poderão ser descarregados ou enviados novamente para Israel – o governo cita questões de biossegurança para o impasse.

O acontecido tem gerado uma série de protestos. O senador Mehreen Faruqi, vice-líder do Green, o partido político verde da Austrália, está apelando às autoridades para que os animais saiam do navio o mais rápido possível.

“Deixar ovelhas e bois no MV Bahijah no calor escaldante do verão é uma tortura. Mandá-los de volta para outra longa viagem é absolutamente inaceitável”, enfatizou. “Há mais de 15.000 ovelhas e bois sufocando na costa. O governo já cometeu um erro grosseiro ao aprovar esta viagem através de uma zona de conflito. Não há espaço para cometer outro erro quando serão os animais que sofrerão as consequências.”

Para amenizar a situação, o Departamento de Agricultura australiano emitiu uma nota em que informa que dois veterinários independentes visitaram os animais a bordo do MV Bahijah e que eles não encontraram “nenhuma evidência de quaisquer preocupações significativas de saúde, bem-estar ou meio ambiente”.

Foto: Divulgação

Transporte de carga viva

O acontecido no Mar Vermelho reacendeu o debate sobre o transporte marítimo de animais. Todos os anos, bilhões de animais são enviados em navios de um país para outro. Só da União Europeia saem anualmente 1,35 bilhão de aves, 37 milhões de porcos, 4,3 milhões de bois e 3,3 milhões de ovelhas e cabras, de acordo com a Four Paws, organização global de bem-estar animal para animais sob influência humana direta.

A entidade afirma que as viagens são longas, superlotadas e os animais adoecem, ficam feridos ou morrem durante o trajeto. Além disso, quando são carregados e descarregados nos portos, muitos são vítimas de crueldade. “O transporte de animais para o estrangeiro é cruel e torturante, e temos finalmente de pôr fim a este sofrimento”, defende a ONG.

Faruqi, do partido Green, pontuou que “os animais são seres sencientes, mas têm sido tratados como alimento para o lucro pela indústria de exportação de animais vivos e pelos governos”. “Os trabalhistas (Partido Trabalhista da Austrália, que comanda o país atualmente) devem legislar uma data final agora e iniciar o encerramento das exportações de animais vivos. As ovelhas não podem esperar pelo próximo mandato de governo”.

Na vizinha da Austrália, a Nova Zelândia, esse tipo de exportação está proibida desde abril do ano passado. A decisão veio depois que milhares de vacas morreram em um naufrágio em agosto de 2020. Na ocasião, o navio porta-contêineres Gulf Livestock 1, construído em 2002 e “adaptado” para uso animal, deixou a Nova Zelândia com 5.867 cabeças de gado vivo a bordo, com destino à China. Duas semanas depois, perdeu a propulsão durante um tufão e afundou no Mar da China Oriental. Todos os animais e todos os 43 tripulantes, exceto dois, morreram.

Já ocorreram outras tragédias envolvendo animais no mar: em 2019, mais de 1,4 mil ovelhas se afogaram quando o navio Queen Hind virou perto do porto de Midia, na Roménia; entre dezembro de 2000 e março de 2021, 2.600 gados morreram nos navios Elbeik e Karim Allah depois de terem ficado retidos no mar durante mais de três meses, e milhares de animais sofreram em 2021 quando o Canal de Suez foi bloqueado.

Estima-se que mais da metade da frota de navios transportadores de carga viva é constituída por navios antigos, com mais de 40 anos, e convertidos — ou seja, não foram criados especificamente para o transporte de animais. Claro que há exceções, à exemplo da empresa holandesa Vroon, que opera navios transportadores de gado construídos especificamente para essa finalidade.

Regulamentos não protegem os animais durante o transporte
A Vet Practice Magazine, especializada em saúde animal, destaca que investigadores do Reino Unido e do Canadá realizaram um “exame de qualidade” de regulamentos destinados a protegê-los durante o transporte e concluíram que nenhum deles consegue cumprir a promessa. Foram analisadas as regras de Austrália, Canadá, Nova Zelândia, União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos.

O trabalho, publicado recentemente na revista científica Royal Society Open Science, observou quatro fatores de risco principais associados ao transporte de animais vivos: aptidão para o transporte, duração da viagem, condições climáticas e espaço disponível.

Pelos resultados, todos os países poderiam melhorar e traçar orientações futuras importantes para novas políticas. “Nossas descobertas indicam que as regulamentações são muitas vezes insuficientes ou muito vagas para garantir que sejam adequadas ao propósito”, disse o coautor do estudo Benjamin Lecorps, Universidade da Colúmbia Britânica, do Canadá.

Ele acrescentou que os países estudados não conseguem garantir a proteção adequada ao gado durante o transporte. “Embora isto não signifique que todos os animais transportados sofrerão danos graves, os principais fatores de risco, como viagens excessivamente longas ou viagens durante tempo quente, não estão sendo abordados a um nível satisfatório.”

Fonte: Um Só Planeta

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