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Veterinário é processado por maus-tratos a cães usados em pesquisa na UFSM

16 de junho de 2014
5 min. de leitura
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Foto: Jean Pimentel / Agencia RBS
Foto: Jean Pimentel / Agencia RBS

O veterinário Cristiano Gomes, que utilizou 12 cães como cobaias em um experimento de doutorando na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), está sendo processo criminalmente por maus-tratos contra os animais.

Em maio, a Justiça Federal aceitou a denúncia do Ministério Público Federal, que abriu inquérito após a publicação do caso pelo Diário, em maio de 2012, com exclusividade.

O experimento resultou na mutilação de 12 cães e na morte de cinco deles. Gomes é acusado de ferir e mutilar os cães 12 vezes (número de animais), com a majorante (agravante) da morte de cinco deles, e por conduta omissiva de abuso e maus-tratos 12 vezes (sete pelos sobreviventes e cinco pelos filhotes nascidos durante a pesquisa).

O projeto de Gomes, à época doutorando da Pós-Graduação de Medicina Veterinária da UFSM, era criar e testar uma placa de titânio para recomposição de mandíbulas de cães que, devido a câncer, retirado parte ou toda a mandíbula. Doze cães cobaias saudáveis tiveram parte ou toda a mandíbula retirada para o teste das placas. Sete tiveram sequelas e cinco foram mortos por eutanásia.

À época, a maioria das pessoas ouvidas pelo Diário na época não questionava a importância da pesquisa, mas o uso de animais saudáveis, o abandono deles em condições precárias após o experimento e a morte induzida dos que ficaram com sequelas.

Com base na reportagem, o MPF instaurou inquérito e solicitou investigação à Polícia Federal, que ouviu depoimentos 12 testemunhas, o suspeito e o orientador dele, professor Ney Luis Pippi (leia abaixo). Professor e aluno negaram os maus-tratos e disseram que o experimento seguiu os procedimentos legais.

Após dois anos de investigações, o delegado da PF, Valmir Soldati, indiciou Gomes pelo crime previsto no artigo 32 da lei 9.605 de 1998.

Réu terá de entregar defesa escrita à Justiça

O processo tramita na 3ª Vara Federal de Santa Maria. A Justiça tentou citar o veterinário, mas ele não foi localizado. Nova tentativa será feita em Curitibanos, cidade onde ele atuaria como professor.

Na defesa escrita, que o réu deverá apresentar à Justiça, ele pode fazer alegações, oferecer documentos, justificativas, especificar provas e arrolar testemunhas. Só depois, o juiz pode absolvê-lo sumariamente ou dar andamento ao processo.

O orientador de Gomes, professor Ney Pippi, não foi investigado. Segundo o delegado Valmir Soldati, ele não tinha responsabilidade sobre o cuidado com os animais, somente sobre o trabalho científico do orientando.

Na sexta-feira passada, o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária, Rodrigo Lorenzoni, disse que o órgão aguardará o MPF enviar a denúncia para instaurar processo ético que apura se o veterinário agiu com imprudência, negligência ou imperícia

O que disseram

Cristiano Gomes, médico veterinário e réu do processo

Contatado pelo Diário na sexta, Gomes atendeu uma das quatro chamadas, mas quando informado sobre o teor da reportagem, a ligação caiu. Até ontem, não havia respondido ao e-mail que foi enviado nem dado retorno ao recado deixado com sua mulher

Ney Luis Pippi, orientador de Gomes

Procurado pelo Diário na sexta-feira, o professor disse que desconhecia a denúncia e que não iria se manifestar sobre o caso

A investigação

Trechos de depoimentos de testemunhas à Polícia Federal durante a investigação

Ney Luis Pippi, orientador de Gomes no experimento

Contou que acompanhou o experimento e que foram seguidos os procedimentos legais. Disse ainda que os animais foram medicados e alimentados adequadamente. Que a limpeza no canil era feita diariamente pela Sulclean. Pippi apresentou documento comprovando a aprovação do projeto

Marta Lisandra do Rego Real, integrante da Comissão de Ética em Experimentação Animal da UFSM
Afirmou que não esteve no canil, mas sabe que limpeza era diária. Que não considerava maus-tratos os procedimentos. Sobre as mortes induzidas, acredita que tenham sido comunicadas

Eliane Maria Zanchet, coordenadora da Comissão de Ética

Informou que recebeu denúncia de três veterinárias sobre a situação irregular no cuidado pós-operatório dos animais

Liandra Cristina Portella, funcionária da UFSM

Disse que, ao avaliar um cão em aula, verificou que estava com prótese na mandíbula, que era destinado ao procedimento de morte induzida e era parte do experimento. Tomou conhecimento que outro animal, uma cadela, tinha dado cria durante a pesquisa

Camila Feltrin Giglio, médica veterinária

Informou que, em 1º de maio de 2012, um estagiário da pesquisa de Gomes pediu sua ajuda para tratar uma cadela com filhotes. Ela estava em situação precária, com fome e com a boca totalmente contaminada, com mau cheiro intenso. Ela os medicou e os internou no Hospital Universitário. Os estagiários disseram que Gomes havia mudado para Santa Catarina e abandonado o projeto, deixando seis cães aos cuidados dos estagiários. Havia apenas um pote, tanto para água quanto para comida

Rogério Maria, funcionário da Sulclean

Disse que sua função era limpar o local (sala) do canil, e não as gaiolas onde os cães estavam

Sérgio Luiz da Silva Rodrigues, ex-funcionário da Sulclean

Contou que trabalhou no Hospital Veterinário e lembra do experimento. Disse que depois das cirurgias (colocação das próteses), os animais iam para o canil. Que era ofertada ração endurecida, mas que eles não conseguiam movimentar as mandíbulas para comer. Os cães também não conseguiam tomar água e não havia material para a higienização. Disse que Gomes eventualmente aparecia. Que durante a noite não havia ninguém no local. Por quatro meses, nunca viu alguém aplicar medicação nos cães

A denúncia do Ministério público

Trechos do relatório da denúncia do Ministério Público à Justiça

“…não apresentou (Gomes) justificativa para que as instalações experimentais ocorressem em animais saudáveis.” Além disso, “seria viável que o projeto se iniciasse apenas com um indivíduo e, acaso, bem sucedido, poderia ensejar amostras maiores.”

“…o experimento resultou em ferimentos e lesões irreversíveis, o que configurou o delito de maus-tratos… as lesões acarretaram a morte por eutanásia de cinco dos animais.”

“…após a instalação das referidas placas, os animais permaneceram trancafiados em gaiolas sem cuidado de higienização, expostos às próprias urina e fezes e sem acompanhamento clínico… sendo-lhes fornecida alimentação inadequada (ração seca), o que ensejou o surgimento de estado infeccioso na boca…”

Fonte: Zero Hora

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