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ESTUDO

Tráfico de animais muda dinâmicas evolutivas e faz pássaros nascerem com cores menos vibrantes para não chamarem atenção

12 de novembro de 2022
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Foto: Ilustração | Freepik

Em junho de 2022, oito ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) foram soltas na caatinga brasileira, especificamente no município de Curaçá, na Bahia. O ato marcou o retorno da espécie para seu habitat depois de 20 anos dessas aves tão coloridas serem consideradas extintas na natureza.

Além da destruição do ambiente, a caça de aves coloridas como a arara-azul para o comércio ilegal de animais silvestres é apontado como um dos principais fatores responsáveis pelo desaparecimento desses pássaros.

No entanto, estes animais cheios de cor não são os únicos alvos. Um estudo publicado em outubro de 2022 na revista científica Current Biology, encontrou uma forte relação entre a cor das aves e o quanto elas são ameaçadas pela caça e venda ilegal. Isso significa que, assim como aconteceu com as ararinhas, outras espécies de pássaros coloridas podem encarar a extinção.

“A perda dessas espécies pode, com o tempo, fazer com que a biodiversidade de aves seja mais ‘monótona’, com a maioria delas tendo plumagens marrons, pretas ou cinzas, cores menos cobiçadas pelo comércio”, diz o ecólogo brasileiro Brunno Oliveira, co-autor do estudo.

No Brasil, o risco de extinção das ararinhas-azuis se tornou emblemático: “Elas são aves únicas. Chamam a atenção por sua cor e isso as coloca como alvos do desejo de colecionadores”, afirma Antonio Eduardo Barbosa, coordenador do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-Azul (Pan Ararinha-Azul), programa por trás da reintrodução da espécie.

Qual a relação das cores das aves com o tráfico de animais silvestres

No mundo, cerca de 3 mil espécies de aves silvestres, aproximadamente 30% de todos os pássaros existentes, são comercializadas, seja como animais domésticos ou como fontes de produtos (suas penas, bicos e ovos), segundo um levantamento de 2019 também co-assinado por Oliveira. Mas, o que o novo estudo mostrou é que os pássaros mais visados são, em grande parte, aqueles que despertam a paixão pela beleza e estética nos seres humanos.

“Os humanos são visuais. Amamos a beleza, temos admiração por aquilo que nos atrai visualmente. Nos pássaros, a cor está muito ligada ao conceito de belo e isso impacta na demanda desse mercado”, diz o ecólogo brasileiro.

Para provar essa relação, a equipe de pesquisadores realizou um levantamento inédito das colorações de aves que existem no mundo. A partir de métricas baseadas nos modelos de cores visíveis para os humanos, o trabalho separou as aves em 15 categorias de cores.

“Codificamos as colorações em diversas partes do corpo de pássaros e separamos as espécies de acordo com o tom predominante. Depois, comparamos com as listas de espécies ameaçadas e as mais visadas pelo comércio de animais silvestres”, explica o pesquisador.

Nessa comparação, o estudo observou que pássaros nas categorias de cores como azul, ciano e verdes amarelados são mais comuns entre as espécies caçadas e vendidas como animais domésticos. A venda é notavelmente intensa em espécies das famílias das aves-do-paraíso (Paradisaeidae) e dos tecelões (Ploceidae), por exemplo.

Por outro lado, pássaros com a plumagem de cor clara e marrom, são a minoria entre as espécies comercializadas.

Quanto mais colorida, maior o risco para as aves

Outra conexão apontada pelo estudo é entre o comércio de animais selvagens com os níveis de ameaça. De acordo com Oliveira, o tráfico de silvestres é uma indústria multibilionária que está levando diversas espécies para a extinção.

Segundo o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres do ICMBio (Cemave), esse mercado retira 38 milhões de pássaros da natureza todos os anos e movimenta cerca de 2,5 bilhões de dólares (aproximadamente 12,8 bilhões de reais) ao ano. A atividade ilícita é a 3ª mais lucrativa do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas, e é a segunda maior causa de extinções.

O estudo mostra, portanto, que quanto mais singular a cor do pássaro, maior é a chance dele ser um alvo do comércio de silvestres e, consequentemente, maior é o risco à sobrevivência das populações.

“Encontramos que a grande parte das espécies coloridas que são classificadas como ameaçadas tendem a estar em piores categorias de conservação do que as espécies que são ameaçadas mas não são coloridas”, diz Oliveira.

As aves coloridas podem desaparecer?

A pesquisa também projetou que se as aves mais desejáveis ​​continuassem a ser retiradas da natureza, as mais marcantes e de cores únicas seriam as primeiras a se perder.

Em cenários simulados, os pesquisadores projetam que as populações de aves podem sofrer grandes perdas de diversidade de cores, principalmente as que habitam regiões do sudeste da Ásia, da Mata Atlântica brasileira, da Austrália e ada Nova Zelândia, locais com grande proporção de pássaros coloridos.

Sem esforços de conservação, é possível que as extinções causem uma mudança no leque de cores das aves, sumindo com amarelos, azuis e verdes em direção a uma biodiversidade com tons mais marrons e alaranjados. “Seria como se a natureza ficasse mais monótona, menos atraente”, comenta o ecólogo brasileiro.

Extinta na natureza: o caso das ararinhas-azuis

Um exemplo de perda no leque de cores é a extinção na natureza das ararinhas-azuis. Ave natural da caatinga, um bioma exclusivamente brasileiro, ela foi descoberta em 1819 pelo naturalista alemão Johann Baptist Ritter von Spix, durante expedição na cidade de Juazeiro, na Bahia.

Entretanto, não foram encontrados muitos exemplares dessas aves de plumagem azul clara. “Acredita-se que as populações de ararinhas já eram naturalmente de baixas densidades. Mas não se sabe ao certo porque quando se começou a estudar esses pássaros, a única população conhecida tinha apenas três indivíduos”, conta Barbosa.

O último indivíduo dessa população, um macho, foi catalogado em 1986 e desapareceu em 2000. Na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), as ararinhas estão classificadas como “extintas na natureza”, o segundo pior nível de conservação. Barbosa aponta a captura para o comércio ilegal de animais silvestres como a principal causa da extinção dessas aves.

Depois de 20 anos, a reintrodução dos pássaros foi realizada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), através do Pan Ararinha-Azul, em conjunto com a Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP, na sigla em inglês), sediada na Alemanha.

Cinco meses depois, as aves parecem ter se adaptado bem e estão se desenvolvendo de acordo com as expectativas dos pesquisadores. “Elas estão explorando o ambiente, se mantiveram juntas e houve até uma tentativa de reprodução”, diz Barbosa. A proposta é soltar mais 12 ararinhas em dezembro deste ano.

Conservação de aves coloridas: uma proteção ao valor estético da natureza

Essa possibilidade de um mundo de aparência mais monótona, segundo Oliveira, chama a atenção para a perda do valor estético da natureza. “Apesar de ser mais difícil de valorar, a beleza também é uma qualidade importante da natureza”, afirma o pesquisador. “Assim como ela motiva atividades como o tráfico, ela também é a origem de muitos movimentos de conservação”, complementa.

A fim de preservar esse valor, tanto Oliveira quanto os demais pesquisadores que participaram da pesquisa alertam para a necessidade de ações proativas de conservação.

Segundo o estudo, a partir das categorias de cores foi possível estimar quantas espécies podem virar alvos do tráfico de animais no futuro e, consequentemente, correr risco de extinção. A pesquisa identificou 478 espécies em risco de comércio futuro.

Assim, segundo o pesquisador, sabendo quais animais podem ser ameaçados, iniciativas de conservação poderiam ser feitas desde já, sem ter que esperar que a espécie quase desapareça.

Fonte: National Geographic Brasil

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