EnglishEspañolPortuguês

AQUECIMENTO GLOBAL

Temperatura da água dos oceanos bateu recorde em 2024

A superfície e as profundezas dos oceanos nunca registraram temperaturas tão altas quanto em 2024, uma tendência que deve continuar, colocando em risco a vida marinha e o ciclo climático global

10 de janeiro de 2025
Paloma Oliveto
6 min. de leitura
A-
A+
Bloco de gelo no Oceano Antártico. Foto: NASA/Jane Peterson

Os recordes de calor que fizeram de 2024 o ano mais quente da história recente chegaram aos oceanos, ultrapassando a superfície do mar. Um estudo publicado ontem na revista Atmospheric Sciences demonstrou que no ano passado as temperaturas foram as mais altas já registradas, incluindo em profundezas de 2 mil metros. Além das consequências diretas para a vida marinha, os impactos são negativos para o clima em geral, alertam os pesquisadores.

“Para saber o que está acontecendo com o clima, a resposta está no oceano”, resume John Abraham, professor da Universidade de St. Thomas, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. Noventa por cento do calor excessivo associado ao aquecimento global é armazenado nos mares (90%), sendo que os oceanos cobrem 70% da superfície do planeta. “Por causa disso, o oceano dita nossos padrões climáticos, transferindo calor e umidade para a atmosfera. O oceano também controla a rapidez com que as mudanças climáticas acontecem”, destaca Abraham.

O estudo internacional envolveu 54 cientistas e foi coordenado pelo Instituto de Física Atmosférica da Academia Chinesa de Ciências. Divididos em três equipes, os pesquisadores estudaram dados globais da temperatura oceânica e, no fim, compararam os resultados, que foram consistentes. Uma das conclusões foi a de que, entre 2023 e 2024, o aumento global de calor superior a 2 mil metros nos mares chegou a 16 zettajoules, o equivalente a mais de 140 vezes a geração total de eletricidade do mundo no ano retrasado.

El Niño

 “Nos últimos cinco anos, a temperatura oceânica aumentou constantemente entre 15 zettajoules e 20 zettajoules, independentemente dos ciclos La Niña e El Niño”, explica Michael Mann, pesquisador da Universidade da Pensilvânia e coautor do estudo. Ele se refere aos fenômenos climáticos que podem resfriar ou aquecer o planeta.

A temperatura da superfície — onde as águas e a atmosfera se deslocam — tem sofrido recordes sucessivos, alertam os cientistas. Elas são importantes porque determinam a rapidez com que o calor e a umidade podem ser transferidos do oceano para o ar e, portanto, afetar o clima. “O aumento nas temperaturas da superfície desde o final da década de 1950 tem sido impressionante”, observa Mann.

Segundo o estudo, as mudanças observadas não são uniformes, pois há variações regionais. O Atlântico está se aquecendo com o Mar Mediterrâneo, além de todo o Antártico de latitude média. Enquanto a temperatura se eleva rapidamente em partes do Pacífico Norte, a tendência não foi observada na região tropical deste oceano, principalmente devido ao ciclo La Niña/El Niño naquela área. Mesmo os mares próximos aos polos Norte e Sul estão mais quentes.

Vapor

Kevin Trenberth, cientista sênior do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, destaca que um oceano mais quente afeta a vida marinha e resulta em enormes danos de muitas maneiras. “A principal forma pela qual o oceano continua a influenciar o clima é por meio do aumento do vapor de água na atmosfera, que leva ao aumento prejudicial de extremos no ciclo hidrológico”, disse, em nota.

Além disso, o vapor de água é um poderoso gás de efeito estufa, e o aumento do aquecimento eleva o risco de seca e incêndios florestais, como o que está devastando a Califórnia. “O vapor mais quente também alimenta tempestades de todos os tipos e leva ao risco de inundações. Isso inclui furacões e tufões”, destacou o cientista.

Nos últimos 12 meses, 104 países, incluindo o Brasil, registraram recordes de temperatura. Ao mesmo tempo, sofreram com secas, ondas de calor, inundações e incêndios, fenômenos verificados em todos os continentes em 2024.

Sentinela

“O calor no oceano é a melhor medida para monitorar as mudanças climáticas. Ele é nossa sentinela para o aquecimento planetário, atuando como o principal sumidouro do calor excedente acumulado no sistema climático da Terra como resultado de emissões antropogênicas. Se continuar a haver uma falha em tomar medidas para desacelerar o aquecimento global, a mudança climática sem precedentes e suas implicações, custos e perdas e danos continuarão a aumentar” – Karina von Schuckmann, cientista da organização Mercator Ocean International, na França

Um quarto das espécies de água doce pode desaparecer

Um quarto dos animais de água doce corre risco de extinção, segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameçadas, da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN). A maior avaliação global do tipo, publicada na revista Nature, revelou que 24% das espécies de peixes, caranguejos, lagostins e camarões do mundo correm alto risco de desaparecer.

“A falta de dados sobre a biodiversidade de água doce não pode mais ser usada como desculpa para a inação”, disse, em um comunicado, Catherine Sayer, líder de Biodiversidade de Água Doce da UICN e autora principal do artigo. “As paisagens de água doce abrigam 10% de todas as espécies conhecidas na Terra e são essenciais para a água potável segura de bilhões de pessoas, meios de subsistência, controle de enchentes e mitigação das mudanças climáticas”, lembrou.

O estudo descobriu que pelo menos 4.294 espécies de 23.496 animais de água doce na Lista Vermelha estão em alto risco de extinção. O maior número de ameaçados concentram-se no Lago Vitória (África Ocidental), Lago Titicaca (América do Sul), Zona Úmida do Sri Lanka e Ghats Ocidentais da Índia.

A poluição, principalmente da agricultura e silvicultura, afeta mais da metade de todos os animais de água doce ameaçados. Os ecossistemas são ainda mais degradados pela conversão de terras para uso agrícola, extração de água e construção de represas, que também bloqueiam as rotas de migração de peixes.

Pesca

A pesca e a introdução de espécies exóticas invasoras tiveram um papel particularmente forte em impulsionar as extinções. Por exemplo, a carpa Squalius palaciosi, vista pela última vez em 1999, foi declarada extinta devido à perda de habitat pela construção de represas e açudes e à introdução de espécies exóticas invasoras no sul da Espanha.

O artigo mostrou que, embora os animais de água doce ameaçados estudados tendam a viver nas mesmas áreas que anfíbios, pássaros, mamíferos e répteis ameaçados, eles enfrentam ameaças diferentes devido aos seus habitats específicos. A ação de proteção deve, portanto, ser direcionada a essas espécies.

 “Esse estudo ressalta a situação urgente dos ecossistemas de água doce, com a biodiversidade enfrentando risco significativo de extinção e exigindo intervenção imediata de proteção”, avalia Malin Rivers, Chefe de Priorização de Conservação da Botanic Gardens Conservation International. “É importante abordar as principais ameaças e tomar medidas de proteção direcionadas para mitigar o declínio adicional. Proteger o habitat de água doce mais amplo, incluindo animais e plantas, é crucial para garantir o fornecimento contínuo de serviços ecossistêmicos essenciais para aqueles que dependem dessas paisagens.”

Fonte: Correio Braziliense

    Você viu?

    Ir para o topo