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EXPLORAÇÃO ANIMAL

Senado vai votar projeto de lei que proíbe exportação de animais vivos para consumo

Ao ser avaliada pela Comissão de Direitos Humanos, a sugestão legislativa ficou sob a relatoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que mencionou notícias de superlotação de navios, desgaste físico, dor e práticas cruéis no transporte marítimo de animais vivos

31 de agosto de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
9 min. de leitura
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Nos navios, os animais ficam confinados em espaços reduzidos (Foto: Reuters/Tallia Shipping Line CO. SRL)navio

O Senado vai votar um projeto de lei que proíbe a exportação de animais vivos destinados ao consumo humano. A proposta segue para plenário após ser aprovada, na condição de Sugestão Legislativa (SUG), pela Comissão de Direitos Humanos (CHD) nesta segunda-feira (30).

A SUG 30/2018 foi apresentada pela cidadã Norah André através do portal e-Cidadania. Moradora do Rio de Janeiro, ela argumentou no texto da sugestão que a exportação de animais vivos para consumo humano deve ser proibida no Brasil porque os animais sentem dor e medo, comunicam-se, têm sentimentos e consciência de sua existência. Ao elaborar a justificativa, Norah lembrou ainda que a Constituição Federal determina que o Estado deve garantir a dignidade dos animais e impedir que eles sejam submetidos à crueldade.

Ao ser avaliada pela Comissão de Direitos Humanos, a sugestão legislativa ficou sob a relatoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que mencionou notícias de superlotação de navios, desgaste físico, dor e práticas cruéis no transporte marítimo de animais vivos. Contarato reforçou ainda que os animais são transportados por longas distâncias terrestres antes de embarcarem nos navios e que o transporte em caminhões é feito, na maior parte das vezes, sem a existência de rotas alternativas. A falta de infraestrutura para desembarcar os animais em caso de emergência, submetendo-os ao risco de maus-tratos, também foi citada.

As doenças típicas desse transporte também foram comentadas pelo relator, que citou a peste suína africana como exemplo. Essa enfermidade causou a mote de mais da metade do rebanho de porcos explorados para consumo humano na China e o surto ocorreu por conta da importação de animais vivos.

Para Contarato, a questão sanitária também é um problema da exportação de animais vivos. “A movimentação de animais é infinitamente menos segura do que a exportação de produtos embalados, acondicionados, resfriados, in natura. O controle sanitário é muito mais complexo e a segurança menor no caso de transporte de animais vivos. Considerando que os navios se movimentam em escala mundial em questão de dias, a exportação de animais vivos pode representar um risco para os rebanhos, tanto do importador, quanto para os do exportador”, argumentou o senador.

Contarato desmentiu ainda os argumentos dos defensores da exportação que afirmam que é preciso mantê-la para evitar grandes prejuízos econômicos. Segundo ele, o impacto não seria tão negativo assim, já que as Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro do Ministério da Agricultura mostram que a exportação de boi vivo representou US$ 457,2 milhões em 2019, enquanto a de carne chegou a US$ 16,2 bilhões, um número expressivamente maior.

Crueldade intrínseca

A crueldade é uma prática intrínseca à exportação de animais vivos. A afirmação, frequentemente feita por ativistas, consta em um laudo técnico elaborado por uma médica veterinária que realizou uma perícia no navio NADA em fevereiro de 2018, no Porto de Santos, no litoral de São Paulo. Mais de 27 mil bois estavam confinados na embarcação.

A médica veterinária Magda Regina concluiu “que a prática de transporte marítimo de animais por longas distâncias está intrínseca e inerentemente relacionada à causação de crueldade, sofrimento, dor, indignidade e corrupção do bem-estar animal sob diversas formas”. A inspeção foi realizada após determinação da Justiça Federal.

Bois embarcados no Brasil são transportados amontoados em meio aos próprios excrementos dentro de navio (Foto: Magda Regina)

De acordo com o parecer da especialista, os andares inferiores do navio são os que possuem pior condição de higiene, considerada precária pela especialista. Segundo Magda, a imensa quantidade de urina e excrementos produzida e acumulada no período de sete dias – desde o início do embarque, em 26 de janeiro, até o dia 1 de fevereiro, quando a inspeção foi realizada – propiciou impressionante deposição no assoalho de uma camada de dejetos lamacenta. “O odor amoniacal nesses andares era extremamente intenso tornando difícil a respiração”, afirma.

Magda relata ainda que em alguns andares da embarcação o sistema de ventilação artificial buscava atenuar o efeito do acúmulo de gases e odores, resultado também da decomposição do material orgânico bovino. Para isso, provocava poluição sonora (em decibéis), classificada pela especialista como claramente inoportuna “dado seu elevado grau de ruído”.

É descrito também pela veterinária a presença de um setor específico do navio denominado “graxaria”. No local, um equipamento tritura os animais que morrem durante a viagem. Os restos mortais são lançados ao mar – prática poluidora que acarreta graves prejuízos ao equilíbrio ambiental.

A morte de animais durante o trajeto, devido à insalubridade e aos maus-tratos, é frequente. De acordo com Magda, “o óbito de animais está intrinsecamente ligado à prática de transporte marítimo de carga viva”. Os ferimentos também são constantes. As oscilações “intrínsecas e naturais das correntes oceânicas” e os “movimentos pendulares da embarcação” podem ocasionar a perda de equilíbrio dos animais, que são de natureza terrestre e não marítima, e “causar acidentes traumáticos e sério desconforto fisiológico”. Além disso, acidentes também podem acontecer quando animais deitam no chão, reduzindo o espaço dos outros bois que estão ao seu lado, o que facilita “a ocorrência de tombos ou acidentes assemelhados”.

A superlotação não só do navio, mas dos caminhões, também é extremamente prejudicial aos animais. Segundo a veterinária, “no interior dos caminhões não há mínima possibilidade de mudança de posição do animal uma vez embarcado. No navio, embora haja possibilidade de mobilidade animal mínima em alguns bretes, para o caso de sua lotação não ser extrapolada, a mobilidade em geral é também severamente reduzida e/ou comprometida”. A ausência de espaço impede ainda que os animais descansem ou se movimentem livremente. E, segundo a especialista, quando um dos animais deita, exausto, no chão, ele não só diminui o espaço dos outros bois como também é obrigado a ter “contato íntimo com seus dejetos e os dejetos de outros animais”.

Os excrementos produzidos pelos animais são frequentemente abordados no laudo elaborado pela veterinária. Segundo ela, “a produção de dejetos (excrementos e urina) pelos animais nesses ambientes fechados, os expõe de maneira íntima e constante a um cenário de intensa insalubridade”.

Quanto à ventilação, níveis de temperatura e umidade dos locais onde são mantidos os bois, a veterinária conclui que “a embarcação realiza ventilação e exaustão dos pisos inferiores provocando severa poluição sonora e garantindo incompleta circulação e renovação dos gases lá encontrados. Decorre daí o registro de temperaturas elevadas nesses recintos assim como taxas de umidade extremas que comprometem claramente o bem-estar animal”.

Magda afirma ainda que o transporte de animais por longos períodos, seja por meio terrestre ou marítimo, sujeita os bois a uma experiência completamente alheia à sua natureza originária. “A insalubridade a que são expostos, o movimento dos veículos (tais como frenagem, balanço, variação de velocidade, manobras veiculares bruscas), o confinamento demorado, as restrições hídricas e alimentares, etc, por longos períodos e distâncias, seja por meio terrestre como por meio marítimo, sujeita estes organismos a uma experiência completamente alheia à sua natureza originária”, diz a médica veterinária.

Nas considerações finais do laudo, Magda conclui que “são abundantes os indicativos que comprovam maus-tratos e violação explícita da dignidade animal, além de ultrapassar critérios de razoabilidade elementar as cinco liberdades garantidoras do bem estar animal” (confira o parecer da médica veterinária na íntegra clicando aqui).

A crueldade da exportação de animais vivos, no entanto, não se limita ao transporte marítimo realizado pelo Brasil. Isso porque as péssimas condições as quais animais de diferentes espécies são submetidos dentro dos navios representam um padrão nesse tipo de transporte. Na Austrália, uma investigação feita pelo especialista em integridade do setor público, Philip Moss, revelou os abusos sofridos pelos animais que são exportados vivos em embarcações. Antes do relatório feito por Moss, a Animals Australia já havia feito outras denúncias, agindo nos últimos 15 anos como o principal órgão de fiscalização do setor.

“Embora seja um alívio que a verdade esteja no registro público, a grande tragédia é o número de animais que sofreram abusos extremos e prolongados nas mãos dessa indústria”, afirmou White. “Nunca devemos esquecer que as exportadoras foram preparadas para fornecer animais quem estariam prestes a enfrentar facadas, marretas, sofrimento e mortes por insolação em navios”, completou.

Na Índia, ativistas pelos direitos animais também denunciam o sofrimento de ovelhas e cabras exportadas vivas. A Federação das Organizações Indianas de Proteção aos Animais (FIAPO) escreveu uma carta ao gabinete do ministro principal de Maharashtra (CMO) falando sobre a exportação cruel de mais de 3.600 ovelhas e cabras vivas para Sharjah, através do aeroporto de Nashik.

“A exportação de animais vivos é extremamente cruel, pois os animais sofrem negligência, sofrimento e muitos morrem a caminho do destino. Esse tratamento dos animais não condiz com nossa cultura. Essa exportação também está ocorrendo sem qualquer documentação, orientação e formalidades e sem seguir o procedimento obrigatório estabelecido pela lei indiana. É, portanto, ilegal e viola várias disposições de nossas leis”, declarou a carta da FIAPO à CMO.

“Além disso, o aeroporto Nashik não possui instalações de quarentena obrigatórias onde os animais podem ser mantidos, observados e cuidados. Eles são deixados em aberto, nenhum certificado de saúde de veterinários certificados foi fornecido e as diretrizes de transporte não foram seguidas. Todas as diretrizes citadas acima são desprezadas. Apesar de ter fortes leis de proteção animal, a exportação ao vivo da Índia é um escárnio da vida desses animais, bem como o estatuto. Pedimos que você seja sensível ao sofrimento desnecessário dos animais sendo enviados para fora do país”, completou.

Em Portugal, a PATAV – Plataforma Anti-Transporte de Animais Vivos também luta para por fim à exportação de animais vivos. Membro da Sociedade Protectora dos Animais, de Portugal, Rita Lavado expôs o sofrimento de ovelhas e vacas transportadas em navios que partem dos portos das cidades portuguesas de Setúbal e de Sines, com destino a Israel. A ativista abordou, em um artigo publicado no portal Notícias ao Minuto, a sensibilidade e inteligência das ovelhas, condenadas a tamanha crueldade.

“Além de abanarem a cauda quando estão felizes, as ovelhas utilizam diferentes expressões faciais para comunicar as suas emoções. Também conseguem captar as expressões emocionais de outras ovelhas ou de seres humanos. Formam laços fortes umas com as outras e com humanos”, explicou.

Tímidas, as ovelhas ficam facilmente amedrontadas. Como possuem audição apurada, ficam incomodadas e assustadas com ruídos altos. Essas características tornam o transporte marítimo ainda mais cruel para elas, já que a sensibilidade das ovelhas amplia o sofrimento vivenciado nos navios. O sofrimento também é imenso para as vacas, que são seres sensíveis e dóceis.

“O transporte de animais vivos é um atentado aos seus direitos e ao seu bem-estar. Nestas viagens, que têm a duração de vários dias, estes animais são tratados como objetos. São amontoados, sem espaço suficiente para se deitarem, ficam cobertos de fezes e urina, doentes, desidratados, gravemente lesionados… muitos não chegam vivos ao seu destino”, concluiu a ativista.

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