EnglishEspañolPortuguês

RISCO

Relatório mostra que a criação de animais selvagens em cativeiro pode causar novas pandemias

Fora de seus habitats, esses animais podem passar doenças para humanos e, dependendo da doença, elas podem se espalhar

4 de março de 2024
Júlia Zanluchi
5 min. de leitura
A-
A+
Foto: Kristie Wielandt | WSPA

Um relatório compartilhado com o Daily Mail, da Inglaterra, revelou que 5,5 bilhões de animais selvagens de 487 espécies diferentes estão sendo mantidos em condições cruéis, criando risco tanto para humanos quanto para os animais.

Com até 50 mil animais em uma única fazenda, pesquisadores da World Animal Protection (WAP) afirmam que o risco de uma pandemia transmitida por animais em grande escala, como a Covid, não é uma questão de “se”, mas de “quando”. De fazendas de leões na África do Sul a falsos santuários de elefantes na Tailândia, o relatório destaca a chocante crueldade por trás dessa indústria multibilionária.

“As pessoas olham para a Covid-19 como se fosse algo isolado, mas é apenas uma de uma longa série de doenças zoonóticas”, disse Nick Stewart, diretor global de campanhas da WAP, ao Daily Mail.

Pesquisadores da WAP analisaram registros online de todo o mundo para determinar a extensão da criação de animais selvagens. Os registros online sugeriram que entre 936 e 963 milhões de animais selvagens foram criados fora de seu habitat entre 2000 e 2020. Solicitações às autoridades governamentais revelaram mais 858 mil animais selvagens de 28 espécies diferentes entre 2021 e 2022, apesar de muitas autoridades não responderem. No entanto, espera-se que os números oficialmente relatados sejam apenas uma pequena fração do número total.

Com base nos dados disponíveis, os pesquisadores estimaram números para países onde os dados eram escassos ou indisponíveis. Embora a World Animal Protection destaque que isso é um “cálculo muito rudimentar”, eles estimam que o verdadeiro número pode ser em torno de 5,5 bilhões de animais criados em todo o mundo.

Enquanto a indústria global de criação de animais selvagens em cativeiro cria centenas de espécies diferentes, os pesquisadores destacam três em particular: ursos, elefantes e leões.

Ursos-negros, ursos-de-óculos e ursos-pardos são explorados por sua bile altamente valorizada na Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Os pesquisadores encontraram registros de mais de 24 mil ursos em fazendas na China, Vietnã, Laos, Myanmar e Coreia do Sul. No entanto, a prática é mais comum na China, onde fazendas são operadas por grandes empresas farmacêuticas em uma indústria que vale mais de 1 bilhão de dólares (aproximadamente 5 bilhões de reais).

Para extrair a bile, os ursos passam por uma cirurgia inserir um cateter na vesícula biliar para que ela possa ser drenada diariamente. O processo é doloroso e propenso a infecções, levando muitos ursos à morte ou sendo equipados com “corpetes de ferro” para impedi-los de arranhar ou morder a ferida. As condições para os ursos são tão ruins que a pesquisa descreve “feridas, condições de pele, parasitas, perda de pelos, deformidades ósseas, lesões, membros inchados, problemas dentários e respiratórios, diarreia e cicatrizes”. Ursos também são desunhados e, às vezes, têm seus dentes removidos para evitar que machuquem os criadores e a si mesmos.

Enquanto isso, leões são principalmente criados na África do Sul, onde são usados nas indústrias do turismo e MTC. A pesquisa da WAP sugere que atualmente existem 7.979 leões sendo criados em 366 instalações na África do Sul. Filhotes de leão são usados em experiências de acariciamento e “caminhada com leões” até ficarem muito velhos e perigosos para estar perto de humanos. Quando isso acontece, eles são usados em “caças enlatadas”, onde turistas ricos pagam por experiências de caça com os animais presos. Depois de mortos, seus ossos e partes do corpo são vendidos para uso na MTC.

Ao contrário de leões, ursos e muitos outros animais selvagens, elefantes não são criados principalmente por suas partes do corpo, mas por seu papel na indústria do turismo. “Esses são animais inteligentes e de longa vida que são criados ou reproduzidos em cativeiro para a indústria do entretenimento selvagem”, disse Mr. Stewart.

Filmagens feitas entre 2018 e 2020 revelaram como elefantes bebês são treinados para atender às demandas da indústria do turismo. As filmagens mostram como eles são amarrados com correntes e cordas para aprender a se submeter à instrução humana ou enfrentar punição. Os domadores de elefantes usavam um gancho, vara e até pregos para infligir dor no elefante bebê durante duas sessões todos os dias. O abuso é tão grave que alguns pesquisadores sugeriram que muitos deles sofrem de transtorno de estresse pós-traumático.

Enquanto a indústria internacional de criação de animais selvagens causa sérios danos aos animais que afeta, também cria um risco para os humanos. Doenças zoonóticas são doenças infecciosas que podem passar de animais para humanos. Estima-se que a cada ano dois milhões de mortes humanas sejam causadas por essas doenças, mais de 70% das quais são de origem selvagem. Em alguns casos, isso só é perigoso para a pessoa imediatamente infectada, mas em outros a doença pode se transferir de humano para humano.

No Vietnã, a WAP descobriu que fazendas de animais selvagens mantinham pelo menos 43 mil animais de espécies que representavam um risco especialmente alto de transmitir doenças perigosas aos humanos.

A professora Diana Bell, especialista em doenças zoonóticas emergentes da Universidade de East Anglia, disse que há uma possibilidade de outra pandemia do tamanho da Covid surgir em uma dessas fazendas. “É como a criação de aves; quando você tem muitos animais em condições de saúde precárias amontoados juntos, eles são mais suscetíveis a doenças,” disse ela. Ao contrário da criação de aves, a professora Bell explica que o risco de uma nova pandemia vinda de animais selvagens é ainda maior devido ao quanto pouco sabemos sobre as doenças de algumas dessas espécies. “Sabemos muito sobre as doenças que os bois carregam, sabemos muito menos sobre as doenças que a vida selvagem carrega”, explicou ela.

Apesar dos enormes riscos para os humanos e animais, pouco foi feito para restringir a indústria. Muitos países incentivam abertamente a prática como uma fonte lucrativa de renda e não fazem vista grossa para casos em que as regras são quebradas.

    Você viu?

    Ir para o topo