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RIQUEZA AMEAÇADA

Raias gigantes ameaçadas de extinção vivem na Baía de Guanabara em meio a poluição

22 de março de 2022
Ana Lucia Azevedo
5 min. de leitura
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Raia-viola-de-focinho-curto na poluída Baía de Guanabara (Foto: Ricardo Gomes/Instituto mar urbano)

Há mais riqueza e mistério no centro do Rio de Janeiro do que a vista alcança. Na orla, as águas da Baía da Guanabara, que de tão turvas parecem sem vida, abrigam alguns dos peixes mais espetaculares do mundo. São raias gigantes ameaçadas de extinção, que encantam ao nadar como se fossem borboletas com quase três metros de envergadura. Vivem por lá em tamanha quantidade que surpreenderam os biólogos que as descobriram.

O recanto das raias-borboletas (Gymnura altavela) em pleno Centro se estende da Praça XV até a cabeceira da pista do Aeroporto Santos Dumont, onde se reproduzem e se refugiam.

Projeção no Cristo

Mais de cem animais já foram fotografados e filmados juntos, numa única noite, pelo biólogo marinho e diretor do Instituto Mar Urbano (IMU), Ricardo Gomes, que há três décadas mergulha na Guanabara. Além das borboletas, raias de outras espécies também se reúnem na região.

Por ora, ainda não existe explicação para tamanha concentração numa área tão castigada por décadas de poluição e descaso.

Raia-chita é uma das espécies gigantes encontradas na região (Foto: Ricardo Gomes/Instituto mar urbano)

“É um verdadeiro mistério. No meio daquela água turva e tão suja dá esperança ver que a vida insiste em resistir, em formas espetaculares”, afirma Gomes.

A poucos passos do vaivém das multidões pedestres e de aviões em manobras de pouso e decolagem, peixes encontraram um mar de tranquilidade — que pode estar com os dias contados, caso o Santos Dumont sofra obras de ampliação, alertam biólogos.

Estudos anteriores já haviam mostrado o perigo da ampliação do aeroporto para tartarugas e aves marinhas. Agora, biólogos como Gomes revelam que os danos podem ser ainda maiores.

“O reduto das raias e de uma série de outras espécies valiosas de peixes será destruído, caso a pista do Santos Dumont seja ampliada. Mergulhamos com regularidade nas águas do Centro e sempre nos maravilhamos com o que vemos”, afirma o biólogo, um dos autores do recém-lançado “Guia de Identificação Simplificado das Raias da Guanabara”.

O guia, que poderá ser baixado gratuitamente na internet a partir de amanhã, no site do IMU (institutomarurbano.com.br), traz essas descobertas. Em abril, o IMU também vai lançar um filme sobre o paraíso das raias na Baía, resultado de uma expedição apoiada pela OceanPact.

As raias da Guanabara, que parecem voar dentro d’água, vão ganhar os céus amanhã. Fotos feitas por Ricardo Gomes serão projetadas no Cristo Redentor, durante a cerimônia inaugural da plataforma de sustentabilidade urbana Rio2030.

Coautor do guia, o também biólogo e mergulhador Nathan Lagares Araújo lembra que, com sete espécies registradas, a Baía de Guanabara é a quinta baía com maior diversidade de raias do mundo. Boa parte dessa riqueza biológica se reproduz e busca abrigo justamente na cabeceira da pista do Santos Dumont.

Na cabeceira da pista voltada para a Praça XV concentra-se o abrigo das raias. Já a parte virada para a direção do Flamengo tem como prosseguimento um enorme muro de pedra submerso que se transformou em uma espécie de recife artificial. Naquele local, segundo Ricardo Gomes, é mais fácil encontrar garoupas do que no cristalino mar de Angra dos Reis. Além de garoupas, há robalos, sargos-de-beiço, marimbas, moreias e espécies ornamentais, como os coloridos paru e peixe-frade.

As raias são definidas como espécies bandeiras, ou seja, estão no topo da cadeia alimentar. Sua presença é um indicador consistente de que o ecossistema local é capaz de abrigar toda uma comunidade marinha.

Entre as raias existentes na Baía de Guanabara está outro exemplar gigante, a raia-chita (Aetobatus narinari), também ameaçada de extinção, conhecida pela beleza de sua coloração. Negra e coberta por pintas brancas, ela chega a medir mais de três metros de envergadura.

À beira da costa carioca, ainda tem lugar de destaque na fauna local a treme-treme (Narcine brasiliensis), uma raia elétrica, nativa do Brasil. Sabe-se muito pouco sobre o animal, que mede cerca de 50 centímetros e tem capacidade de emitir descargas elétricas e capturar suas presas. A Baía de Guanabara também tem uma população de raias-viola. Essas são as mais conhecidas, vendidas em feira e mercados.

Segundo Gomes, sequer se sabe o verdadeiro estado de conservação das raias-viola, que, de tão exploradas, estão se tornando raras e podem desaparecer se a pesca comercial não for controlada. O biólogo diz ainda que, muitas vezes, carne de outras raias e tubarões é vendida irregularmente como viola.

“Isso é patrimônio da cidade. Em muitos lugares do mundo, a indústria do turismo gera emprego e renda com a observação de animais marinhos. Junto ao Santos Dumont e na Praça XV temos uma concentração de raias maior do que as observadas em lugares paradisíacos, como a Indonésia e o Havaí”, enfatiza Gomes.

Ricardo Gomes (Foto: Custódio Coimbra/Agência O Globo)

Ameaças à baía

Nathan Araújo salienta que o guia foi lançado justamente para estimular a população do Rio e seus visitantes a conhecerem e valorizarem a fauna da cidade, única no mundo quando o assunto é biodiversidade urbana.

“Acreditamos que pode haver mais espécies de raias. A baía está doente, mas não está morta, ela é o lar de centenas de espécies marinhas que vivem no limite sob constante ameaça. A mais recente é justamente o projeto de ampliar o Santos Dumont”, salienta Araújo.

Nenhuma das sete espécies encontradas na Baía de Guanabara oferece perigo ao ser humano. Eles não atacam e o temido ferrão na ponta do rabo só é um risco, se a pessoa tenta tocar ou intimidar o animal. As raias são vítimas. Sofrem com a poluição, a perda de habitat e a pesca comercial. E, agora, com a ameaça de seu local de refúgio ser destruído.

Os pesquisadores temem que, se perderem seu habitat, as raias-borboletas da Guanabara poderão vir a ter o mesmo destino de seu parente peixe-serra (Pristis perotteti), que desapareceu há mais de uma década.

“A região do Centro é o coração da Baía de Guanabara. Não podemos deixar que seja destruído. Ao contrário, precisamos salvá-lo”, diz Gomes.

Fonte: Extra

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