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Projeto reintroduz águia em meio natural

14 de julho de 2011
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Uma das primeiras águias-pesqueiras a chegar ao Alqueva, no seu berço de palha. Foto: Enric Vives-Rubio/ Ecosfera

Ao primeiro clique da máquina fotográfica, uma das aves pia. É um som alto, num timbre imponente, que a princípio parece abafar os demais ruídos à volta, para imediatamente a seguir os despertar: uma cigarra que canta, um peixe a saltar da água, a brise leve sobre as azinheiras. Um novo clique, mais um pio e todos ali à volta – o biólogo Luís Palma, os representantes da empresa dona da propriedade, os jornalistas do PÚBLICO – a andar em pontas de pés, de modo a manter o máximo silêncio.

Silêncio, peixes, sombra e água fresca é tudo de que necessitam, neste momento, dez jovens águias-pesqueiras trazidas da Suécia e da Finlândia para as margens do rio Alqueva. Na terça-feira passada, cinco já ocupavam as grandes gaiolas de madeira montadas sobre palafitas, a poucos metros do espelho de água. Depois chegariam mais cinco.

É a concretização de um projeto antigo para fazer com que a águia-pesqueira volte a reproduzir-se em Portugal. Esta espécie de ave de rapina (Pandion haliaetus) pode ser vista em muitos pontos do país, durante as suas migrações do Norte da Europa para África, no Outono. Mas a população nidificante, em declínio desde o princípio do século passado até ficar reduzida a um único casal na costa alentejana, desapareceu com a morte da fêmea, em 1997 – num episódio que assinalou em tempo real a extinção regional de uma espécie. Desde então, falharam todas as tentativas de se lançar um projeto de introdução da águia-pesqueira, uma das espécies de rapina mais emblemáticas de Portugal. Agora, dez delas vão passar uma breve temporada de adaptação à paisagem do Alentejo, antes de serem libertadas. Até 2015, mais dez por ano serão importadas.

As águias, com quatro a cinco semanas de vida, são colhidas do ninho, na Escandinávia, onde a espécie é abundante. Transportadas em aviões, são levadas para as gaiolas, onde permanecem durante três a quatro a semanas, com vista para o Alqueva e o montado.

“A ideia de trazer filhotes é de fazer o imprinting do local, ou seja, elas têm de saber que são dali. Se trouxéssemos adultos, voltavam para o mesmo lugar”, explica o biólogo Pedro Beja, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) – uma organização privada, ligada à Universidade do Porto, que tomou a iniciativa do projecto.

Quando forem soltas, terão à sua disposição estruturas de madeira posicionadas na margem da albufeira, com traves onde pousar e alimentadores. Mas provavelmente desaparecerão, dispersando pela região ou possivelmente migrando para África. A expectativa é a de que, ao chegarem à maturidade sexual, regressem para nidificar no Alqueva, identificado como sendo a sua origem. Ninhos artificiais serão colocados em ilhas da albufeira. “Elas não vão voltar à Finlândia ou à Suécia, isto é seguro”, garante Luís Palma, coordenador científico do projeto e que há décadas acompanha a movimentação da águia-pesqueira em Portugal.

Não é uma iniciativa inédita. “Isto é feito nos Estados Unidos há 50 anos”, diz Luís Palma. Espanha também se lançou num projeto semelhante, com aves importadas da Alemanha. Oito anos e uma centena de libertações depois, dois ou três casais voltaram a procriar no país.

Luís Palma afirma que metade das águias pode morrer, o que é natural. Os responsáveis do projeto estão conscientes de que, para ter resultado, o esforço terá de ser de longo prazo.

Para já, contam com 640 mil euros de financiamento para cinco anos. O dinheiro não vem do Estado, mas de uma empresa, a EDP, que ironicamente é alvo sistemático de críticas por parte de organizações ambientalistas, pelo impacto da construção de barragens em zonas de elevado interesse natural. Mas, segundo a EDP, apoiar um projeto como o da águia-pesqueira não é uma tentativa de amenizar os ataques. “Não é essa a nossa visão”, diz Antônio Neves de Carvalho, diretor de ambiente e sustentabilidade da empresa. O projeto “dá continuidade à estratégia da EDP para acrescentar valor à biodiversidade”, diz Neves de Carvalho, salientando o fato de se poder repovoar as albufeiras com uma espécie que já terá sido comum em águas interiores no passado.

O projeto também tem o apoio da Sociedade Alentejana de Investimentos e Participações (SAIP), uma empresa do grupo Roquette que tem em curso a construção de um grande empreendimento turístico no Alqueva. A morada das águias é a herdade do Roncão, que dá nome ao projeto turístico – antes conhecido como Parque Alqueva e também contestado por ambientalistas.

Para André Roquette, administrador da SAIP, a iniciativa das águias enquadra-se na filosofia de sustentabilidade do empreendimento, cujo impacto na biodiversidade vai ser aferido com base numa caractezição já feita da situação de referência. “Estamos sempre abertos, dentro das nossas disponibilidades, a contribuir com esses projetos”, afirma.

O Alqueva também foi contestado por várias organizações de defesa do ambiente. Mas para os líderes do projeto, era a opção ideal: é uma zona com pouca perturbação, muito espaço e peixes em abundância. Para as águias escandinavas, agora é esse o seu berço. Ao pé das suas gaiolas, sussurram-se as perguntas e as respostas da entrevista. Mais longe, à vontade sob a sombra de uma azinheira, Luís Palma reconhece que ele próprio foi contra a construção da barragem. E diz que muitos dos peixes que lá estão são de espécies introduzidas artificialmente na bacia do Guadiana. “É tudo artificial, mas tem um grande potencial”, afirma. “Temos de ser pragmáticos”.

O Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) – que nunca dera seguimento a projetos anteriores de reintrodução da águia-pesqueira – agora está animado. “Começou por ser um pedido de importação de animais”, afirma o seu presidente, Tito Rosa. “Mas desde logo pensámos que o projeto deveria evoluir para potenciar a reintrodução em áreas protegidas”, completa. Uma fase seguinte, que o ICNB tentará apoiar financeiramente, poderá ser no estuário do Sado.

Por ora, com as penas das asas ainda por crescer, as jovens águias permanecem o tempo todo pousadas nas suas camas de feno, vigiadas por um circuito interno de TV e refrescadas com um ducha automática, sempre que a temperatura sobe acima dos 30 graus Celsius.

A águia-pesqueira está ameaçada apenas regionalmente, no Sul da Europa, no Mediterrâneo e na Macaronésia. Com vastas populações no Norte da Europa, as possibilidades de reintrodução são mais fáceis do que as de uma espécie em risco global de extinção, como o lince. “É bom intervir na conservação antes que as coisas estejam mal”, diz Luís Palma. “Este projeto pode servir de exemplo.”

Fonte: Ecosfera

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