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FAUNA AMEAÇADA

Proibida por lei, caça a animais se intensifica com apoio do governo Bolsonaro

Além dos anseios e desmandos do presidente, parlamentares no Congresso também se esforçam para aumentar a devastação ambiental e o sofrimento imposto aos animais, já que sete projetos de lei que tentam flexibilizar a caça no Brasil, proibida desde 1967, estão em tramitação

12 de julho de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
5 min. de leitura
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Foto: Reprodução/Freepik

A flexibilização da venda e do porte de armas e o desmonte dos órgãos responsáveis por punir crimes ambientais são ações do governo de Jair Messias Bolsonaro (sem partido) que dão força à caça de animais silvestres, amplamente defendida por ele e por seus aliados. O resultado é o aumento acelerado no número de brasileiros registrados como CACs. A sigla se refere a “caçadores, atiradores e colecionadores” de armas.

Além dos anseios do presidente, parlamentares no Congresso também se esforçam para aumentar a devastação ambiental e o sofrimento imposto aos animais, já que sete projetos de lei que tentam flexibilizar a caça no Brasil, proibida desde 1967, estão em tramitação.

Gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial, João Almeida alerta para a relação entre a perda da biodiversidade e a caça e aborda também o risco de doenças acometerem seres humanos em decorrência da caça, conforme já foi alertado por estudos que mostram que destruir os ecossistemas aproxima da população vírus que antes eram restritos às florestas.

“A caça tem aumentado com apoio do governo, que deveria coibi-la, já que é ilegal no Brasil. Como falar em porte de arma para caça esportiva se caçar é proibido por lei? Ela espalha doenças e facilita o acesso do cidadão comum a armamentos. Empodera criminosos e ameaça a sociedade. Ambiente preservado significa doenças sob controle”, pontuou Almeida ao jornal GLOBO.

A unidade brasileira da instituição Proteção Animal Mundial (WAP, na sigla em inglês) é uma das 137 entidades signatárias do manifesto contrário à flexibilização da venda e do porte de armas de fogo promovida pelo governo federal. O documento, enviado ao Congresso, também critica o desmonte ambiental e a devastação da natureza.

Conforme exposto no manifesto, o Decreto 9.846/2019 aumentou a cota de armas para caçadores de 12 para 30, sendo 15 de uso restrito, incluindo fuzis semiautomáticos. O governo também garantiu que cada caçador tenha o direito a adquirir anualmente até 5 mil munições para cada arma de uso permitido e até mil para as de uso restrito.

O problema do acesso às armas, que já vinha se tornando maior nos últimos anos, só piorou com a eleição de Bolsonaro. Conforme levantado pelo jornal GLOBO, em dez anos aumentou em 737% a quantidade de pessoas registradas como CACs, incluindo caçadores. No primeiro ano de Bolsonaro no poder, o crescimento foi ainda mais acelerado.

E embora tantas pessoas se denominem caçadoras – e outras tantas pratiquem a caça mesmo sem registro -, é proibido caçar animais silvestres no Brasil, com exceção apenas para o javali europeu e o javaporco, híbrido de javali com porco doméstico. Alvos de caçadores, esses animais sofrem desde que foram trazidos ao Brasil para serem explorados para venda de carne. O negócio não prosperou e eles foram abandonados à própria sorte. Anos depois, em 2013, sob a justificativa de promover o controle populacional da espécie – que deveria ser realizado, de maneira efetiva, através da castração -, o Ibama autorizou a caça desses animais. A autorização, porém, não serviu para reduzir o número de animais da espécie, mas mesmo assim continua em vigência.

“Existe a desculpa do controle do javali para o caçador entrar no mato e matar o que quiser. Mas a caça fracassou completamente em erradica-los. Só o que vemos são mais caçadores e javalis, inclusive em lugares onde não existiam e onde só poderiam chegar se levados pelo ser humano, como a Ilha Bela (SPO). A caça é uma ameaça à segurança e à saúde públicas”, asseverou Almeida.

Para o gerente de Fauna do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a caça gera problemas que a sociedade brasileira não deveria ter. Ao se posicionar sobre o tema, Marcelo Cupello da Silva lembrou que não é verídica a ideia de que pessoas caçam porque precisam se alimentar. “É mais barato comprar frango do que cápsulas de balas. As pessoas entram nas florestas do entorno das cidades para matar porque gostam. Matam tatu, paca, gambá, capivaras, tudo o que restou de nossa biodiversidade. Alguns dizem que carne de capivara é uma iguaria. Se soubessem a quantidade de vermes, carrapatos e patógenos que esses roedores têm, talvez não os comessem”, disse.

Cupello apontou ainda a contradição dos brasileiros que reprovam os chineses – e, em certos casos, praticam xenofobia – porque parte da população da China come morcego, mas acham correto matar tatus e pacas para comer – os primeiros, reservatórios da bactéria da hanseníase, já a paca, hospedeira dos vermes da hidatidose, doença que leva ao surgimento de cistos em órgãos como o fígado. Enfermidades que não atingiriam os humanos se os animais pudessem viver em paz em seu habitat.

Apesar disso, não só a caça tem aumentado, como também o comércio da chamada “carne de caça”. Em 2020, a Polícia Militar Ambiental apreendeu em sete meses 300 armas de fogo que estavam em posse de caçadores do estado de São Paulo. Conforme explicado ao GLOBO pelo biólogo Izar Aximoff, a demanda por carne de caça tem impulsionado as caçadas.

O cenário se torna ainda mais crítico quando, ao observar os dados sobre o número de caçadores registrados no Brasil e vislumbrar os outros tantos que caçam sem registro, conclui-se que a devastação tem sido cada vez maior, já que um único caçador pode causar uma destruição imensa na natureza, conforme explicitado pela bióloga Vanessa Teixeira, assessora técnica do Inea.

Isso ocorre, segundo a especialista, porque há muitas espécies de animais silvestres no Brasil, porém com poucos indivíduos em suas populações. Não é atoa que a caça já causou a extinção de muitos animais e colocou centenas de outros sob risco de desaparecer por completo da natureza. “Nossas florestas estão sob intensa pressão. Não sabemos até quando vão aguentar”, lamentou Teixeira.

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