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ENTREVISTA

Pesquisadora Mariah Peixoto analisa relações entre seres humanos e outros animais associadas a discussões essenciais para o futuro do planeta

2 de abril de 2024
Redação ANDA
9 min. de leitura
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Foto: Divulgação

Quão diferente seria nossa sociedade se, desde a educação escolar, crianças e adolescentes refletissem criticamente sobre nossa relação com outras espécies animais? E como seriam nossas vidas e hábitos se nossos professores nos estimulassem a entender todos os animais como seres dignos de respeito, empatia, direitos e inclusão em nossa comunidade moral?

Buscando encontrar essas respostas e transformar tal utopia em realidade, a pesquisadora e ativista vegana Mariah Peixoto (EACH-USP) acaba de publicar um livro que visa inserir a discussão da libertação animal em salas de aula brasileiras, explicando tanto a necessidade de tal inserção quanto como ela pode ser feita. Lançado em outubro de 2023 pela Editora Boyrá, “Reflexões Animais: Por Uma Pedagogia Para Além do Humano” almeja popularizar assuntos complexos e urgentes, tendo como público-alvo leitores que desejam construir novos e melhores futuros.

Dividido em duas partes, a primeira metade da obra analisa como a nossa relação com outros animais está intimamente associada a discussões essenciais para o futuro do planeta e das vidas que aqui habitam, levantando argumentos socioambientais, éticos, políticos, médicos e muitos outros. E, buscando fazer com que essas reflexões cheguem a cada vez mais mentes, a segunda parte verifica como podemos analisar tais assuntos pelas perspectivas dos seguintes componentes curriculares: Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Biologia, Física, Química, Linguagens e Matemática, apostando no poder transformador da Educação.

O livro nos convida a repensar os hábitos e valores que cultivamos em nossa sociedade, enxergando para além do humano e incentivando mudanças profundas e necessárias. E, para melhor compreender essa proposta e suas ideias, entrevistamos a autora Mariah Peixoto para o Portal ANDA News. Acompanhe abaixo:

ANDA — Como surgiu o livro “Reflexões Animais: Por Uma Pedagogia Para Além do Humano”? E o que te motivou a escrevê-lo?

MP: “Reflexões Animais” é fruto de pesquisas que desenvolvo na Universidade de São Paulo (USP) desde 2017, quando ingressei no curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH (Campus Leste). Logo no início da graduação, entrei em contato com o grupo de pesquisa D.I.A.N. (Debates e Investigações sobre Animais e Natureza), que trabalha temas como direitos animais e sustentabilidade nas escolas da periferia de São Paulo, e nele comecei a desenvolver pesquisas e a me aprofundar nos debates sobre veganismo e libertação animal.
Nesse grupo, desenvolvi projetos de iniciação científica discutindo ética e questões socioambientais com crianças e adolescentes do Jardim Keralux (Zona Leste paulistana), realizei dois intercâmbios de pesquisa, no Canadá e na Suécia, publiquei artigos e participei de diversos eventos e palestras sobre a temática. E, durante esses processos, comecei a analisar quais eram as principais dificuldades encontradas em nossos trabalhos nas escolas e como poderíamos potencializá-los.

Como resultado, acabei por perceber que muitos dos entraves estavam relacionados ao fato dos professores das crianças e adolescentes com os quais trabalhávamos não compreenderem tão bem a necessidade de falarmos sobre libertação animal em sala de aula, chegando até a temer tais discussões e seus impactos. E, tendo isso em mente, decidi que, em meu trabalho de conclusão de curso (TCC), eu escreveria um texto voltado para adultos, explicando de maneira bastante didática as razões pelas quais precisamos, urgentemente, lutar pelo fim da exploração animal e inserir esses temas em ambientes educacionais. Meu TCC, portanto, foi o primeiro rascunho de “Reflexões Animais”, que acabou sendo publicado um pouco mais de um ano após minha graduação.

ANDA — A leitura é destinada para educadores, então? Quais são seus públicos-alvo?

MP: Não somente. A leitura é certamente recomendada para educadores, dado que traz algumas ideias sobre como podemos usar a educação para potencializar nossas lutas em defesa de todas as vidas que aqui habitam. Contudo, o texto foi escrito buscando sanar dúvidas e introduzir a temática da libertação animal à qualquer pessoa interessada em entender os diferentes impactos da nossa atual forma de lidar com outras espécies.

Por mais que o livro seja fruto de pesquisas acadêmicas, eu visei escrevê-lo de maneira acessível e fluida, explicando conceitos e respondendo perguntas que as pessoas frequentemente fazem ao pensar sobre veganismo e outros temas associados. Além disso, os capítulos destinados aos componentes curriculares não trazem planos de aula ou exercícios, mas sim análises que nos mostram o que a defesa pelos direitos animais tem a ver com diversos conteúdos que aprendemos na escola.

“Reflexões Animais”, portanto, estuda nossa relação com outras espécies animais por diferentes lentes, verificando como o assunto tange diferentes áreas do conhecimento e trazendo abordagens que são facilmente compreendidas por qualquer leitor que tenha cursado ou esteja cursando o Ensino Médio.

E, por mais que eu tenha escrito o livro pensando na maioria da população brasileira, ou seja: pessoas não veganas e que não são ativistas pelos direitos animais, esse também é super recomendado para esses públicos! Afinal, trago inúmeros argumentos, fontes e respostas para perguntas que ouvimos o tempo inteiro ao longo de nossas lutas. É uma excelente carta na manga!

Foto: Divulgação

ANDA — O livro argumenta pela urgência de mudarmos nossos hábitos e relação com as outras espécies animais. O que fundamenta essa abordagem?

MP: Os argumentos que trago são bastante diversos e abrangentes. Afinal, como a proposta é, justamente, introduzir o tema da libertação animal e analisá-lo por diferentes perspectivas, o livro definitivamente não se prende a uma única abordagem.

A obra começa falando sobre questões socioambientais, como mudanças climáticas, desmatamento e ecojustiça, e segue discutindo questões políticas, relações entre diferentes tipos de opressões e explorações, temas sobre saúde individual e coletiva, assuntos éticos, reflexões sobre crueldade, empatia, desenvolvimento científico, entre muitos outros.

Eu analiso, portanto, como nossa atual relação com as outras espécies está afetando não apenas as espécies exploradas e oprimidas, mas sim todas as espécies que aqui habitam, inclusive a nossa. É um grande apelo por cuidado e respeito à vida, em todas as suas formas.

ANDA — Pensando em outras obras já publicadas sobre o tema, qual seria o diferencial de “Reflexões Animais”?

MP: Além da abordagem literalmente multidisciplinar e bastante didática, creio que o diferencial da obra é a aposta que faço no poder da educação, buscando formas de inserir a defesa da libertação animal em um dos espaços mais basilares de nossa sociedade: as escolas.

A obra enxerga as salas de aula como locais cruciais para estimularmos o pensamento crítico, debatermos temas urgentes aos nossos futuros e combatermos desinformações e preconceitos, formando e transformando indivíduos. É na escola, afinal, que passamos a maior parte da nossa infância e adolescência, desenvolvemos laços, socializamos e iniciamos a formulação de nossos valores e crenças.

Se de fato desejamos mudar o que viveremos daqui para frente e conter crises, precisamos urgentemente entender a potência do ambiente escolar e nele estimular a construção de uma empatia e ética que se expandam para além do humano. E, para isso, é necessário que os educadores e a comunidade compreendam a importância e desdobramentos dessa “nova ética”. O livro, enfim, inova também nesse ponto, dado que introduz a temática visando dialogar diretamente com esses públicos, sanando dúvidas e apontando caminhos.

ANDA — A capa do livro chama muita atenção. Consegue explicar um pouco sobre o conceito? Por que a ideia de trazer uma mandala?

MP: Bem, a intenção da capa de fato era a de criar uma imagem bem chamativa e atraente, despertando a curiosidade do leitor e aproximando-o. Porém, o significado é bem maior que a intenção.
À primeira vista, a ilustração parece uma mandala convencional. Mas, quando você a olha de perto, começa a encontrar alguns animais nos detalhes da imagem, como uma vaca, pássaros, abelhas, libélulas e outros.

Cada novo olhar traz uma nova descoberta, criando também algo lúdico. E há, inclusive, mãos humanas representadas no desenho, simbolizando cuidado e carinho.

A ideia por trás, então, é a de nos fazer refletir sobre a conexão entre as vidas, trazendo uma noção de horizontalidade entre as espécies. Nós humanos também estamos representados, mas como parte do coletivo, rompendo com a ideia hierárquica de que nossa espécie está acima das demais.

As imagens estão conectadas e criam algo único, simbolizando a união entre as vidas. E, de longe, a capa parece uma flor rodeada por abelhas, trazendo também elementos vegetais que são essenciais à discussão.

São muitas nuances, enfim, e sugiro que vocês mesmos encontrem todos os animais representados! E ah, a ilustração é da bióloga Joana Dias Ho!

ANDA — Quais seus próximos passos e planos em relação à obra e outros trabalhos?

MP: O principal objetivo do momento é fazer com que o livro chegue às escolas brasileiras e seja lido e aplicado por professores, potencializando as transformações propostas. Dessa forma, pretendo me dedicar mais uns anos a essas “reflexões animais”!

Uma das ideias que tenho é a de elaborar um curso de formação de professores com base na obra, apresentando o tema a educadores e verificando tanto suas reações quanto formas de propriamente aplicarmos essas discussões em salas de aula. Com esse trabalho conjunto, portanto, pretendo desenvolver a parte prática que “falta” no livro, haja vista que as propostas ainda não foram de fato aplicadas.

Nesse fluxo, pretendo também fazer um mestrado justamente analisando essas aplicações, investigando tanto os pontos de dificuldade quanto os de sucesso. O objetivo, então, é aperfeiçoar e disseminar essas ideias e proposta, inserindo os temas em ambientes educacionais e fortalecendo a luta pela libertação animal.

Foto: Divulgação

ANDA — Onde o livro está disponível para venda? E qual tem sido a recepção do público até o momento?

MP: A forma mais fácil de garantir um exemplar é comprando em minha loja online: https://www.mariahpeixoto.com/pt/reflexoes-animais-livro. Lá, você adquire uma cópia diretamente comigo, ganhando o livro com dedicatória, marca páginas e um adesivo de brinde! Além disso, você se assegura que o lucro está sendo revertido diretamente para a autora!

E, sobre a repercussão, felizmente está sendo bastante positiva! As vendas andaram bem nesses primeiros meses e tenho recebido muitos feedbacks de leitores bastante satisfeitos e instigados com a leitura. Estou bastante contente com essa minha primeira publicação e animada com o que vem pela frente!

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