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Os dois lados da história do macaco Chico

8 de agosto de 2013
5 min. de leitura
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Por Fátima Chuecco (da Redação)

Foto: Divulgação/G1
Foto: Divulgação/G1

Quando se vive 37 anos no inferno fica difícil ter uma noção da cor e sabor de um paraíso. Uma corrente presa ao pescoço por tanto tempo, até mesmo na hora de tomar banho, não lembra em nada uma vida feliz e recheada de amor. Esse é o lado B da história de Chico (ou Carla, como passou a ser chamado depois que descobriram seu sexo). O lado A da mesma história mostra uma senhora de 71 anos, simples e que parece mesmo gostar do macaquinho a quem se refere como “filho”. Ela o criou desde filhote quando foi vítima de tráfico de animais silvestres e diz que o mantinha acorrentado para não fugir.

A questão não é julgar dona Elizete Farias Carmona, que vive em São Carlos (Interior de SP), mas observar as condições em que o macaco vivia e as que ele se encontra agora num santuário em Assis (também no Interior do Estado). Talvez Elizete realmente achasse que estava fazendo o melhor pelo bichinho, mas isso não lhe dá o direito de continuar mantendo-o noite e dia acorrentado. Após a apreensão do macaco-prego, houve uma cuidadosa averiguação de seu estado clínico e se constatou marcas fundas no pescoço provocadas pela coleira de couro, atrofia das pernas e quadril (devido à falta de movimento e alimentação inadequada), além de peso abaixo do normal.

Carla vivia acorrentada -  Foto:  Alan Schneider/Divulgação/G1
Carla vivia acorrentada – Foto: Alan Schneider/Divulgação/G1

Um dado interessante é que Carla destroçou a coleira assim que a mesma foi retirada de seu pescoço (vide foto) e, curiosamente, guardou os pedaços. Na reportagem exibida pela TV Record é também possível notar que a macaquinha leva as mãos diversas vezes até a coleira, como que querendo que a libertem dela. Era permitido que ela subisse em alguma árvore e também ficava num tronco ou muro da casa, mas sempre com uma corrente presa ao pescoço com cerca de um metro e meio de comprimento. Elizete contou na matéria da Record que a mantinha presa porque uma vez fugiu e derrubou tudo na cozinha de uma casa vizinha.

Passado o susto da mudança de local, Carla foi então colocada num viveiro com outros de sua espécie e, segundo o presidente da Associação Protetora dos Animais Silvestres de Assis (APASS), Aguinaldo Marinho de Godoy, ela está comendo e passando muito bem. À noite dorme numa casinha junto com outros macaquinhos. “Isso é um evidente sinal de socialização. Ela está muito tranquila, vocalizando vários sons, delimitando seu território, trocando carinhos com outros macacos com atitudes de “catação” (tipo procurando insetos nos pelos) e trocando alimentação com as demais macacas. Em nenhum momento gritou, agrediu, mordeu ou arranhou as demais macacas. É de chorar de emoção de ver a alegria dela acariciando as outras”, comenta.

Segundo o ambientalista, a vida em bando é característica da espécie de Carla. Existem bandos de 20 a 50 animais e viver sozinho é que pode ser complicado para eles. Ele diz que entende a afeição que Elizete criou pelo macaco, mas é preciso ver o que é melhor para o animal também: “Como ser humano tenho pena da família de São Carlos, contudo, fazemos de tudo para preservar a integridade dos animais e defender a declaração dos direitos universais do bem estar animal. Falando como técnico, não acho que um viveiro na casa da família de São Carlos poderia dar à Carla a qualidade de vida que ela está tendo aqui, junto de outros da sua espécie e podendo interagir com eles pela primeira vez na vida. Inclusive, ela está aprendendo a utilizar a cauda como quinto membro e já começou a pular de galho em galho. Isso antes não acontecia devido a restrição da corrente”.
Com relação à dieta de Carla, Aguinaldo diz que está administrando a proposta pela Superintendência do IBAMA e que é a mesma usada nos melhores zoológicos do Brasil e do Mundo: tem chicória, agrião, acelga, cenoura, beterraba, milho vede, pepino, berinjela, uva, coco e amendoim. Ele também esclarece que a macaquinha não será solta na natureza devido sua idade: “Ela foi encaminhada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de SP e uma ordem judicial do Ministério Público de São Carlos. Fomos nomeados fiel depositário da macaca e qualquer decisão que tomarmos se dará somente com a orientação desses órgãos reguladores”.

Foto: Divulgação/G1
Foto: Divulgação/G1

A polêmica da decisão
A história de Chico (ou Carla) mexeu com os nervos das pessoas. Inicialmente, a comoção maior foi em favor de dona Elizete. Duas petições foram imediatamente divulgadas e colheram cerca de 15 mil assinaturas pedindo a devolução do animal à dona. A OAB de São Carlos também comprou a briga e busca obter a devolução judicialmente. Mas no calor da emoção inicial, especialmente provocadas pelas imagens vistas na TV que não mostravam o dia a dia do animal e nem argumentavam a respeito de seu bem estar, muitas pessoas deixaram de avaliar o lado B da história. O argumento maior das pessoas a favor de dona Elizete é de que são 37 anos vivendo com a macaquinha, mas é preciso ter em mente de que se trata de uma convivência mantida a base de corrente. O animal não teve chance de sair dali, de escolher outro caminho.

O certo teria sido Carla nem chegar às mãos de dona Elizete, portanto, o falho sistema de contenção do tráfico de animais silvestres tem grande parcela de culpa nessa história toda. Mas o importante agora é averiguar como está a macaquinha. Se dona Elizete realmente a ama como “filha” saberá reconhecer que ela está feliz, vivendo perto de outros de sua espécie e fazendo coisas que nunca teve oportunidade de fazer. Pessoas furiosas alegam nas redes sociais que é um crime tirar Carla de dona Elizete, mas não seria um crime ainda maior destruir essa alegria que Carla está tendo perto de sua vida terminar? Macacos-prego só vivem cerca de 40 anos. Não seria mais sensato deixar Carla desfrutar desse convívio com outros macacos no tempo que lhe resta?

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