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PREVENÇÃO

O que é combate à crise climática na prática, em 6 áreas

Painel da ONU lista medidas para reduzir emissões e adaptar países a efeitos do aquecimento global em relatório descrito como um ‘guia de sobrevivência’. O ‘Nexo’ mostra exemplos dentro e fora do Brasil

2 de abril de 2023
10 min. de leitura
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Indígenas Kanamari em trabalho na roça na terra indígena vale do Javari, no Amazonas

Por Mariana Vick

Um relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) publicado na segunda-feira (20) afirma que, apesar do avanço da mudança do clima, ainda há esperança de um “futuro habitável e sustentável para todos” caso o mundo enfrente a crise.

As ações atuais ainda não são suficientes para atingir a meta de manter o aquecimento global no limite de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, como define o Acordo de Paris. Mas a publicação destaca que há medidas eficazes para evitar o colapso climático e problemas como crises na produção de alimentos, inundações, epidemias e incêndios florestais.

Ou seja, é preciso fazer mais para evitar o pior — mas o mundo já tem os meios para isso. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou o documento de um “guia de sobrevivência para a humanidade”. Neste texto, o Nexo mostra o que isso significa na prática, listando ações já em andamento no Brasil e no exterior em setores como energia, indústria, transporte e alimentação.

Energia

O IPCC é um órgão das Nações Unidas que reúne cientistas do mundo todo para entender as mudanças climáticas e fazer propostas para o combate ao problema. O relatório publicado na segunda-feira (20) resume as descobertas do atual ciclo de avaliações, iniciado em 2015.

Segundo o IPCC, uma das principais ações que os países podem adotar para combater a mudança climática é transformar o setor energético, que, por ser baseado em combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, hoje é o principal responsável pelas emissões de gases que causam o aquecimento global.

Diversos países têm tomado medidas para substituir esses combustíveis por fontes de energia limpa. Entre eles, estão a China, que construiu o maior parque solar do mundo na província de Qinghai, em 2020, e a Índia, que criou o chamado Integrated Renewable Energy Project (projeto de energia renovável integrada, em tradução livre), iniciativa ainda em construção que combina energia eólica, solar e hidrelétrica.

Painéis solares são inaugurados na sede do ministério de Minas e Energia, em Brasília, em 2016

Iniciativas desse tipo também existem no Brasil. Enquanto, na Amazônia, comunidades até então sem acesso à energia elétrica têm se beneficiado da construção de painéis solares, no semiárido nordestino está em discussão, numa parceria entre governo e organizações da sociedade civil, a integração entre parques eólicos e solares, que operariam em complementaridade com os reservatórios da bacia do São Francisco.

Segundo Roberto Kishinami, mestre em física pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em energia dentro do Instituto Clima e Sociedade — uma das organizações que desenvolvem o projeto no Nordeste —, a iniciativa pode levar benefícios sociais e econômicos para a região e estabilizar o São Francisco, que, além da geração hidrelétrica, poderia ser utilizado em atividades como abastecimento e agricultura.

Para ele, o principal desafio desse tipo de iniciativa é a governança. No caso do Brasil, a gestão dessas fontes de energia exige participação federal, regional e até municipal, disse ao Nexo. Fora isso, segundo ele, há também a necessidade de estudos antes da implementação dos projetos.

Indústria e transporte

Outra proposta do IPCC para enfrentar a mudança climática é reduzir as emissões de gases de efeito estufa da indústria e do sistema de transportes, adotando biocombustíveis para carros, transporte público e aviões no lugar dos combustíveis fósseis ou criando frotas de veículos elétricos.

Esse tipo de iniciativa tem crescido, principalmente no setor de transportes. Países como Noruega, Holanda, Reino Unido e Áustria estão entre os lugares onde há maior participação de veículos elétricos individuais no mercado automotivo, segundo dados de 2022.

Essa participação é menor no Brasil, que tem investido, por outro lado, na eletrificação do transporte público. Prefeituras como São Paulo, Curitiba, Salvador e São José dos Campos (SP) estão entre as que têm renovado suas frotas de ônibus e BRT com veículos elétricos.

Pedestres atravessam na faixa em terminal de São Paulo.

Segundo Marcel Martin, mestre em planejamento urbano e regional pela UFABC (Universidade Federal do ABC) e coordenador do portfólio de transporte do Instituto Clima e Sociedade, essas iniciativas ainda têm desafios, como a oferta insuficiente de veículos elétricos no Brasil e o modelo de negócios do transporte público, que, por ser baseado na receita tarifária, é deficitário.

Para ele, o governo federal deve apoiar o financiamento do setor, assim como faz com a saúde e educação (cuja gestão é dividida entre União, estados e municípios). Além de combater a mudança climática, a eletrificação das frotas tem benefícios para a saúde, já que diminui a poluição dentro das cidades.

Também há exemplos de ações contra a mudança climática no setor de aviação. Em 2023, a companhia United Airlines, dos Estados Unidos, criou um fundo de US$ 100 milhões para investir no uso de combustíveis alternativos para sua frota, como óleo de cozinha e algas.

Cidades e infraestrutura

Segundo o relatório do IPCC, mudanças nas cidades — que incluem, além do transporte, o planejamento urbano e setores como o de moradia, construção, saneamento e gestão de resíduos sólidos — também são importantes para o combate à crise do clima.

Essas ações podem tanto reduzir as emissões de gases de efeito estufa quanto ajudar as populações que vivem nas cidades a se adaptar aos impactos da mudança climática, como eventos extremos de chuvas.

68% da população global será urbana até 2050, segundo dados do ONU-Habitat

Entre os exemplos de ações tomadas até agora, está a criação de secretarias do Calor desde 2021 em cidades como Atenas, Santiago, Miami e Freetown. Financiados por iniciativas internacionais do terceiro setor, esses órgãos têm como objetivo combater o calor extremo no espaço urbano, redesenhando áreas verdes e mudando os materiais das construções locais, por exemplo.

Outra iniciativa está na cidade de Recife. Em 2023, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) aprovou crédito de US$ 1,3 bilhão (ou R$ 6,8 bilhões, na cotação de 23 de março) para a prefeitura aplicar no programa ProMorar, que busca investir em urbanização, reassentar de famílias que vivem em locais de risco, ampliar a rede de coleta de esgoto e criar parques lineares. Segundo a prefeitura, as obras devem começar em 2023.

Terra, agricultura e água

Manter a resiliência da natureza contra os impactos da mudança climática depende de medidas como a conservação de florestas, da água doce e dos oceanos, segundo o IPCC. Manejo florestal, reflorestamento e agricultura de baixo carbono estão entre as medidas possíveis para atingir esse objetivo.

Iniciativas como o Fundo Amazônia, criado no Brasil, têm contribuído de forma ampla para essa tarefa. De 2008 a 2019, recursos doados pela Noruega e a Alemanha para o fundo financiaram projetos de combate a incêndios florestais, restauração de nascentes de rios e pesca sustentável em terras indígenas, por exemplo.

Fiscais do Ibama em operação contra desmatamento ilegal em Espigão do Oeste(RO)

Entre os beneficiados pela iniciativa, estão agricultores da Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado), cooperativa de 300 famílias criada em 1989 em Porto Velho (RO) que recebeu recursos do fundo em 2018. Pioneiro no uso de sistemas agroflorestais, método agrícola que mistura cultivos e no qual as plantações imitam florestas, o grupo contribui para a manutenção da biodiversidade local.

Reportagem do portal Mongabay sobre a Reca mostra que ainda há desafios para implementar esse tipo de produção em maior escala, como a falta de especialização dos produtores sobre o tema, financiamento insuficiente e também falta de tecnologia. Apesar disso, projetos bem-sucedidos podem se tornar uma fonte de renda estável para pequenos agricultores.

49% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil são causadas por mudanças no uso da terra (que inclui desmatamento), segundo dados de 2022; outros 25% vêm da agropecuária

Outra maneira de preservar a biodiversidade é demarcar áreas protegidas, seja na terra ou no mar. Em 2012, por exemplo, a Austrália criou o maior conjunto de reservas marinhas do planeta até então, somando mais de 2,3 milhões de km². Em 2021, o país anunciou o investimento de cerca de US$ 100 milhões na conservação dos oceanos, grande parte dedicada ao cuidado de manguezais e ervas marinhas.

Saúde

Segundo o relatório do IPCC, ações como fortalecer os sistemas de saúde, melhorar programas ligados a doenças sensíveis ao clima (como doenças respiratórias, dengue e malária), aumentar o acesso à água potável, melhorar a vigilância contra eventos climáticos extremos, desenvolver vacinas e ampliar o acesso a cuidados de saúde mental estão entre as medidas que podem ajudar as pessoas a enfrentar a mudança do clima.

Estudo publicado em 2020 na revista científica The Lancet mostrou que todos os países, sejam ricos ou pobres, têm sistemas de saúde despreparados para lidar com a crise climática. De 101 países analisados, apenas 51 tinham planos de preparar a infraestrutura de saúde para o problema e menos ainda, quatro, tinham recursos o suficiente para implementá-los.

Vacinação drive thru na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), zona norte do Rio

Algumas iniciativas tentam mudar esse cenário. Em 2018, a OMS (Organização Mundial da Saúde) iniciou um projeto em Moçambique para fortalecer o sistema de saúde local contra os impactos da mudança climática, capacitando o ministério da área para adotar novas políticas e melhorando o monitoramento de riscos ligados ao clima.

Outro projeto implementado pela ONU em 2022 pretende criar sistemas de alerta precoce contra perigos climáticos em todo o mundo, para evitar mortes causadas por eventos extremos (como inundações). A iniciativa foi lançada em Barbados e planeja se expandir para outros países até 2027.

Países como as Filipinas e a Índia também adotaram políticas que relacionam saúde e mudança climática. Em 2022, a OMS afirmou que as Filipinas melhoraram serviços de saúde mental após o impacto do tufão Haiyan em 2013, enquanto, na Índia, um projeto nacional tem reduzido o risco de desastres no país ao mesmo tempo que tenta atender às necessidades de saúde mental da população.

Sociedade e economia

Outras medidas que as sociedades podem adotar para enfrentar a mudança climática, segundo o IPCC, envolvem políticas sociais e a economia. Entre as propostas do grupo, está combinar políticas sociais com as ambientais e criar fundos de combate à mudança do clima.

Produção de alimentos orgânicos cultivados no acampamento Comunada da Terra Irmã Alberta

Em 2011, por exemplo, o Brasil criou o programa Bolsa Verde, cujo objetivo era pagar um benefício de R$ 300 a cada três meses a famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvessem atividades de conservação em áreas com recursos naturais relevantes, como florestas nacionais, reservas extrativistas ou assentamentos.

O programa foi descontinuado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2017. Em seis anos, auxiliou cerca de 76 mil famílias que viviam em áreas protegidas da Amazônia. Segundo reportagens de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja retomar o programa em 2023.

Outro exemplo de política que se insere no rol das listadas pelo IPCC é o programa “cap-and-invest” do estado de Washington, nos Estados Unidos. Adotado na lei em 2021 e implementado pela primeira vez em 2023, o programa obriga empresas poluentes a adquirir permissões para a emissão de gases de efeito estufa no estado e usa o valor arrecadado para medidas como a construção de infraestrutura de energia limpa.

Fonte: Nexo

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