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FORÇA E CORAGEM

Novo estudo sugere que gorilas têm resiliência excepcional a traumas na infância

26 de maio de 2023
4 min. de leitura
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Foto: Getty Images

Costuma ser consenso afirmar que pessoas que sofrem traumas durante a infância carregam suas consequências para a vida adulta, tendendo a ter uma vida mais difícil que quem não passa por essas experiências negativas. O mesmo acontece com muitas outras espécies, afetando sua longevidade e saúde geral. Mas um novo estudo aponta que há pelo menos uma espécie em que o efeito costuma ser contrário: gorilas da montanha.

Pesquisadores identificaram que jovens gorilas que passam por duras adversidades nos seus primeiros anos, como a perda de pai ou mãe, vivem tanto quanto, ou até mais que seus colegas não traumatizados. A pesquisa, liderada pela antropóloga biológica Stacy Rosenbaum, foi recém-publicada na publicação Current Biology.

“Por razões que ainda estamos tentando entender, os gorilas parecem ser notavelmente resistentes às adversidades do início da vida”, diz Rosenbaum à Scientific American. Segundo ela, compreender como uma espécie aparentada da humanidade lida com o trauma da infância pode trazer insights sobre por que algumas pessoas conseguem fazer o mesmo, enquanto outras continuam a ser afetadas por experiências negativas da infância.

O novo estudo foi possível graças à existência de um banco de dados administrado pelo Dian Fossey Gorilla Fund, um grupo conservacionista de Ruanda. Lançado em 1967, o banco de dados contém observações diárias de de 400 gorilas da montanha, monitorados no Parque Nacional dos Vulcões de Ruanda. “Literalmente, centenas de pessoas com mais de 55 anos saíram todos os dias para observar os gorilas”, conta a cientista.

Rosenbaum e seus colegas se concentraram em 253 gorilas de 19 grupos. Eles examinaram se cada animal experimentou algum entre seis tipos de adversidade antes dos seis anos de idade, como perder a mãe ou o pai ou testemunhar o infanticídio de um outro jovem animal. Em seguida, a equipe analisou quanto tempo viveu cada um dos animais do estudo.

Os cientistas avaliaram que gorilas jovens que foram expostos a múltiplas dessas adversidades sofreram quase 30 vezes mais risco de morte antes dos seis anos de idade. Mas, para a surpresa deles, os indivíduos que conseguiram sobreviver além dessa faixa etária não sofreram nenhum impacto negativo sobre sua longevidade.

Na verdade, os machos que sofreram as adversidades mais complicadas tendem a viver mais do que os que tiveram vidas mais tranquilas. Rosenbaum e seus colegas creditam isso à seleção natural. “A ideia básica é que ele só sobrevive a esse período inicial se for um animal particularmente de alta qualidade”, diz ela.

Para gorilas fêmeas, não houve diferença na longevidade das experiências vividas pelos animais nos primeiros anos. Mas só o fato de elas terem vivido tanto quanto os animais não traumatizados indica que a espécie em geral tem uma resiliência acima do comum, diz a cientista.

A equipe de Rosenbaum não tem uma explicação definitiva para suas descobertas, mas arriscam uma hipótese: os gorilas registrados no banco de dados vivem em uma “bolha” onde não enfrentam escassez de recursos naturais, diz a cientista líder do estudo. Afinal, na área de observação há muita água e comida, e a floresta é protegida de madeireiros e caçadores furtivos. Além disso, neste ambiente os animais também vivem em grupos sociais fortemente unidos. Se um jovem gorila ficar órfão, por exemplo, outros membros do grupo intervirão para fornecer mais cuidados.

Se essa explicação estiver correta, isso significa que, para os animais sociais, evitar os impactos negativos do trauma na infância requer apoio e recursos sociais, diz Rosenbaum.

“É surpreendente saber que indivíduos que enfrentam adversidades em seus primeiros anos não sofrem consequências de longo prazo para a sobrevivência”, diz Melissa Emery Thompson, antropóloga evolutiva da Universidade do Novo México, que não participou do novo estudo. “Obviamente, humanos não são gorilas, mas é incrivelmente valioso ter dados comparativos sobre esse fenômeno em uma espécie de vida longa e que compartilha tantas semelhanças biológicas com os humanos”, acrescenta.

Rosenbaum enfatiza que, apesar das diferenças óbvias entre seres humanos e grandes símios, “temos uma quantidade enorme de coisas em comum”. Ela suspeita que a essência das descobertas do gorila provavelmente também se aplica a pessoas e outros mamíferos longevos. “Quando pensamos em como ajudar as crianças a se recuperarem de adversidades precoces, é muito importante ter em mente que não basta apenas oferecer apoio social ou apenas apoio econômico”, diz ela. “Se ignorarmos um ou outro, acho que as chances de sucesso das intervenções são baixas.”

Fonte: Um Só Planeta

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